Publicado originalmente no site JLPOLÍTICA, em 06 de novembro de 2019
Opinião - Faltava um pedaço de Amaral
Por Jorge Carvalho do Nascimento *
É difícil escrever sobre Amaral Cavalcante. Não porque dele
haja pouco a dizer. Difícil mesmo é selecionar o que dizer diante da vida
plúrima vivida pelo poeta que encantou a minha geração. Quando eu o conheci na
primeira metade da década de 70, Amaral havia chegado aos 30 anos de idade, mas
era de há muito um irrequieto agitador cultural. Tinha reconhecida a sua
competência como intelectual, poeta, jornalista e cronista. Foi bom faze-lo
amigo e ser por ele aceito em tal condição. Admiração e amizade que me fizeram
saudá-lo quando do seu ingresso na Academia Sergipana de Letras.
O menino de Simão Dias, rebento de Corina Hora do Amaral e
José Cavalcante Lima carregou para sempre as marcas educativas do matriarcado
familiar e o convívio com os irmãos José Nery, Tereza, Édila e Jorge. Mesmo
tendo sido apartado destes aos quatro anos de idade para viver em Itaporanga
D’Ajuda com as tias-avós paternas Emiliana Nery, uma professora jubilada,
católica, filha de Maria, militante da Pia União, e a presbiteriana Maria dos
Anjos. Foi esta última que ecumenicamente o alfabetizou e incentivou as
primeiras leituras, juntamente com o padre Arthur Moura Pereira, o vizinho da
família de Amaral nas margens do rio Vaza Barris.
Certamente um momento importante para forjar o grande poeta
e cronista que conhecemos. O estimulo de Maria dos Anjos certamente o ensinou a
ser bom leitor e influiu muito na formação do cronista e poeta. A tia-avó era
uma oradora de Itaporanga D’Ajuda, que tinha guardados em seus baús discursos
para todas as ocasiões: Dia da Arvore, Grito do Ipiranga, Natal, Valor do
Saber. Tal como ela, Amaral aprendeu a recitá-los com voz impostada e a também
angariar alguns trocados para abrilhantar os eventos sociais da cidade.
De lá voltou para Simão Dias. Foi estudar. De Simão Dias,
saiu adolescente para ser aluno interno do Colégio Agrícola, em São Cristóvão.
Voltou para Simão Dias, onde concluiu o Ginásio. Fez política estudantil e
liderado pelo padre estanciano Joaquim Antunes Almeida, o Padre Almeida, fundou
o Grêmio Escolar da instituição de ensino onde era aluno, ao lado de Clínio
Carvalho Guimarães, sob a influência do seu professor de História, Lauro
Pacheco.
Era o professor Lauro Pacheco quem mais falava de política
para os estudantes, quem criticava o colonialismo e os abusos da propriedade
latifundiária. O professor Lauro Pacheco foi uma espécie de consultor que
contribuiu na redação do Regimento Interno do Grêmio. Amaral concluiu o curso
ginasial e foi o orador da sua turma. O menino, agora rapaz, estava pronto para
conquistar a capital do Estado. O ano era o tumultuado e tenebroso 1964. Amaral
havia, já, vivido 18 anos. A dureza da vida se fez real. O comércio foi a
alternativa de trabalho que se apresentou, para garantir o próprio sustento e
colaborar com a renda da família. À noite, frequentava as aulas do Atheneu. Foi
vendedor ambulante de aparelhos de jantar, transportando enormes e pesadas
caixas de louça na cabeça. Trabalhou na Movelaria Universal, arrumando móveis.
