Publicado originalmente no site AJN1, em 20 de junho de 2020
Tobias Barreto e a mulher
Por Vladimir Souza
Carvalho
Estamos no mês (Junho) de Tobias. Em junho, nasceu. Em
junho, morreu, precocemente, cinquenta anos depois. Uma foto, entre as poucas
que já foram divulgadas, o mostra precocemente envelhecido, fruto, por certo,
da atrasada medicina da época. Contudo, o meio século de vida foi o suficiente
para deixar a marca de sua genialidade ímpar nos textos que produziu, e nestes,
a capacidade de bem argumentar, a leveza de sua abordagem, prendendo o leitor
do início ao final, e, sobretudo, a audácia de se expor em exemplos que mostram
o espírito avançado para quem vivia nas últimas décadas do século dezenove e o
perfeito domínio da matéria abordada.
Dir-se-ia que não escrevia: valsava. Aqui e ali um comentário
ousado, como ousado é todo comentário de quem tem autoridade para fazê-lo, como
se fosse um elo de ligação entre dois segmentos de uma partitura musical, de um
frevo, digamos em bom pernambucanês. Um oceano profundo, onde ninguém mergulhou
em sua totalidade, ou uma mata fechada, onde poucos não adentraram mais de
limitados metros. Encosto-me apenas em Menores e loucos em Direito Criminal,
para colher alguns exemplos dos altos voos de Tobias Barreto, a fim de, em meio
a uma exposição, lançar mais paus na fogueira.
Tomo a mulher como fonte de inspiração. Um deles: “Para
desenvolver as minhas ponderações jurídicas, basta-me, como postulado, que a
mulher seja feita à imagem e semelhança da Venus da Canova. Não sou muito
exigente”. Outro: “A mulher que na opinião de todos os cavalheiros de um baile,
ou de todos os convivas de um banquete, inclusive legisladores e juristas, pois
esta inclusão não vai de encontro ao princípio das incompatibilidades, a
mulher, que na opinião de todos estes, quando os sons de uma linda walsa
convidam a dançar, ou o sabor dos licores é a estrela que mais brilha nas
grandes solemnidades, volta a ser no dia seguinte, na opinião dos mesmos
peritos, uma creança permanente, que não pode ter completa autonomia, que não
deve ser abandonada a si mesma!… Que quer dizer isto? Como se explica e
justifica esta falta de coherência e sisudez?”
E lá vem a prova da coragem de focar sem escandalizar: “Isto
não basta; pois se isto não torna impossível, como eu já disse, o facto
revoltante de um jovem de quinze anos ser condenado á prisão perpetua, também
não impossibilita o quadro ainda mais hediondo de uma menina da mesma idade ir
acabar de entumescer os seios, de engrossar os lábios e de abrir de todo a rosa
da adolescência, na solidão de um cárcere, donde não mais sairá”.
Essa bravura, aliás, vinha de longe. Ao passar por
Itabaiana, ainda vila, por três anos, em um dos poemas que imortalizou Rita de
Cássia de Jesus Noronha, já se mostrava além de seu tempo. Ritinha era magra –
e magra foi a vida inteira, pelo que se observa de foto sua na velhice -, tinha
treze anos, e, justamente nessa idade os seios começavam a dar sinal. Tobias,
no poema, escrito em 1858, anotava o fato se utilizando do termo alma na
primeira das quatro quadras: “Em tenra e frágil vergontea / de uns treze anos
que tem, / agora é que a alma desponta / no viço e no olhar… pois bem!”
Na defesa dos direitos de igualdade da mulher, sua
argumentação se revestia de muita força: ” Ainda estão vivas as belas palavras
de Olympia de Gourges, que eu me permitir inverter e repetir: em quanto a
mulher não tiver, como o homem, o direito de subir á tribuna, ella não deve ser
igualmente com ele, nas mesmas proporções, que ele, o direito de subir ao
cadafalso”.
Tobias é Tobias, na ousadia de expor e dar sua opinião, de
tratar a matéria com a intimidade de quem só a conhece carrega, de aplaudir e
criticar, sem perder a elegância, texto de quem tem pleno e total domínio do
que aborda, atleta de futebol que, antes de fazer o gol, dribla o zagueiro e
conclui com um banho de cuia no goleiro.
E, para conferir vida ao que escrevia, não perdia a
oportunidade para o galanteio: “E não menos que a maneira de falar tem, no
bello sexo, um valor pyschologico a maneira de escrever. Se, como ainda hoje se
repete, o estylo é o homem, com igualdade de razão se póde affirmar que a
calligraphia é a mulher”.
Aqui, só um diminuto grão de areia, ou um pingo d´agua. A
montanha desafia escalada. O oceano reclama mergulho.
Texto reproduzido do site: ajn1.com.br
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