Na foto um dos meus últimos encontros com o poeta, numa animada
conversa juntamente com Clóvis Barbosa. Amaral já estava em cadeira de rodas
Publicado originalmente na Linha do Tempo do Perfil no Facebook de Luiz Eduardo Oliva, em 7 de julho de 2020
Adeus Amaral, Adeus Poeta!
Por Luiz Eduardo Oliva
Acordo com a notícia: morreu Amaral Cavalcante. Inegável o susto e o sentimento. É como se houvesse recebido um corte na minha
própria formação e construção cultural, é saber que calou-se uma das mais
brilhantes vozes da cena sergipana, o poeta, o jornalista, o cronista, o
editor.
Ícone e referência de uma geração brilhante, a mesma geração
do poeta Mário Jorge, da multifacetada Ilma Fontes, do grande compositor
Alcides Melo, do artista plástico Joubert Moraes, do músico Marcos Chulé, da
atriz Uilma Rodrigues, do cronista João de Barros, o Barrinhos, da bailarina Lu
Spinelli, do cinéfilo Djaldino Mota Moreno, da jornalista Clara Angelica Porto,
do poeta Hunaldinho Alencar, da historiadora Terezinha Oliva, do jurista Clóvis
Barbosa...
Havia nessa geração o desejo de criar e o fez como qualquer
outra geração do planeta, antenada, atualizada, talentosa, duma época em que a
comunicação jornalística para além dos limites da cidade se fazia pelo fax e se
esperava chegar a tarde para receber os jornais do Sul do país ou à noite
quando as ondas médias do rádio possibilitavam uma melhor audição dos programas
internacionais e com ele, o rádio, saber o que se passava no mundo em tempo
real. A televisão estava só começando, mera repetidora com jornais somente no plano
local.
No fim dos anos 60 "Vôos Mitos Coloridos" que na
cacofonia formava "vômitos coloridos" disse muito daquela geração,
uma antes da minha mas que pude beber e alcançar, como um privilegiado, tudo
que aquela geração legou.
Amaral era então o poeta, o jornalista que ousou o mais
significativo jornal alternativo de Sergipe, o Folha da Praia, uma mistura meio
pasquim com tecidos iconoclastas fazendo uma inovação e abrindo oportunidades à
escrita fácil sem as exigências do jornalismo engessado, onde até havia a
crônica social em forma docemente irônica. Amaral foi a síntese disso tudo.
Como na música de Belchior, Amaral veio do interior (Simão Dias)
“sem parentes importantes" e
trazendo na cabeça muito mais que uma canção do rádio e compreendendo que nem
tudo era divino e maravilhoso. Morou em pensões, trabalhou como vendedor na
livraria alternativa da Galeria Álvaro Santos, sobreviveu. Mas logo sua
inteligência fulgurante fez dele uma referência: era o poeta. Mas o poeta que
publicou de poesias somente um livro, depois de ter sido o primeiro vencedor do
Concurso de Poesia Falada do Nordeste com o magnânimo poema "Romance da
Aparição".
Irriquieto, no início dos anos 80 escrevia uma coluna
diferenciada no Jornal da Cidade chamada "Pique Geral" multifacetada,
centrada nos costumes e fazeres daquela geração e que inspirou outras colunas
como a minha "Artefatos" (Jornal de Sergipe) e a "Resenha"
de Jorge Lins (Gazeta de Sergipe) a que juntos em doce ironia, cognominávamos
de "colunistas não alinhados" numa referência ao bloco dos países não
alinhados da época da guerra fria.
No surgimento das redes sociais Amaral fez do Facebook sua
maior trincheira. Ali com sua pena fina,
com o deboche elegante, o uso inteligente do chiste, um estilo próprio e o
domínio incomum da palavra, nos brindou com as mais deliciosas crônicas do cotidiano
sergipano, trazendo reminiscências sobretudo dos efusivos anos 80, ou mesclando
com sua contundente poesia. Das crônicas
veio "A vida me quer bem: crônicas da vida sergipana” o segundo e último
livro dele, o seu canto do cisne, que teve a cuidadosa supervisão de edição de
Mário Britto e lançado ano passado.
Também foi o editor da
"Cumbuca" a revista cultural da Editora Diário Oficial, única
no gênero, uma válvula de escape para o registro da sergipanidade e da cultura
sergipana.
Com a mesma engenhosidade com que escrevia suas crônicas
Amaral resumiu sua geração:
“Somos uma geração etílica, nós convivemos nos bares, frente
a frente na mesa de bar batendo papo, conversando, discutindo a vida e
aprendendo, hoje ficamos mais a frente do computador”. Aliás sou da geração que sequência a de
Amaral e que, portanto, quando me dei conta já estava na mesma
contemporaneidade.
Amaral merece uma biografia que, ao ter sua vida contada,
contar-se-ia a história de uma das mais brilhantes gerações do fazer artístico
inovador de Sergipe.
Nos últimos dois anos o poeta esteve em uma cadeira de rodas
e recebendo com bom humor as sessões semanais de diálise e vivia sob os
cuidados de Samuel, seu anjo da Guarda a quem chamava de filho.
Com sua morte na madrugada desta terça feira (07/07) se vai
um importante pedaço da nossa cultura. Se vai Amaral Cavalcante em um instante
tão triste do mundo, um instante de dor e advertência à humanidade pós Covid,
um "instante amarelo" que é o título do seu único e marcante livro de
poesia.
Vai levando poesias, um baú de recordações e toda a sua
grandeza.
Vá com Deus poeta!
Texto e imagens reproduzidos do Perfil do Facebook/Luiz Eduardo Oliva
Nenhum comentário:
Postar um comentário