quarta-feira, 3 de abril de 2024

'Lembranças de 1964', por Paulo Roberto Dantas Brandão

Post compartilhado do Perfil do Facebook/Paulo Roberto Dantas Brandão, de 30 de março de 2024

Lembranças de 1964
Por Paulo Roberto Dantas Brandão

O dia 31 de março de 1964, ao que me lembro, foi um dia normal.  Lá em casa só foi alterado porque era aniversário de meu pai.  No dia 1º de abril (o dia da mentira), fui para a escola, o Educandário Brasília (então eu cursava o 2º ano primário).  Íamos a pé, eu e a meninada da rua Senador Rolemberg.  Quando lá chegamos, recebemos o aviso que não tinha aula.  Alegria geral.  Voltamos para casa, tiramos a farda, e fomos jogar bola no meio da rua.

Lembro que já estávamos na pelada, quando uma colega passou de carro, com o pai, e estranhando a turma jogando bola, perguntou se não havia aula.  Respondi que não:  Fizeram uma tal de revolução, expliquei, sem ter ideia do que viria a ser isso.

À tarde, ou no dia seguinte, aí as lembranças se embaralham, fui com minha mãe ao comércio, numa loja chamada Dernier Cri, que existia na rua João pessoa.  Minha mãe comprava algumas coisas, e havia um rádio ligado. Daí a pouco entrou uma edição extraordinária do Informativo Cinzano, de maior audiência na época, apresentado por um escroque chamado Silva Lima.  Pronunciando em destaque todos os erres e esses, ele bradou:  “acaba de ser fechado pelas gloriosas forças do exército brasileiro o jornal vermelho da cidade, a comunista Gazeta de Sergipe. Depois passamos pela porta do jornal, na Av. Rio Branco.  Havia um soldado de fuzil guarnecendo a porta. 

Outra lembrança que me vem, é que nesse dia, ou no seguinte, meu pai chegou com um caixote cheio de compras.  Preocupado com um possível desabastecimento, ele comprou logo um monte de coisas que ficaram estocadas na garagem lá de casa.

Uma outra lembrança de alguns dias posteriores foi interessante.  O governador Seixas Dórea havia sido preso, em Fernando de Noronha, junto com o governador de Pernambuco, Miguel Arraes.  Alguns dias depois, não sei a razão, autorizaram que Seixas viesse a Aracaju visitar sua mãe, que morava na rua de Itabaiana, perto de nossa casa. Com forte escolta de soldados do exército, o governador chegou de carro. Por coincidência, vinha passado por lá com minha mãe bem na hora.  Minha mãe, D. Yêda, empurrou alguns soldados, superou alguns populares da vizinhança, e apertou a mão de Seixas Dórea.  Dadas as circunstâncias, era um ato de coragem.

Todos se mostravam preocupados com o meu avô Orlando, uma possível vítima do golpe.  Mas além de uma visita de um oficial ao seu apartamento para avisar que o jornal foi fechado, nada aconteceu de mais grave.  Nos meu oito para nove anos, não tinha ideia do que acontecia.  Não imaginava que viveríamos 21 anos na escuridão.  

As tropas do General Olimpio Mourão podem ter saído de Juiz de Fora na noite do 31 de março, mas o golpe mesmo, foi no dia 1º de abril.

Texto e imagem reproduzidos do Perfil/Facebook/Paulo Roberto Dantas Brandão.

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