sábado, 18 de outubro de 2025

Festas do Centenário de Emancipação Política de Sergipe, 1820-1920

Artigo compartilhado do site DESTAQUE NOTÍCIAS, de 17 de outubro de 2025

Alegrai-vos Sergipanos!: Festas do Centenário de Emancipação Política de Sergipe, 1820-1920

Por Amâncio Cardoso *

Uma das datas cívicas mais festejadas da História de Sergipe foi a comemoração do centenário de nossa emancipação política em relação à Bahia. A efeméride ocorreu em Aracaju, no dia 24 de outubro de 1920, rememorando o decreto de D. João VI (1767-1826), de 08 de julho de 1820. Mas, por tradição, desde pelo menos 1836, a independência era comemorada em 24 de outubro, pois teria sido a data em que a notícia do decreto chegara do Rio de Janeiro até Sergipe.[1]

No centenário, em 1920, os brios dos sergipanos ainda estavam feridos, devido aos insolúveis litígios pelas fronteiras sul e oeste de nosso Estado com a Bahia. Era a secular “Questão dos Limites”, cuja desvantagem sempre recaiu sobre a menor unidade federativa. Mas como registra o hino de Sergipe, em alusão à nossa independência frente à Bahia, ele conclama que “devemos festejar”.[2]

Assim sendo, a grande festa do centenário de independência de Sergipe ocorreu com relativa pompa, conforme os limites dos cofres públicos e particulares.[3] Dentre os empresários, os que mais contribuíram com dinheiro para os festejos foram Ribeiro Chaves & Cia (proprietários da fábrica de tecidos Confiança); Antônio do Prado Franco (um dos proprietários da Usina Central em Riachuelo) e Cruz, Ferraz & Cia (proprietários da fábrica de tecidos Sergipe Industrial). As famílias, por sua vez, se prepararam com o melhor vestuário. Para isso, o comércio varejista anunciou o recebimento de “lindo sortimento de sedas e artigos de armarinho para os festejos de outubro”.[4]

A iniciativa para comemorar o centenário surgiu entre os membros do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE). A ideia, como vimos, foi encampada e financiada pelo governo, empresários e profissionais liberais. Comissões de trabalho foram formadas e a programação oficial publicada nos jornais. Ela continha cinco dias de festas: de 23 a 27 de outubro.[5]

No dia 23, teve início a Exposição-Feira dos produtos agropastoris e industriais dos municípios, no galpão do Entreposto do Estado. Nas praças Pinheiro Machado (atual Tobias Barreto) e da Estação Ferroviária (atual área dos mercados centrais) houve, à noite, cinema ao ar livre; fogos de artifício e bandas de música.

Já em 24 de outubro, o dia oficial, houve alvorada; cantou-se o Te Deum na catedral (hino em missa de ação de graças que exalta Deus); fez-se içamento da nova bandeira de Sergipe, que ainda é a atual, no mastro do palácio de governo; houve desfile militar na praça Fausto Cardoso; inaugurou-se a estátua do filósofo Tobias Barreto, na praça Pinheiro Machado (atual Tobias Barreto), como representação da intelectualidade sergipana no país; realizaram-se banquete e baile noturnos no palácio do governo e festejos populares nas praças. Enquanto no dia 25, ocorreram à tarde festas e inaugurações no posto zootécnico da Ibura, no município de Socorro; e à noite, houve baile por convite no Cinema Rio Branco.[6]

Por fim, nos dias 26 e 27 ocorreram bailes de gala; recepções exclusivas; inauguração da seção de pecuária no Depósito Municipal, na rua de Siriri; e eventos abertos, com destaque para as regatas no rio Sergipe, à tarde, com quatro páreos, sendo um deles disputado por “senhorinhas’, concorrendo à taça do Centenário.[7]

O governo do estado, para perpetuar as comemorações, publicou o Álbum de Sergipe, organizado pelo jovem escritor e advogado Clodomir Silva (1892-1932), que apresentou uma síntese histórica, socioeconômica, geográfica e político-administrativa, impresso na gráfica do Jornal O Estado de São Paulo, com imagens de Leone Ossovigi (SP), que fotografou os municípios para ilustrar a publicação.[8] Além dele, foram contratados os fotógrafos Fabian (RJ) e Guilherme Rogatto, que veio de Maceió. Ademais, também foram contratados artistas italianos, que estavam em Salvador, “para cuidar, entre outras atribuições, das obras de ampliação e reforma do palácio do Governo”.[9]

Outra forma de perpetuar a memória do centenário de independência de Sergipe foi a confecção e distribuição, pelo governo, de medalhas de ouro e bronze para autoridades e instituições científicas; bem como a realização de reformas arquitetônicas e urbanas na capital e no interior do Estado, a exemplo das reformas em vários prédios públicos; arrematação da empresa de bondes; aterramentos de ruas e construção de grupos escolares.[10]

Além de eventos cívicos, a festa do centenário também contou com a participação de artistas da terra. Neste sentido, a comissão central convidou o “Centro Artístico Sergipense” para apresentar espetáculo composto de monólogos, recitativos, cançonetas e mímica.[11] Também foi convidado para expor seus quadros o renomado pintor sergipano Oséas Santos (1865-1949), que morava em Salvador.[12]

