Publicado originalmente no site Observatório da Imprensa, em 14/11/2017
Memória - Um Intelectual Sergipano
Tobias Barreto e o exercício da autocrítica
Por Gilfrancisco Santos
Servindo-se de uma passagem do texto de Tobias Barreto,
Política da Escada¹ (1875), Astrojildo Pereira, mesmo sabendo que Tobias não
era marxista, percebeu a importância do Partido ao fazer a crítica e
autocrítica, com o objetivo de se corrigir, no entanto o Partido Liberal não
seguiu os conselhos de Tobias Barreto:
Tobias Barreto de Meneses (1839-1889) foi um filósofo,
poeta, crítico e jurista brasileiro.
“Só os partidos realmente progressistas revolucionários,
ligados às massas populares possuem essa coragem de reconhecer e analisar
publicamente os próprios erros. São partidos que representam o “novo” em
ascensão e necessitam obviamente de depurar-se do “velho” que persiste em sua
ideologia sua orientação e seu comportamento perante as massas”.²
Em 1877 Tobias Barreto pronunciou na fundação do Club
Popular, de Escada, por ele organizado Um Discurso de mangas de Camisa, onde,
como bom observador da realidade, ousou uma clara linguagem de luta de classe:
“É certo que a nossa população se acha dividida não somente em classes, mas até
em castas. E não só em castas sociais, como também em castas políticas, quais
são sem dúvida os dois partidos que se disputam no poder, dos quais o domínio
de um é equivalente à perseguição do outro, modificada apenas pela infâmia dos
renegados e dos trânsfugas”.³
A verdade é que os intelectuais brasileiros da época
ignoravam Marx, ou então tinham dele uma visão superficial e preconceituosa.
Rui Barbosa (1849-1923) político brasileiro citou-o em 1884 incluindo-o
erroneamente ao lado de Proudhon, Saint-Simon e Henry George. Outro intelectual
cearense Clóvis Bevilacqua (1859-1944) equipara a posição de Karl Marx à do
socialista alemão de Ferdinand Lassalle (1825-1864), que foi profundamente
influenciado por Hegel. Em 1894 outro sergipano lagartense Silvio Romero
(1851-1914), pensador, crítico, ensaísta e primeiro historiador sistemático da
literatura brasileira, notável a sua contribuição no campo da historiografia
literária, que, a partir dele, passou a influenciar novos métodos de análise
crítica com base, sobretudo no levantamento sociológico, acusava a
Internacional de Marx, de hesitar “entre o utopismo e o despotismo”,
provavelmente não dominava a matéria, pois Marx morre em 1883, ou seja, onze
anos antes.
Vejamos o artigo Lenin e Tobias Barreto de Astrojildo
Pereira publicado na Folha Popular, Ano III, nº 109, 1956:
Está evidenciado que o culto à personalidade resulta,
teoricamente, de falsas concepções sobre o papel do indivíduo na história. Mas
resulta ao mesmo tempo, de concepções igualmente falsas sobre a natureza, a
composição e o comportamento dos partidos marxistas. E quando verificamos que
semelhantes concepções de todo em todo estranha ao marxismo não só permaneceram
como ainda se desenvolveram, durante anos e anos no movimento comunista
mundial, é que podemos avaliar em toda sua plenitude como de velhas concepções
ideológicas dentro de cada um de nós, mesmos daqueles impregnados de nova
ideologia revolucionária.
Compreendendo isto claramente é que chegamos também em
profundidade a importância fundamental da crítica da autocrítica. O princípio
da crítica e autocrítica, que Lenin, definiu exatidão, impõe-se cada vez mais
aguadamente como um princípio vital para o desenvolvimento dos partidos
comunistas e operários, como um método permanente de depuração e revitalização
ideológica, e por conseguinte como condição elementar para o fortalecimento dos
partidos.
