Escultura de Nossa Senhora da Conceição
Publicado originalmente no site do Portal INFONET, em 26 de abril de 2019
Com a leveza e a beleza dos deuses
Por Lúcio Prado (Blog Infonet)
Zeus, tu és soberano dos céus, mestre dos fenômenos naturais
que comanda os corpos celestes e faz tremer o universo com um gesto de tua
cabeça. Teu nome deu origem à palavra deus e mesmo com todas as tuas
contradições, tu és o rei dos deuses, apesar de não seres justo sempre. Justiça
é algo que ocorre entre iguais, e Zeus está acima de todos. O nosso “Zeus”, o
Zeus sergipano, tem sua obra espalhada pelo mundo, em esculturas divinas.
Conheci a arte de Zeus na década de 90, graças ao memorável
Dinho Duarte, que tão jovem partiu dessas paragens levando uma boa parte da
nossa arte mais fulgurante. Na virada dos 90 para o novo século estávamos às voltas
com projetos memoráveis, que culminou na instalação do Cantinho da Arte da
Unimed, um espaço alternativo para a difusão da arte e da cultura em nosso
Estado, mais notadamente em Aracaju. Através da iniciativa e do trabalho dele,
em parceria com Ilma Fontes, abrimos as portas da cooperativa para diversas
manifestações artísticas e o “cantinho” foi a ação mais esplendoroso do Programa
Unimed Cidadã. Muita gente envolvida. Ismar Barreto e João Alberto fizeram o
gingle, Dinho e Ilma Fontes abriram caminhos para os jovens iniciantes, vieram
os catálogos impressos, entre eles o Catálogo dos Artesãos. Nele estava Zeus,
com toda a sua maestria. Mas tinham outros… Melquíades, Véio, Dona Judite, João
do Cesto, Pedrinho Ará, Maria Lúcia Ribeiro, Cristina dos Santos, Alzira,
Hercílio…
O Cantinho da Arte, enquanto durou, trouxe expressiva
colaboração para a disseminação de jovens talentos, não só nas artes plásticas,
como também na literatura e na música. Mas não é o Cantinho da Arte que
queremos destacar aqui. Queremos falar de Zeus…
Visitava recentemente um parente numa casa na Barra da
Tijuca, no Rio de Janeiro, quando observei no jardim da residência a escultura
de um santo talhado em cedro, de uma beleza fulgurante. Frente a minha
admiração, o morador provocou: – É da sua terra! Retruquei-lhe: – Como? O
santo? – Não, o escultor, olhe a pedestal! Leia quem esculpiu o nosso Frei
Bento. Estava lá: Zeus. Arrematei: –
Deus!
Neste mês de março, o governo de Sergipe inaugurou uma
exposição para celebrar os 164 anos de Aracaju, quando revi Zeus participando
da coletiva e contei-lhe sobre o meu achado. Ele lembrou: – Foi uma encomenda
do querido amigo Dinho Duarte para presentear seus tios que residiam naquela
cidade, mas não me lembrava mais disso. Ficou feliz com a minha observação. Fiz
um comentário em redes sociais sobre o episódio e logo em seguida fui provocado
pelo confrade Amaral Cavalcante, da Academia Sergipana de Letras: “você colocou
o nosso Zeus na pauta, é um extraordinário artista, tão pouco reverenciado por
seus conterrâneos, converse mais com ele”, instigou o editor de Cumbuca.
Marcamos então o encontro. Na Galeria Álvaro Santos, ponto
central da cidade. No horário marcado, chegamos. Ao entrar, deparamos com um
cenário desolador, no salão principal, nenhum quadro na parede, uma pessoa na
escada preguiçosamente jogando tinta na parede. No centro da sala, na pequena
carteira, do tipo escolar, um homem olhava para o serviço, com cara de poucos
amigos. Era Luiz Adelmo, olhar abatido. – Não podemos ficar aí, Luiz, o cheiro
da tinta está muito forte, disse-lhe, apelando para a minha autoridade médica.
Um pouco a contragosto, aceitou sair dali e na saída, em frente a uma escultura
de Zeus, ao lado do autorretrato de Álvaro Santos, exclamou: – É a obra de um homem
que nunca me faltou, quando dele precisei. Convidei Luiz para participar da
nossa conversa, mas ele alegou um compromisso no Banese. Caminhamos na direção
do nosso carro estacionado na frente da antiga sede da Prefeitura de Aracaju,
mais um prédio histórico de Aracaju que vai se esvaindo em ruínas, um pedaço da
platibanda que cai aqui, outro ali. Soube que a UNIT vai tomar posse do prédio
para instalar um memorial, mas é bom que não demore!
Dali saímos para o café do Museu da Gente e na entrada nos
deparamos com várias esculturas de Zeus, no átrio, no salão principal; a “Maria
Bonita” que está à venda na lojinha é de uma beleza primorosa e invulgar.
Sentado numa das poltronas do salão, Murilo Melins, deixava-se contemplativo,
observando o entra e sai dos visitantes. Ao nos ver, exaltou Zeus, como uma
reencarnação dos escultores gregos! Saboreamos água de coco e café.
