Foto reproduzida do site: folha.uol.com.br e postada pelo
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Texto publicado originalmente no site F5NEWS, em 02 de
agosto de 2019
João Oliva, Docemente Cristão
(João Oliva, um cidadão exemplo)
Por Luiz Eduardo Costa (Coluna F5News)
Fala-se tanto, agora, porque o vozerio emana do mais alto
escalão da República, aliás ainda laica, numa qualidade necessária a cada
brasileiro, que seria aquela convicção “terrivelmente cristã", mais
especificamente “terrivelmente evangélica”, até credencial para que sejam
ungidos de agora por diante possíveis futuros ocupantes do Supremo Tribunal
Federal.
Mas esse não é assunto do qual aqui queremos tratar.
Na verdade, o que desejamos é tendo como foco a vida de um
homem agora morto, retemperar a força da razão, diante do desvario que até
pretende transformar a fé, ou seja, uma a religião exclusiva, em instrumento da
política, e orientação do Estado.
Esse cidadão, jornalista, advogado, escritor, poeta, um
frade sem envergar o hábito, João Oliva, viveu profundamente a fé, mourejou no
seu dia a dia a prática virtuosa da solidariedade, que deve ser o âmago da
consciência cristã. Para isso, aparelhou-se por toda a vida para tornar-se um
homem do saber. E o fez para poder pensar, distinguir, intuir, também
aconselhar e harmonizar. João Oliva não foi apenas um intelectual da sua época,
da sua geração. Seguindo aquele dístico “Ao espírito vivo", que está no pórtico da universidade de
Heidelberg, onde se inicia o “caminho dos filósofos", Oliva integrava-se
ao mundo, participava de tudo que significasse a clarificação do espírito, o
que mais acendia a sua chama interior da religiosidade, e o fazia compreender
melhor as transformações do mundo, dos costumes, da própria vida, e
demonstrando junto com a esposa, para a sua
numerosa prole que o choque de gerações somente gera consequências
quando falta o sorriso da compreensão, ao lado da firmeza do exemplo. Por isso,
os onze filhos se fizeram seus herdeiros do que era a sua maior riqueza: o
caráter, a honra, a sede de saber, a ânsia de justiça.
Ele passou a vida harmonizando, disse, ao lado do esquife na
Academia Sergipana de Letras o acadêmico presidente Anderson Nascimento. A arte
da harmonização era uma característica do meu pai, disse o filho Luiz Eduardo
Oliva.
Antônia Amorosa, artista, na despedida fez música e poesia,
uma epifania para o instante. Tudo muito no clima de suavidade e paz, a síntese
do que foi a vida daquele exemplar morto.
Se perguntassem a João Oliva se ele aceitaria ser Ministro
do Supremo sendo "terrivelmente" cristão, ele, com certeza diria que
gostaria de definir-se como docemente cristão, empregando um advérbio mais
próximo da mansa serenidade do Cristo.
Na noite do dia primeiro de abril de 1964, Seixas Dória que
estava no Rio de Janeiro, retornou a Aracaju, e reassumiu o governo tendo a
certeza de que em breve seria preso. No Palácio Olímpio Campos, que tinha a
dupla função de sede do governo e morada oficial do governador, em torno da
mesa onde Seixas jantava com a família e alguns auxiliares, naqueles instantes
tensos, depois de reunir-se com sindicalistas, estudantes, líderes da esquerda,
todos ansiosos por ouvir uma palavra do governador que significasse resistência
ao golpe já consumado, Seixas explicara que não haveria resistência em nenhuma
parte do país, e que ele todavia, iria fazer um manifesto externando seu
compromisso com a legalidade e a democracia, mesmo tendo a certeza de que logo
seria deposto e preso.
O Palácio logo esvaziou-se, indo o grupo concentrar-se na
Estação Central da ferrovia Leste Brasileiro. Em torno da mesa de refeições, o
reduzido número de auxiliares e amigos permaneceu fazendo companhia ao
governador. Começou-se, então, a discutir os termos do Manifesto. João Oliva
era o Secretário de Imprensa e deu o tom: “O texto deve ser sereno para evitar
provocações, e afirmativo para não denotar covardia”. Recebeu logo do
governador a incumbência de redigí-lo. Foi à Remington, concluiu a tarefa, e
informou a Seixas Dória: “Vou ler antes o texto ao telefone para Dom Távora”,
que era o Arcebispo.
João Oliva tinha em Dom Távora um paradigma para a sua vida.
Guardou com ele o que o Arcebispo lhe dissera, e o manifesto, tal como redigira
foi levado à Rádio Difusora para ser lido pelo diretor, o locutor Sodré Junior.
Na madrugada Seixas Dória foi preso, e ao amanhecer do dia
Oliva retornou ao Palácio ocupado pelos militares. Dirigiu-se ao vice já
“empossado" Celso de Carvalho, disse-lhe que estava ali para entregar-lhe
o cargo, e dar ao sucessor as informações que fossem necessárias.
Celso, sempre gentil e moderado pediu-lhe que aguardasse
para que o assunto fosse decidido e Oliva com voz mansa e tranquila
respondeu-lhe: “Doutor Celso, o governador Seixas Dória me nomeou, e como ele
está preso e não pode exonerar-me, eu tenho a obrigação moral de me considerar
exonerado”.
Assim fez, e assim, lúcido, tranquilo, permaneceu por toda a
vida conservando aquela altivez e coragem moral que, somente os puros de
espírito sabem manter, sem disso fazer alardes.
João Oliva foi o cidadão de uma época, e um exemplo para
todas as épocas.
Texto reproduzido do site: f5news.com.br
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