Manoel D'Almeida no ofício de folheteiro de cordel nos anos 1950.
Publicado originalmente no Jornal do Dia, em 08/11/2014.
Manoel D'Almeida Filho: 100 anos do maior cordelista de
Sergipe
Por Antônio Wanderley de M. Corrêa*
Manoel D'Almeida Filho nasceu em Alagoa Grande/PB em 13 de
outubro de 1914, filho dos agricultores Josefa Pastora da Conceição e Manoel
Joaquim D'Almeida. Somente aos oito anos, o pequeno Manoel conheceu a cidade.
Provavelmente em um dia de feira, quando encantou-se com algum folheteiro,
declamando ou cantando versos em meio a uma pequena multidão de curiosos e
aficionados pelas novidades fantásticas da Literatura de Cordel.
Naquele momento, no início dos anos 1920, ao ter o primeiro
contato com folhetos de Cordel, procurou alfabetizar-se com os mesmos. Aliás,
os folhetos de Cordel vendidos nas feiras, mercados, praças e estações
ferroviárias, foram por muitas décadas do século 20, as cartilhas de
alfabetização autodidata de milhões de sertanejos nordestinos.
Já na adolescência, Manoel versava as histórias de Trancoso
contadas por seu pai.
Em 1936, com 22 anos, trabalhando como operário em João
Pessoa/PB, publicou o seu primeiro folheto inspirado em um caso polêmico
ocorrido na época no interior do seu estado natal: "A Menina que Nasceu
Pintada, com Unhas de Pontas e Sobrancelhas Raspadas". [Vilma Mota
Quintela. "Manoel D'Almeida Filho".
www.casaruibarbosa.gov.br/cordel].
O sucesso do primeiro poema animou o jovem Manoel que,
resolveu dedicar-se inteiramente à poesia popular e ao ofício de editor e
vendedor dos livretos de Cordel. Assim, passou a escrever febrilmente e a
editar folhetos (imprimindo em papel barato em pequenas tipografias manuais) e
vende-los em feiras do interior da Paraíba e de Pernambuco.
Como folheteiro ambulante, teve contato com violeiros e
cantadores sertanejos, dos quais buscou inspiração para suas obras escritas e,
por algum tempo, tornou-se também um deles. Mas foi como poeta de bancada que
edificou sua monumental obra literária.
Naquelas andanças, conheceu em Recife/PE o grande editor
João Martins de Athayde, que comprou os direitos de publicação da obra do 'Pai
do Cordel' Leandro Gomes de Barros.
Em 1940, Manoel D'Almeida (com 26 anos) foi morar em
Aracaju, fixando residência definitiva [Depoimento do próprio poeta gravado em
vídeo em 1993, citado por Quintela].
Durante cinco décadas, vendeu folhetos de Cordel no Mercado
Antônio Franco. Sua banca ficava na parte externa, no lado defronte ao Mercado
Thales Ferraz. Na maior parte da sua longa estadia em Aracaju, residiu no
Bairro 18 do Forte [Depoimento de Joelson Cabral a este autor em 09 set. 2014.
Joelson é proprietário da Banca do Cordel "João Firmino Cabral"
situada no Mercado Antônio Franco].
Nos anos 1950, tornou-se respeitado e famoso pela sua obra
que crescia em quantidade e principalmente em qualidade. Pelo menos entre os
cordelistas, editores e leitores daquele gênero literário. Sim, porque
infelizmente a grande maioria dos poetas cordelistas são completamente
desconhecidos ou desprezados pela chamada "grande mídia", pela
crítica literária e pelo grosso da população brasileira.
O ano de 1955 foi marcante para o nosso poeta. Ele começou a
publicar as suas obras pela Editora Prelúdio de São Paulo, atual Luzeiro, que é
a maior editora de folhetos de Cordel do Brasil. Além de autor, Manoel
tornou-se selecionador e revisor de textos da editora paulistana até os anos
1990. Pela Prelúdio/Luzeiro, o cordelista de Alagoa Grande publicou cerca de
200 títulos. A maioria de romances de amor e sofrimento, romances de
encantamento, aventuras sertanejas e histórias envolvendo o cangaço.
Ainda em 1955, junto com Rodolfo Coelho Cavalcante,
organizou em Salvador/BA o Primeiro Congresso de Trovadores e Violeiros do
Brasil.
Para o cordelista Marco Haurélio, Manoel D'Almeida
"reivindicou para o cordel um espaço na literatura brasileira combatendo
os estudiosos que viam no gênero apenas poesia parafolclórica" [Literatura
de cordel: do sertão à sala de aula. Marco Haurélio. São Paulo: Paulus, 2013.
p. 100].