Adriana Hagenbeck, que exibe na escrivaninha antiga de seu
Café uma linda escultura de Zeus, chegou na nossa mesa dizendo que o que mais
admirava no escultor, não era o artista, era o homem, o seu caráter,
simplicidade, bondade, “que não se deixa levar por títulos, prêmios ou
homenagens, mas vive a sua arte, sem vender a sua alma”, reforçando o seu lado
lúdico que passei a admirar.
Fui na busca dos registros, explorar a sua arte, sua
história, sua vida, que ele próprio não se sente à vontade pra falar,
talvez pela timidez e pude então
constatar seus feitos, as publicações, as notícias dos jornais, como aquela que
registra a Nossa Senhora que o governo de Sergipe presentou a primeira dama do
Brasil, esposa de um presidente do regime militar em visita ao Estado, as
exposições individuais e coletivas, a exposição “Zeus – do lírico ao sensual”,
na Sala do Artista Popular, promovido pela Funarte no Rio de Janeiro, em 1997, uma
vida dedicada à arte.
O nosso Zeus é o soberano da terra, oriundo da pequena
Ribeira, tão formosa Ribeira, em Itabaiana, onde nasceu em 1959 e que abrigou
outros talentos, como Caã, filho de J. Inácio, que lhe deu o codinome Zeus,
quase um presságio do que viria a ser o jovem Jorge Alves Siqueira.
Um homem de atitudes simples e de alma livre, que não se
adaptou ao burburinho e ao tipo de vida das cidades, corrida e competitiva. A
Ribeira, que viu crescer o menino e adolescente Zeus era um pequeno paraíso, um
lugar privilegiado pela natureza, com seus riachos intocáveis e pequenas quedas
d’agua, o ar puro e o canto dos pássaros. Um cenário perfeito para os artistas,
o mundo de Deus para Zeus. Um lugar que seduziu Caã e outros artistas na busca
de inspiração.
O gosto pela escultura veio da admiração pelo irmão mais
velho, Jorge Valdo, um arteiro completo, que fazia de tudo e jamais saiu da
cabeça de Zeus os carrinhos de brinquedo criados pelo irmão que, infelizmente,
após sofrer um grave acidente, o afastou da lide. “Não tinha o mesmo pensamento
do mano Jorge, embora reconhecendo nele um grande talento, eu o achava muito
preocupado em logo querer vencer na vida, de reconhecerem a sua arte”, disse-me
Zeus. Jorge Valdo foi então para São Paulo e, infelizmente, terminou perdendo a
sua arte na selva de pedra, engolido pela metrópole.
A cidade de São Cristóvão, além da Ribeira, exerceu sobre o
artista uma influência notável, que o fez enveredar pelo tema sacro. Com seu
estilo inconfundível, tanto na madeira como no arenito, do seu esculpir
nasceram santos e corpos nus de extrema beleza. Além dos temas sacros, Zeus
criou o sertanejo na labuta diária e exaltou outras figuras típicas do
nordeste, como o vaqueiro, o cangaceiro, o lavrador,
Sua obra ímpar extrapola as fronteiras de Sergipe e do
Brasil, colocando-o no patamar dos maiores nomes das artes visuais na
atualidade. Em Zeus, a felicidade reside nas pequenas coisas, na simplicidade,
nadar no Rio São Francisco e andar de pé no chão. Vê na arte a oportunidade de
reverenciar os seus santos, os seus valores cristãos. Para ele, “a escultura é
uma arte muita sofrida, penosa, onde as pessoas dão pouco valor”, desabafa, num
raro momento de tristeza. Sim, porque na maior parte do tempo, Zeus vibra com o
que faz, sem demonstrar vaidade, orgulho ou prepotência, ao contrário,
esconde-se numa simplicidade e humildade franciscanas.
Para o historiador Luiz Antônio Barreto, poucas vezes um
nome de artista simbolizou tanto o movimento das artes em Sergipe como o de
Zeus, que é escultor de anjos e de santos, mas que é, também, artista da
paisagem seca que, de tão áspera, parece uma abstração da natureza, uma
natureza-viva, madrasta, algumas vezes impiedosa com os viventes.
Zeus é artista singular, porque sua arte, apesar de poder
ser contextualizada na esteira do magistério religioso, tem o poder de
manter-se viva, forte, inspiradora, revelando um artista que domina as emoções
motivadoras, da mesma forma como sabe utilizar a consciência e a
responsabilidade do fazer cultural.
Zeus trafega da obra artística para a referência da cultura
que a nação nordestina tem na alma, como herança e como identidade.
Igual ao Zeus mitológico, o ceboleiro Zeus é pleno de amor.
Amor pela sua terra, pelo sertão, pelo rio, pela família, seus filhos, Abraão,
Zélia e Zeus, pela sua arte, única, lúdica, que invade os nossos corpos com a
leveza, a sutileza e a beleza dos deuses.
Texto e imagens reproduzidos do site: infonet.com.br
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