Publicado originalmente no Perfil/Facebook/JorgeNascimento
Carvalho, em 10/02/2020
O Meu Amigo Intelectual
Por Jorge Carvalho do Nascimento*
A segunda metade do século XX no Brasil conviveu
predominantemente com dois tipos de intelectual: o herdeiro das tradições da
cultura literária e o especialista profissional que verticalizou o conhecimento
sobre determinado tema nas academias universitárias. Todavia, alguns
intelectuais incorporaram a herança da cultura literária, mas foram bem
diferentes da geração com a qual aprenderam, mantendo pari-passu uma relação de
parceria em eventuais trabalhos e permanente desconfiança em face da produção
acadêmica universitária. Há no Brasil nomes muito importantes situados nessa
interseção, não obstantes as distintas escolhas teóricas e ideológicas que
fizeram: Antônio Paim, Paulo Mercadante, Jacob Gorender, Leôncio Basbaum, Paulo
Cavalcante, Bráulio do Nascimento, Jackson da Silva Lima, Paulo de Carvalho
Neto, Paschoal Lemme e Umberto Peregrino, dentre outros.
Com um deles tive o privilégio de conviver e ser parceiro em
muitos trabalhos, além de desenvolver uma relação fraternal que ajudou a moldar
as minhas formas de ver e estar no mundo: Luiz Antônio Barreto. Certamente
foram poucas as áreas do conhecimento das humanidades que não receberam a sua
contribuição. Uma nossa amiga comum, costumava afirmar: a curiosidade de Luiz
não tem limites. Ele estudou “de formiga a elefante”. Quando morreu aos 68 anos
de idade, em 2012, LAB, como gostávamos de chama-lo era fonte importante de
referência e análise aos que desejavam compreender a cultura brasileira. A obra
deixada por ele, continua a cumprir tal papel, não obstante a dificuldade da
dispersão própria do trabalho desse tipo de intelectual, pois a maior parte dos
seus textos continua dispersa em artigos de jornais e revistas e em blogs e
sites da rede web com os quais contribuiu durante os 53 anos nos quais se
dedicou ao ofício de pesquisar e escrever.
Em 1994, fiz uma tentativa de construir um roteiro
intelectual da vida de Luiz Antônio Barreto. Ele estava completando 50 anos de
idade. Sentei com ele em diferentes sessões e gravamos cerca de seis horas de
entrevistas. Com a colaboração dele reuni textos tendo o seu depoimento como
roteiro. Organizei e entreguei a ele um presente de aniversário que ele
publicou sob o título de CULTURA: UM ROTEIRO DE ALUSÕES, com apresentação de
Bráulio do Nascimento e prefácio de Jackson da Silva Lima. Eu me
responsabilizei pela organização, introdução, comentários e notas.
Foi a melhor oportunidade que tive de aprofundar o meu
conhecimento intelectual sobre aquele amigo conterrâneo de Sílvio Romero, como
ele nascido em Lagarto, no Estado de Sergipe. Luiz, em 1944. Um intelectual que
estudou as primeiras letras em escolas públicas e particulares da Bahia e
Sergipe, concluindo o curso primário na Escola Rural do município de Pedrinhas,
onde o seu pai, José Barreto, era o chefe da Exatoria. Os cursos ginasial e
científico ele fez em Aracaju, nos colégios Pio Décimo e Tobias Barreto. Depois
disto estudou Direito na Faculdade de Direito de Sergipe e na Faculdade
Nacional de Direito, no Rio de Janeiro, onde também estudou música e
literatura.
O jornalismo foi a carreira abraçada por LAB, a partir de
1959, no jornal Correio de Aracaju, onde foi repórter e colunista. Depois,
trabalhou no Sergipe Jornal e na Folha Popular. No difícil ano de 1964, Luiz
Antônio Barreto foi amparado pelo jornalista Orlando Dantas e ingressou nos
quadros do jornal Gazeta de Sergipe, onde chegou a editorialista, editor e
diretor. Integrou as redações de outros veículos e fundou a revista
Perspectiva.
Foi também em 1964 que LAB fez sua estreita na Literatura,
com Monólogo, mais tarde adaptado para o teatro pelo Grupo Arena da Ilha, do
Rio de Janeiro. Depois disto, publicou poemas, artigos de crítica literária,
ensaios, crítica de arte e história, destacando-se A Arte Sergipana; Tobias
Barreto; A Abolição da Escravatura e a Organização da Sociedade; Um Novo
Entendimento do Folclore; A Organização do Poder Legislativo em Sergipe; O
Poder Judiciário de Sergipe: 100 Anos de História. Dirigiu a edição em 10
volumes das Obras Completas de Tobias Barreto.
Foi ainda um importante executivo do serviço público nas
áreas de Cultura e Educação. Dirigiu a Galeria de Arte Álvaro Santos; chefiou a
Assessoria Cultural do Governo do Estado; foi Secretário Municipal de Educação
e Cultura de Aracaju; foi Subsecretário de Comunicação Social do Governo do
Estado de Sergipe; Assessor Cultural do Instituto Nacional do Livro;
Superintendente do Instituto de Documentação da Fundação Joaquim Nabuco de
Pesquisas Sociais; Secretário de Estado da Cultura de Sergipe; e, Secretário de
Estado da Educação de Sergipe.
Como Secretário de Estado da Educação desenvolveu alguns
programas que revolucionaram o ensino público estadual. Quando assumiu o
comando da pasta, o Estado de Sergipe somente oferecia ensino médio em 17
municípios. Quando deixou o cargo, os 75 municípios sergipanos tinham escolas
estaduais de ensino médio em funcionamento. Dentre as suas iniciativas de maior
ousadia, vale o registro do Programa de Qualificação Docente – o PQD.
Enfrentando todo tipo de incompreensão e resistências, Luiz ousou, implantou
cinco polos regionais de ensino no interior do Estado de Sergipe e, em quatro
anos, levou às salas de aula 2600 professores de escolas públicas estaduais e
municipais que possuíam formação apenas em nível médio e ofereceu ensino de
graduação, conferindo-lhes diplomas de licenciados em áreas como História,
Língua Portuguesa, Matemática, Geografia, Química e Física.
Ao ousar e enfrentar resistências, Luiz Antônio pagou um
preço político muito caro. Todavia, o tempo se encarregou de mostrar que ele
estava correto. Sua ação mudou Sergipe, principalmente os municípios do
interior, onde boa parte da população passou a viver melhor, graças ao seu
trabalho.
Se vivo estivesse, LAB completaria hoje 76 anos de idade.
Suas ideias e o resultado do seu trabalho ficaram entre nós. As boas
lembranças, permanecem vivas no afeto dos verdadeiros amigos. A sua grandeza o
fez eterno.
Saudades.
*Doutor em Educação, Membro da Academia Sergipana de Letras
e Presidente da Academia Sergipana de Educação.
Texto e imagem reproduzidos do Facebook/JorgeNascimento
Carvalho
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