Mediante o exercício in dormindo da crítica e autocrítica,
partindo sempre de concepções ideológicas e posição de princípio definidas, é
que os partidos de vanguarda podem elaborar e aplicar com vantagem uma linha
política, devidamente ajustada à variabilidade das condições concretas
existentes. E só assim os partidos que reclamam o apoio das massas podem
merecer a confiança destas massas, que amam acima de tudo a verdade simples,
pura, luminosa.
Ocorre-me, a esta altura, certa passagem de um velho artigo
de Tobias Barreto sobre o problema político da crítica e autocrítica. De Tobias
Barreto em pessoa, lá pelo ano da graça de 1875. O publicista sergipano não
empregava, na passagem a que me refiro as palavras “crítica” e “autocrítica”
mas dizia a mesma coisa por outras palavras. Eis aqui:
“As classes, os partidos de qualquer ordem são como os
indivíduos: desde que não fazem eles mesmos o seu exame de consciência, não
reconhecem se dispõem a mudar de rumo, de norma de conduta, é baldado todo o
esforço que por ventura se empregue para dirigi-los pela reta senda. Enquanto
pois o liberalismo não confessar-se tocado de inúmeros vícios, e refletindo
sobre eles, não tomar de modo emendar-se nada será conseguido” (Política da
Escada, artigo de fundo publicado na Comarca da Escada em 1875).
Tobias, pensador arguto, espírito aberto ao novo, já
compreendia perfeitamente em seu tempo, que o “exame da consciência” ou seja a
crítica e autocrítica, e indispensável a um partido político que pretende
trilhar a reta ainda e que, reconhecendo os próprios vícios, examina-os em
público com a determinação de emendar-se. O partido liberal, a que se filiava o
articulista, não seguiu os seus conselhos, não fez nenhum exame de consciência,
e essa, uma das razões porque se degradaria de mais em mais perante a opinião
pública, a ponto de pouco se diferenciar do partido conservador rival, ambos
mergulhados no mesmo charco, e juntos perecendo sob os escombros da monarquia.
Aliás, só os partidos realmente progressistas
revolucionários, ligados as massas populares possuem essa coragem de reconhecer
e analisar publicamente os próprios erros. São partidos que representam o
“novo” em ascensão e necessitam obviamente de depurar-se do “velho” que
persiste em sua ideologia sua orientação e seu comportamento perante só os
partidos operários comunistas e socialistas se enquadram nessa categoria.
Quanto à observação de Tobias Barreto, devemos salientar o
fato de possuirmos na história política brasileira, um publicista pensador
eminente que no passado soube levantar, em termos tão claros e justos, o
problema político da crítica e autocrítica. O nosso Partido, que pretende
representar, hoje, o que há de mais progressista nas aspirações do povo
brasileiro e que assim mesmo não vem fazer em público o seu “exame de
consciência”, retoma a palavra de Tobias e resolver na prática, ousadamente, o
problema de ética partidária que o famoso polemista colocou no debate da
política nacional, há mais de 80 anos, suponho que pela primeira vez em nossa
história.
Buscando estabelecer uma possível relação entre a teoria
leninista da crítica e autocrítica o pensamento expresso pelo publicista
brasileiro sobre o mesmo problema, sou levado a considerar outro aspecto da
questão — o de saber se há ou se pode haver alguma forma brasileira de
exercício da crítica e autocrítica.
Examinaremos o assunto na próxima vez.
Gil Francisco é jornalista, pesquisador e professor
universitário.
Notas:
1. Crítica Política e Social, Tobias Barreto (Obras
completas), org. Luiz Antonio Barreto. Aracaju, Editora Diário Oficial. Rio de
Janeiro, Solomon Editores, 2013.
2. Folha Popular. Aracaju, 1º de dezembro, Ano II, n° 109,
1956.
3. Crítica Política e Social, Tobias Barreto (Obras
Completas), org. Luiz Antonio Barreto. Aracaju, Editora Diário Oficial. Rio de
Janeiro. Solomon Editores, 2013.
Texto e imagem reproduzidos do site: observatoriodaimprensa.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário