Publicado originalmente no site 93 Notícias, em 8 de março
de 2019
O Circo de Zé Bezerra
Por Antonio Samarone
Hoje tem espetáculo, perguntava o palhaço... Tem sim senhor,
respondia a molecada que ia atrás, no meio da rua... Cansei de correr atrás do
palhaço, para ser marcado com uma tinta, e poder entrar de graça no grande
circo. Era o Circo de Zé Bezerra.
Após o terceiro sinal, entrava uma voz grave: o Circo e
Teatro José Bezerra, o palácio de lona verde, anuncia e apresenta... (e entreva
um fundo musical). Esse era um sonho para a minha geração. O único espetáculo
que conhecíamos era o circo. E o Circo de Zé Bezerra era espacial.
Zé Bezerra, filho de Tibério Bezerra e Antonieta Bezerra
(Antonieta da Pensão), casado com Dona Lourdes, filha de João Giba. Gente de
Itabaiana. Não tenho como provar, mas se sabe que Zé Bezerra foi aluno de
Procópio Ferreira. Zé Bezerra era um grande artista: ator, cantor, mágico e
palhaço (Biriba). Como palhaço, ele contracenava com Brocoió e Tita.
O dia de maior suspense, a cidade parava, o circo
revestia-se de negro, era quando o mágico José Bezerra colocava a sua mulher no
espaço. Isso mesmo, solta, podia-as passar um aro em torno da mulher, como
prova que não existia nenhum fio invisível. Se dizia que Zé Bezerra hipnotizava
a plateia. Eu cheguei a ir com o bolso cheio de limão, pois acreditava que
chupando limão quebrava o encanto, e só assim eu poderia saber a artimanha do
artista. Por causa do risco, a mulher que ele colocava no espaço era Dona
Lourdes, a própria esposa.
Além de circo, com palco e picadeiro, era também teatro.
Cada dia com uma peça diferente. A louca do Jardim era casa cheia. A peça era
uma adaptação para o teatro de um cordel, que começava em versos: “vinde musa
mensageira, do reino de Eloim/Traz a pena de Apolo e escreva aqui por mim/o
assassino da honra ou a louca do jardim.”
Instalado num alçapão no centro do palco do circo ficava o
“Ponto”, profissional do teatro responsável por “assoprar”, em voz baixa, as
falas que deviam ser repetidas, em voz alta, pelos atores. Eu conheci o teatro
no Circo de Zé Bezerra, e fiquei com boa impressão.
A grandeza do Circo era Zé Bezerra e a família. A morena
Iracema (filha), melhor rumbeira do Brasil. Era o segundo ato do espetáculo.
Iracema com um pequeno saiote, rebolando as cadeiras, quando levantava um
babado e podia-se ver a caçoula da dançarina, quase um short para os padrões de
hoje, aquilo levava a patuleia ao delírio. Tudo beirava a inocência,
comparando-se com as atuais dança da Rede Globo.
Iracema era casada com Vivaldo, músico do circo. Em
Itabaiana, todos desconfiavam de Vivaldo. Só podia... Eita tempos atrasados.
Circulando o poleiro do circo, passava um menino vendendo um “binoculo de
foto”, gritando: o retrato de mãe, o retrato de mãe; era o retrato de Iracema,
e não dava para quem queria.
O outro filho de Zé Bezerra, Iranildo, era o malabarista.
Lourdes, a esposa, atriz nas peças encenadas. Tinha mais um filho, o mais novo,
que eu não lembro o nome. O Circo de Zé Bezerra quando chegava numa cidade,
pelo povo, não sairia mais. Não esqueci de Antonieta, uma portuguesa que
cantava com sotaque lusitano. Uma velhinha saliente. Sempre a casa cheia. Em
Aracaju, o Circo de Zé Bezerra armava perto da Rodoviária Velha, e a temporada
durava mais de três meses.
Dona Breguedela, dona do rendez-vous de Itabaiana, deixava o
espetáculo começar, apagarem-se as luzes, para ela entrar com as suas meninas.
Só iam para as cadeiras. A discrição de Dona Breguedela no circo chamava a
atenção. Pois, até mulher-dama se dava ao respeito. Elas também acompanhavam a
procissão de Santo Antônio. Era tradição.
O circo acabou, faz tempo. Zé Bezerra foi assassinado em
Queimadas, na Bahia. O seu corpo foi sepultado numa cova rasa. Sergipe, e
Itabaiana em especial, não pode apagar da memória histórica esse grande
artista. Tá na hora das autoridades procurarem a família, para transladar o
corpo de Zé Bezerra para um cemitério em Itabaiana, e no local, erigir um
monumento em sua homenagem. Enquanto ele não caia no completo esquecimento.
Publicado também no blogdesamarone.blogspot.com
Texto e imagem reproduzidos do site: 93noticias.com.br
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