Publicado originalmente no site JL Política, em 06 de dezembro de 2018
OPINIÃO - Wellington Mangueira: um humanista na alma e na
raça
Por Milton Junior *
“Continência a um comunista”. Impiedosamente contestado aos
olhos dos radicais de direita, ao mesmo tempo intrigante aos camaradas com
idealismo marxista, o título desta obra literária desperta o interesse coletivo
para o consumo histórico protagonizado em torno da história de vida traçada por
um líder esquerdista envolvido até o topo com o Partido Comunista Brasileiro -
PCB -, justamente durante os 21 anos de governo militar, entre 1964 e 1985.
A ser lançada no próximo dia 12 de dezembro, no salão nobre
do Cotinguiba Esporte Clube, em Aracaju, a biografia de Wellington Dantas
Mangueira Marques desmistifica a “fórmula progressista” que transformou o
cidadão antes torturado em um nobre gestor público no início dos anos 1990.
Menos de 10 anos após o fim do golpe militar, o aracajuano
nascido em 21 de agosto de 1945 deixou de ocupar os porões das cadeias
insalubres, de sofrer os mais variados tipos de tortura, para, diante de
multidões, receber continência ofertadas por oficiais das mais variadas
patentes, guarnições e instituições de segurança pública.
A publicação deste livro se faz possível devido a uma forte
ação de insistência junto ao biografado. Apesar de pronto - modéstia à parte,
com capa muito bem elaborada pelo camarada Marcélio Couto e um texto que
interliga o passado e o futuro em uma suave leitura repleta de imagens inéditas
e ilustrações criadas pela mente brilhante do nobre comunicador Edidelson Silva
-, é preciso destacar que foram, ao menos, um ano e meio insistindo para
Wellington Mangueira conceder a liberação para a produção do livro.
Sempre defendendo a tese de que “apenas pessoas falecidas,
ou prestes a morrer possuem biografia”, o advogado, professor de história,
comunicador e defensor dos direitos humanos, lutou, resistiu, mas foi vencido
pela insistência deste jornalista, que, assim como centenas de sergipanos, é
apaixonado pela história de vida do ilustre torcedor do Cotinguiba Esporte
Clube.
Conquistada a permissão, antes mesmo que Wellington por
ventura pensasse em desfazer a liberação, foi necessário agilizar a criação de
roteiro, iniciar o processo de entrevistas, decupar por longas madrugadas estes
áudios e começar a escrever.
Sempre à base de boas doses de café expresso, puro e com
pouco açúcar, a produção textual prevalecia ao ponto de os bons e tradicionais
churrascos semanais com os amigos paralelamente terem sido transformados em
atividade secundária, ou, em alguns sucessivos casos, sempre fomos - eu e minha
esposa -, os últimos a bater o ponto.
Falar de Wellington é prazeroso. Mas requer explorar a
respectiva mente para não deixar de elencá-lo às correntes familiares e sociais
que o cercam desde o momento em que seus primeiros choros ecoaram pela
tradicional Avenida Augusto Maynard. A história do biografado se confunde nos
mínimos detalhes com os de sua namorada e esposa desde o tempo do Atheneu
Sergipense, Laura Marques.
Assim como Laurinha, é impossível citar o nome de Wellington
e não envolver o Cotinguiba, o Partido Comunista Brasileiro, o Atheneu, o
regime militar, o carnaval, a antiga União Soviética, os órgãos públicos em que
administrou e a consciência humanista dele. Com um quociente de inteligência
elevado, o homenageado passa a aparência de possuir um amplo HD interno que o
faz recordar com detalhes inúmeras passagens da vida dividida com a esposa,
e/ou com os nobres companheiros do velho PCB.
Justamente em virtude desse representativo conteúdo
histórico, no decorrer da produção textual percebi a necessidade de esquecer um
pouco os depoimentos dos companheiros, e focar apenas nas histórias narradas
por ele. Ao consumir o livro, o leitor se deparará apenas com citações de
Helena Marques (sogra de Wellington) e do camarada João Augusto Gama. Incluir o
depoimento dos camaradas quebraria o fluxo da leitura. Essa não era, e nunca
foi a intenção desde o primeiro dia de escrita.
Os depoimentos dos amigos e admiradores ficou reservado em
um capítulo à parte. O desafio sempre foi buscar a melhor forma de deixar o
livro atraente aos olhos de leitores com idades acima de 14 anos. Isso sempre
me martelou a consciência, em virtude de atualmente o público mais jovem, por
exemplo, ser considerado pelo Ministério da Educação como o grupo de
brasileiros que menos se interessa por história e literatura. Segundo o próprio
MEC, uma pesquisa nacional mostra que os jovens não percebem utilidade no
conteúdo das aulas. As disciplinas de língua portuguesa e matemática são
consideradas as mais úteis por, respectivamente, 78,8% e 77,6% dos alunos.
Lamentavelmente, o Brasil já percebe o reflexo do problema
estrutural sobre conhecimento histórico da população. Pensando justamente na
perspectiva de seguir na contramão desses dados nacionais, a inclusão de charge
e depoimentos que estão direta ou indiretamente presentes no dia-a-dia das
pessoas permite que os leitores se vejam ao menos em algum momento vivenciado
por Wellington.
Entre esses casos, a biografia apresenta desde o consumo de
bebidas alcoólicas durante a infância, como passeios de barco no Rio Sergipe,
bastidores da família, futebol, cultura, jogos de cartas, café, história das
ruas de Aracaju, e defesa da comunidade LGBT. Este não é um livro para ser
depositado em prateleiras de biblioteca. Por possuir um perfil minuciosamente
democrática, ele é, e recomendo que seja, utilizado dentro das salas de aula
como forma de multiplicação de um conteúdo educacional.
Escrever sobre o legado de Wellington Mangueira foi uma
honra, e mais feliz ficarei ao perceber que esse conteúdo será consumido por
pessoas residentes nos quatro cantos da nossa nação. As 315 páginas foram
desenvolvidas com o máximo de afeto por cada conteúdo que me foi compartilhado.
Deguste esta obra literária sem moderação.
* É jornalista e escritor.
Texto e imagem reproduzidos do site: jlpolitica.com.br