Publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em 17 de setembro de 2019
Nomes iguais e ideais semelhantes
Almir do Picolé e Almir Santana carregam em suas histórias
de vida a marca da solidariedade
Na manhã desta sexta-feira, 13, não levando em conta a
simbologia de uma sexta-feira 13, a equipe de Reportagem do JC teve a grata
satisfação de entrevistar dois homens que carregam em suas histórias a marca da
solidariedade. Dois “Almirs porretas”, como diria na linguagem popular.
A missão teve início no prédio do INSS, na Avenida Ivo do
Prado, onde a equipe encontrou com Almir do Picolé. Com vestimentas simples e
um sorriso largo no rosto, o homem que teve uma trajetória de sofrimento,
marcada pelo abandono e percalços da vida, tendo inclusive que morar em um
orfanato, deu a volta por cima e hoje estende a mão para 85 crianças em uma
creche na Piabeta, em Nossa Senhora do Socorro.
“Minha irmã com três anos e eu com cinco e minha mãe deixou
a gente na Rodoviária Velha. Deixou sem maldade. Ela ia embora para São Paulo e
pensou que a madrasta dela ia buscar a gente. Mas isso não aconteceu. Ficamos
jogados de orfanato em orfanato até sermos separados”, relembra Almir Almeida
Paixão, o popular Almir do Picolé.
Uma história triste e que tinha tudo para ter um final ainda
mais melancólico. Mas o pequeno Almir cresceu e se tornou um homem íntegro e,
acima de tudo, humano. Trabalhando como vendedor de picolé para sobreviver, ele
não media esforços quando o assunto era ajudar as pessoas.
Morando em um quarto de vila e dividindo o espaço com mais
32 famílias, muitas vezes o jovem Almir comprava dúzias de ovos para aqueles
que, de um jeito ou de outro, tornaram-se os laços afetivos que ele nunca pôde
construir.
Em paralelo à venda de picolés, Almir, que está às vésperas
de completar 50 anos de idade, começou a catar latinha para comprar brinquedos
para as crianças carentes da Piabeta. Foi aí que um advogado conheceu o
trabalho dele e o indicou para uma reportagem em nível nacional, que abriu as
portas para a construção da Creche Almir do Picolé.
“Foi assim que eu ganhei o terreno para fazer a minha casa
para morar. Mas a minha consciência acusava que eu só tinha ganho por causa das
crianças. Então decidi fazer a creche. Eu poderia estar com a minha casa e sem
preocupação com salário de funcionário e encargos trabalhistas, mas eu fiz uma
opção de vida”, conta o ex-vendedor de picolé.
Mas nem tudo são flores por lá. Atualmente com 14
funcionários registrados e 85 crianças para manter, Almir passa dias em
semáforos da capital no intuito de completar o salário dos colaboradores. “Esse
mês faltou R$ 1,4 para pagar aos funcionários. Eu vendi um carrinho velho
vermelho que eu tinha. Mas dias melhores virão”, diz sem perder a esperança.
Chegando na Secretaria de Estado da Saúde, com Almir do
Picolé à tira-colo, a equipe de Reportagem do JC encontra o outro Almir, na
verdade o médico sanitarista José Almir Santana.
Também de sorriso largo e com olhos afetuosos pelo xará,
Almir Santana nem bem começou a falar e já foi surpreendido pelo Almir do
Picolé: “Almir levou uns peixes lá na creche. Ele reduziu os pecados. Olha que
reportagem boa com um Almir feio, que é ele, e um Almir bonito, que sou eu”,
brincou o do picolé.
Brincadeiras à parte, Almir Santana é o exemplo de pessoa
que nasceu para servir. Médico desde 1981, aos 28 anos, Almir já tinha ciência
que utilizaria a sua profissão para ajudar as pessoas. “Quando eu me formei em
Medicina, a minha proposta não era ficar no consultório apenas. Eu achava que
no consultório eu ajudaria bem menos do que envolvido com saúde pública”, conta
o médico.
Seis anos depois, o jovem médico abraçaria a causa que
marcou de vez a sua vida e a sua carreira profissional: a luta contra a Aids.
“Na época, quando teve o primeiro caso de Aids aqui, nenhum
médico queria atender. Era muito preconceito, além de ser uma doença nova. Aí
eu trabalhava num posto de saúde na periferia e aceitei atender. Dessa época
para cá eu assumi isso para a minha vida”, narra emocionado. E com a tarefa
veio também um fardo para carregar: o preconceito.
“Perdi meu consultório. Na verdade, as pessoas não queriam
ir preocupadas com as outras que iriam achar que elas tinham Aids ou achavam
que iam pegar Aids no meu consultório. Deixei o consultório e abracei a causa
definitivamente. Lembro de toda a história. Uma pessoa que veio de São Paulo
para o interior de Sergipe e ninguém queria atender. Onde ele sentou, tocaram
fogo na cadeira do posto. A Aids era tida como uma doença cruel e assustadora”,
lamenta Almir Santana.
E com o fardo, como todo ser humano, o médico também pensou
em abandonar o barco. “Pensei em desistir, como se diz na gíria, jogar a
toalha, mas às vezes eu olho para trás e penso que se eu desistir tem pouca
gente ainda querendo assumir essa luta. Não é por questão de competência, mas o
lado de associar a Medicina com a solidariedade. Em Aids, a medicação, apenas,
não resolve”, explica.
Após mais de uma hora de papo descontraído e emocionante, os
“super Almirs” se despedem à base de elogios e brincadeiras. Cada um segue para
uma rotina que, apenas eles, sabem a dor e a delícia de ser o que são.
Contribuições
Para quem quiser contribuir com a Creche Ação Solidária
Almir do Picolé, basta entrar em contato através do telefone: 3254-7644, ou
realizar qualquer depósito na conta corrente do Banco do Brasil, na agência:
2346-9; conta: 20074-3. Para quem quer ajudar as pessoas com HIV em Sergipe,
basta entrar em contato com a Casa de Apoio Bom Samaritano, que fica localizada
na Avenida Maranhão, através do telefone 3236-2139.
Reportagem: Redação do Portal JC.
Foto: André Moreira
Texto, imagem e vídeo reproduzidos dos site: jornaldacidade.net e youtube.com
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