Ao catapultar-se para Aracaju, na bagagem trouxe os
primeiros poemas. Folhas de papel datilografadas. Era a sua experiência de
escritor quando ele conseguiu trabalhar nos escritórios do Sergipe Jornal, onde
conheceu o jornalista Luiz Eduardo Costa e fez amizade com Luduvice José, que o
levou para a Academia de Jovens Escritores, organizada pela professora
Carmelita Pinto Fontes. A convivência no Sergipe Jornal estimulou o
aprofundamento na leitura e alargou o relacionamento social do jovem poeta de
Simão Dias. Lá conheceu Florival Santos, que o convidou para ocupar o cargo de
Secretário da Galeria de Arte Álvaro Santos. Ali, um novo amigo: Clodoaldo de
Alencar Filho, que o apresentou aos jovens intelectuais de Sergipe: Mário
Jorge, Ilma Fontes, João Augusto e Aparecida Gama, Luiz Antônio Barreto, Nino
Porto, Ivan Valença, Aderaldo Argolo e Ezequiel Monteiro.
Era a poesia que agregava Amaral Cavalcante. O jornalismo
era o pano de fundo. O Margelino foi o primeiro jornal alternativo que fundou
naquele período. Impresso em mimeógrafo, era distribuído entre os alternativos
frequentadores do Parque Teófilo Dantas. Antecedeu o Folha da Praia, periódico
alternativo que inscreveu definitivamente o nome do poeta Amaral Cavalcante na
galeria dos grandes do jornalismo em Sergipe. Antes disso, o inquieto Amaral
fez cinema, fez teatro, criou o Teatro Livre da Sociedade de Cultura Artistica
de Sergipe - a SCAS -, a Associação Sergipana de Cultura - ASC -, a Editora
Jovens Reunidos - Jovreu e o Clube de Poesia. A maturidade chegou e encontrou o
poeta presidindo a Fundação Cultural do Estado de Sergipe.
Amaral Cavalcante se fez intelectual e se expressou no
âmbito de uma geração com nomes da maior importância. Todos reconhecidos. Cada
um ao seu modo, cada um com o seu estilo, mas merecedores do aplauso público:
Jackson da Silva Lima, Ibarê Dantas, Beatriz Góis Dantas, Paulo Fernando Teles
de Moraes, Terezinha Oliva, Luiz Alberto dos Santos, Antônio Carlos Mangueira
Viana, Francisco José Costa Dantas, Murilo Mellins, Francisco José Alves,
Antônio Samarone, Marcelo Deda, José Paulino da Silva, Maria Neli Santos,
Luciano Correia, Carlos Cauê e Lílian Wanderley, dentre tantos.
Suas crônicas, hoje postadas na rede mundial de
computadores, atestam a linguagem de um escritor maduro, consciente da sua
responsabilidade como condutor de um grande número de seguidores, um
memorialista a seu modo, capaz de cascavilhar no passado não apenas fatos, mas
detalhes deles, com os quais elabora textos antológicos.
O poeta, jornalista, empreendedor e agitador cultural Amaral
Cavalcante é agora um experiente senhor de 73 anos de idade. Vida agitada
marcada por um temperamento também iconoclasta. De um Amaral que, menino, fez
primeira comunhão, frequentou a Cruzada e foi coroinha, mesmo sem entusiasmo.
Afinal, como ele já confessou, da igreja católica, gostava mesmo era da pompa
dos altares, dos mistérios do senhor morto guardado em caixão de vidro, de
desfilar nas procissões com o distintivo da Cruzada e, principalmente, do
serviço de alto-falantes e da música dolente que anunciava a hora do Ângelus.
É este o poeta, o cronista primoroso, o jornalista e editor
saltador de obstáculos, o subversivo agente da contaminadora ideologia da
cultura. É este o Amaral que Mário Brito nos apresenta no livro de crônicas do
próprio Amaral A vida me quer bem. Aquele que foi consagrado ao reconhecimento
da História e conquistou uma das cadeiras da Academia Sergipana de Letras.
Glória que não o afasta de uma história de insatisfação intelectual, essencial
à construção da felicidade.
Faltava um pedaço do cronista Amaral Cavalcante. Olhávamos
para ele retalhados nos textos que publicava nos espaços da internet. Mário
Brito juntou os cacos de Amaral e agora nos chega um belíssimo livro. Nesta
quinta-feira o cronista recebe os amigos para autografar este novo livro.
Saravá, Amaral! A vida lhe quer bem.
* É professor e ex-secretário de Estado da Educação.
Texto e imagem reproduzidos do site: jlpolitica.com.br
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