Lizaldo Vieira: A poesia e a ecologia servidas na bandeja
Por Luiz Eduardo Oliva *
"A cidade dorme, os sábios brincam de ver o perigo que ronda o entorno. Muitos vacilam, oscilam para o mal, a plebe inerte, nem sente, só a vida não cochila no reinventar dos arranjos do novo amanhã que não se cansa do porvir com águas puras e correndo nas nascentes tranquilas e torneiras que enchem o pote da população...” texto poético de Lizaldo Vieira
Um dos principais nomes dos movimentos ecológicos de Sergipe começou sua vida como garçom atendendo no gabinete do reitor da Universidade Federal de Sergipe no final dos anos 1970. Da causa de servir não mais abandonou, tendo incursionado em outras áreas até vir a falecer em 7 de julho deste 2025, aos 69 anos. Era Lizaldo Vieira, poeta, ambientalista e político.
Para dizer desse garçom que abraçou a causa da ecologia é necessário remeter um pouco à década de 1980, onde havia um pujante movimento político e cultural dentro da Universidade Federal de Sergipe marcado pela resistência à ditadura militar, pela emergência de novas expressões artísticas e movimentos sociais e pelo início de um novo pensamento voltado para a redemocratização, para os direitos humanos e pelas primeiras lutas por um meio ambiente sustentável e socialmente justo.
Aquele ambiente universitário fez surgir lideranças inovadoras que ocupariam importantes papéis da vida sergipana e brasileira nos anos 90 até os dias atuais. Marcelo Deda, Edvaldo Nogueira, Luiz Alberto, Tânia Soares (primeira deputada federal por Sergipe), Abrahão Crispim, Clímaco, Samarone, Chico Buchinho, Bosco Mendonça, Edval Góis e Lizaldo Vieira são alguns. Os dois últimos começaram como garçons servindo no gabinete do Reitor Aloísio de Campos. Servindo cafezinho e água logo ficariam atentos ao que acontecia ao derredor e não tardaram a se integrarem aos movimentos que ali acontecia. Edval hoje é o presidente do Partido Comunista do Brasil (PC do B) e Lizaldo migraria para o movimento ecológico onde descobriu o talento para a poesia.
Acompanhei Lizaldo desde aqueles tempos. Nascido em Siriri foi criado na Capela e depois migrou para Aracaju. Na sua Capela fica a conhecida reserva ecológica Refúgio de Vida Silvestre Mata do Junco ou simplesmente Mata do Junco cuja biodiversidade vive constantemente ameaçada. Lizaldo abraçou a causa foi um dos fundadores do Movimento Popular Ecológico de Sergipe (MOPEC). Integrou e coordenou o Fórum em Defesa da Grande Aracaju, iniciativa voltada para o planejamento urbano. Era presença constante em debates, eventos e movimentos ligados à preservação da natureza chegando a integrar, a nível nacional a Coordenação Nacional da Rede de ONGs da Mata Atlântica.
Na política partidária, foi um dos fundadores do Partido Verde (PV) em Sergipe e depois filiou-se ao Partido dos Trabalhadores. Em ambos disputou o cargo de vereador, embora sem sucesso em razão de um eleitorado ainda clientelista e sem percepção para a importância em eleger lideranças dedicadas ao meio ambiente.
Na Universidade Federal de Sergipe, além do garçom, também atuou administrativamente no Departamento de Direito, no Centro de Ciências Humanas, na Prefeitura do Campus, no Departamento de Administração Acadêmica, na Divisão de Patrimônio, no Centro de Educação a Distância (CESAD) e foi chefe do Horto Florestal. Além de suas funções administrativas, representou os técnico-administrativos nos Conselhos Superiores (CONSU e CONEPE) e integrou a diretoria do Sindicato dos Trabalhadores Técnico-Administrativos da UFS (SINTUFS).
Paralelamente, mantinha uma produção poética que refletia sua sensibilidade e seu engajamento social, frequentemente compartilhada nas redes e em apresentações culturais. Em 2023 publicou o livro de poesias “Travessia de um deserto” para denunciar o descaso da humanidade para as coisas do meio ambiente.
De garçom para ambientalista não há muitas distâncias. O garçom serve a pessoas em pequenos ambientes. O ambientalista serve a todos os seres viventes no maior dos ambientes, o planeta terra. Lizaldo Vieira, em momentos distintos, incorporou essas duas atividades com o mesmo zelo. Na bandeja da consciência entendeu que podia servir muito mais, numa luta que nunca cessa. Na última segunda-feira partiu calmo como viveu, embora fosse irrequieto na luta pelo que acreditava. Deixou um punhado de poemas e a lição de que servir à ecologia é servir ao imenso bar que é o planeta terra.
* Luiz Eduardo Oliva - Advogado, poeta, professor e membro da Academia Sergipana de Letras Jurídicas
Texto e imagem reproduzidos do site: radarse com br
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