A grande festa do centenário de emancipação política, em 1920, não se isentou da conotação ideológico-partidária do período. Afinal, o líder político de então era o próprio presidente do Estado, o experiente militar e ex-senador Pereira Lobo (1864-1933). Sua liderança se evidenciou, sobretudo, após o vácuo deixado pelas mortes de Fausto Cardoso (1864-1906) e Olímpio Campos (1853-1906); e também pela frágil saúde do seu antecessor e então senador, General Oliveira Valadão (1849-1921), que faleceria um ano depois dos festejos. Ao deixar o governo de Sergipe, em 1922, Pereira Lobo elegeu-se Senador da República pela segunda vez, de 1923 a 1930.[13]

Na efeméride do centenário, os organizadores queriam marcar na memória coletiva o potencial “material” de Sergipe, assim como o Estado era gigante no campo intelectual, representada pelo celebrado Tobias Barreto. Desta forma, houve um esforço para apresentar à nação o poder econômico do Estado, apesar de estar circunscrito em “território reduzidíssimo e com seu desenvolvimento por muito tempo tolhido [sobretudo pela Bahia]”, como anunciara um jornal à época.[14]

Dessa maneira, estava subjacente no discurso sobre o aludido centenário a ideia de que o passado inglório, sob a tutela da opressora Bahia, havia terminado; e que o então governo seria um marco divisor. Ou seja, Sergipe estaria experimentando uma nova fase de modernização material e autonomia moral, despertando o orgulho de ser sergipano nas novas gerações, simbolizado nos eventos programados nos cinco dias de festa e registrado no número especial da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, cuja diretoria idealizara e organizara o magno evento.[15]

Como vimos, as comemorações do centenário de independência política de Sergipe em 1920 foi um momento de reelaboração da identidade sergipana, capitaneada pela elite econômica e intelectual, como forma de manutenção do poder político, assentada em instituições estatais e científicas.

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* É historiador.

Notas e referências:

[1] Embora os membros do IHGSE tenham proposto o 08 de julho de 1920 como dia da comemoração do centenário de emancipação, com base no decreto de D. João VI, o governador do Estado optou por celebrar os festejos no dia 24 de outubro de 1920, data reconhecida pelo povo. Essa divergência parece ter como pano de fundo uma animosidade entre Pereira Lobo e os intelectuais do Instituto, conforme FERRONATO, Cristiano; et al. Comemoração do primeiro centenário da emancipação política de Sergipe: Um olhar a partir das revistas do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE). RIHGSE, Aracaju, nº 50, 2020, p. 52-65.

[2] Hino de Sergipe. Letra de Manoel Joaquim de Oliveira Campos; Música de Frei José de Santa Cecília, 1836. Disponível em:  www educadores diaadia pr gov br/. Acesso em: 04/06/2025.

[3] LOBO, José Joaquim Pereira. Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa. Aracaju, 07 de setembro de 1920. p. 05 et passim.

[4] Livro de Honra. Correio de Aracaju, 03 de setembro de 1920, nº 2.951, p. 02; Correio de Aracaju, 04 de setembro de 1920, nº 2.952, p. 01 e 04.

[5] Revista do IHGSE. Aracaju: Typ. Commercial, v. 5, nº 9, 1920.

[6] A estátua de Tobias Barreto é de autoria do escultor italiano, que vivia em São Paulo, Lorenzo Petrucci (1868-1928). Ele também havia esculpido em Aracaju a estátua de Fausto Cardoso, em 1912, e o obelisco a Inácio Barbosa, em 1917. Sobre a produção e o significado da ereção da estátua de Tobias Barreto, ver: ROCHA, Renaldo Ribeiro. A grande festa do centenário da independência de Sergipe. Revista do IHGSE, Aracaju, nº 48, 2018, v. 1. p. 159-176.

[7] “As festas comemorativas de nossa Emancipação política”. Correio de Aracaju, 02 de setembro de 1920, nº 2.950, p. 01; Correio de Aracaju, 03 de setembro de 1920, nº 2.951, p. 02; Correio de Aracaju, 10 de setembro de 1920, nº 2.956, p. 01; Correio de Aracaju, 11 de setembro de 1920, nº 2.957, p. 01-02; Correio de Aracaju, 15 de setembro de 1920, nº 2.960, p. 02; Correio de Aracaju, 17 de setembro de 1920, nº 2.962, p. 01.

[8] LOBO, José Joaquim Pereira. Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa. Aracaju, 07 de setembro de 1920. p. 10.

[9] José Joaquim Pereira Lobo. Disponível em: www palacioolimpiocampos se gov br/Acesso em: 05/06/2025; BARRETO, Luiz Antonio. Aracaju, festa e presentes. Gazeta de Sergipe. Aracaju, 17 e 18 de março de 2002, nº 12.943, p. B-4.

[10] LOBO, José Joaquim Pereira. Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa. Aracaju, 07 de setembro de 1920. p. 10 et passim.

[11] Tomaram parte nos espetáculos os seguintes membros do Centro Artístico Sergipense: Misael Cardoso; Jordão de Oliveira; Milton de Assis; Nomizio de Aquino; Carlos Andrade; Ariston Ribeiro; Freire Pinto; Athico Marques; Heitor Leal. Ver Correio de Aracaju, 24 de setembro de 1920, nº 2.968, p. 01.

[12] CARDOSO, Amâncio. Oséas Santos: trajetória de um pintor sergipano. Disponível em: www f5news com br. Acesso em: 08/06/2025.

[13] Pereira Lobo. Disponível em: www25 senado leg br/. Acesso em: 07/06/2025.

[14] Correio de Aracaju, 25 de setembro de 1920, nº 2.969, p. 02.

[15] Revista do IHGSE. Aracaju: Typ. Commercial, v. 5, nº 9, 1920.

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Texto e imagem reproduzidos do site: www destaquenoticias com br

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