Suas obras mais famosas são: Vicente o Rei dos Ladrões,
Josafá e Marieta, A Luta de Zé do Caixão com o Diabo, A Briga de São Pedro com
Jesus por Causa do Inverno, Rufino o Rei do Barulho, Padre Cícero o Santo do
Juazeiro, Jesus Cristo e o Mestre dos Mestres, A Mulher que Enganou o Diabo, Os
Três Conselhos da Sorte, Gabriela, Jesus e o Homem do Surrão Misterioso, A
Troca das Esposas e Os Cabras de Lampião. Este último, considerado a sua obra
prima, foi publicado em primeira edição em 1965, contendo 652 estrofes de seis
versos. Na apresentação do folheto, a Editora Luzeiro afirma que
"indubitavelmente, é a melhor biografia em versos sobre o famoso
cangaceiro".
Manoel D'Almeida é autor do mais longo poema em versos de
Cordel já escrito: "O Direito de Nascer", com 719 estrofes. Aliais,
em número de versos, a sua obra é a mais extensa da poesia popular brasileira. Foi fundador da Academia Brasileira de Literatura de Cordel,
sendo o patrono da cadeira 20.
Na biografia do poeta no folheto "A Briga de São Pedro
com Jesus ...", a Luzeiro afirma sem arrodeio que ele é "considerado
o maior poeta da literatura de cordel de todos os tempos". E em todos os
folhetos de sua autoria, aquela editora argumenta: "seu renome se deve,
não à quantidade de suas obras, mas à qualidade, pois são sempre muito
inspiradas e caracterizadas pela correção da linguagem (...) luta pela
atualização e correção da literatura de cordel". Afirma ainda que
"(em Aracaju) exerce salutar influência sobre um grupo de bons poetas da
região".
Em sua "salutar influência" sobre jovens
interessados em versarem poesia de Cordel, destacou-se um garoto itabaianense
de 17 anos: João Firmino Cabral que, em medos dos anos 1950, lhe pedira para
vender folhetos no interior. Manoel lhe entregou uma mala com 400 exemplares. O
garoto Firmino foi para Itabaiana e outras cidades do agreste sergipano e
vendeu tudo rapidamente. Dalí em diante, começava uma grande e duradoura
amizade entre o já consagrado poeta paraibano e o garoto. Em uma de minhas
conversas com este, o mesmo me falou emocionado: -Ele foi um mestre e um pai
para mim! [Depoimento de João Firmino Cabral ao autor em meados de 2006].
Firmino tornar-se-ia seu discípulo mais devotado e, com o passar do tempo, outro grande nome, verdadeiro ícone
do cordelismo sergipano.
Os fatos aqui expostos demonstram que Manoel D'Almeida Filho
não foi somente um grande poeta, folheteiro, editor, selecionador de textos de
editora e fazedor de discípulos. Foi também um militante e articulador. Lutou
por quase toda a vida pelo reconhecimento da Literatura de Cordel por seus
contemporâneos. Por este conjunto monumental, pela enorme qualidade criativa de
sua obra, pelo seu poder de articulação e de arregimentação e a por sua luta
deliberada e obstinada em colocar a Literatura de Cordel em destaque no cenário
cultural brasileiro, o fizeram maior nome do cordelismo de Sergipe, quiçá do
Brasil.
Durante a grave crise econômica do final dos anos 1980 e
início dos anos 1990, quando a Luzeiro passava por momentos críticos, o velho
poeta, com quase 80 anos de idade escreveu uma carta emocionada ao seu compadre
e proprietário daquela editora Arlindo Pinto de Souza, receando o fim da
Luzeiro e da própria Literatura de Cordel [Marco Haurélio. Breve Histórico da
Literatura de Cordel. São Paulo: Claridade, 2010. p. 80]. Nascido em 1914, teve
o seu centenário pouco comemorado.
Nosso cordelista maior faleceu em Aracaju de enfisema
pulmonar no dia oito de junho de 1995. Segundo Marco Haurélio "seu
desaparecimento (...), deixou uma lacuna impossível de ser preenchida".
Meu otimismo inveterado e alguns fatos subsequentes me levam
a pensar diferente. Manoel D'Almeida teve sucessor à altura. Com a morte dele,
João Firmino Cabral agigantou-se com a sua obra também monumental. E hoje,
assistimos com enorme satisfação o trabalho de aguerridos cordelistas, moços e
outros não tão moços assim, produzindo em qualidade e em quantidade, divulgando
o Cordel em eventos, nos meios de comunicação, nas redes sociais, nas escolas e
em outros espaços. Bem como o revigoramento da Luzeiro e o surgimento de outras
editoras especializadas no gênero, a exemplo da Tupynanquim de Fortaleza/CE e
da Coqueiro de Recife/PE.
Como acontece por quase todo o Brasil, na terra adotiva de
Manoel D'Almeida Filho, o Cordel vive um bom momento. E dias melhores virão. O
trabalho desbravador de alguns poucos abnegados trouxe seus frutos.
* Antônio Wanderley de M. Corrêa é licenciado em História
pela UFS, professor das redes pública estadual (SEED) e municipal de Aracaju
(Semed), coautor de livros didáticos regionais e cordelista.
Texto e imagem reproduzidos do site: jornaldodiase.com.br
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