quarta-feira, 8 de julho de 2020

Nem tudo é Coloidiano, por Carlos Magno

Foto de César de Oliveira e postada pelo blog, 
para ilustrar o presente artigo

Texto publicado originalmente na Linha do Tempo no Perfil do Facebook de Carlos Magno Andrade Bastos, em 7 de julho de 2020

Nem tudo é Coloidiano
Por Carlos Magno

Não conheci Amaral o hippie alucinado que vagava pelas ruas de Aracaju, que ociosamente repousava na alfombra do Parque Teófilo Dantas com sua vasta cabeleira. O conheci como dono de jornal e produtor cultural um verdadeiro executivo. Nem frequentei a loucura do Coloidiano, pra ser bem sincero nem sei onde fica essa localidade entre o rio e o mar. Relutei em discorrer sobre figura tão presente por muitos anos na minha vida como a do poeta Amaral Cavalcante. E nunca foi uma convivência das mais fáceis, mas foram cinco anos de Folha da Praia onde fui um grande aprendiz ao lado de outros colegas que tiveram o privilégio de viver aquele tempo de pura efervescência cultural. Comecei como colunista depois, publicitário e até copydesk de uma enxurrada de textos impublicáveis que chegavam à redação. A Folha foi o meu primeiro emprego de carteira assinada, se tenho hoje o registro de jornalista profissional devo isso a Amaral. Virei uma espécie de braço direito do jornalista e com o tempo ganhei tanta confiança que escrevi por diversas vezes a sua coluna Pique Geral no Jornal da Cidade. Fui para a Gazeta de Sergipe e trabalhei como repórter tendo como meus editores Gilvan Manoel e Fernando Sávio. Mas nunca deixei a Folha.

Amaral comandava a SCAS, a Sociedade de Cultura Artística de Sergipe e era naquela vista maravilhosa para o Rio Sergipe que fazíamos a Folha com muito amor. Sempre fui apaixonado por jornal e Amaral era ainda mais. A Folha reunia pessoas inteligentes e o mundo nos parecia pequeno. Amaral era uma enciclopédia viva, um leitor de grandes romances da literatura mundial e por isso nos surpreendia com sua retórica ilustrada e cheia de riqueza vocabular. Unia os trejeitos do tabaréu simãodiense com o clássico nietzschiano. Era pura filosofia com ares tupiniquins. Sempre com um pé atrás.

 Amaral teve o privilégio de fazer amizade com grandes astros da arte e de carona na sua nave tive momentos únicos. De passar a noite com Nelson Cavaquinho ouvido pérolas do samba. De recital particular com Artur Moreira Lima e Egberto Gismont. De passear com as encantadoras bailarinas do Roial Ballet do Thaiti. E as lindas bailarinas do Balet Stagium. Passeio a beira mar com os Diz Croquetes e muito mais. Noites homéricas no Barbudos ouvindo as tiradas inteligentes do poeta e seus acompanhantes fieis.

Amaral a cada instante nos surpreendia como por exemplo nas cenas do curta Arcanos, e sua aparição no longa Sargento Getúlio de Hermano Pena. Que nos rendeu uma noite na companhia de Lima Duarte. Amaral nos tempos áureos da Scas era uma ponte entre um mundinho medíocre e os apoteóticos espetáculos. Sei que ele me queria muito bem e posso dizer que a recíproca é mais que verdadeira. Mas claro vivíamos às turras, entre momentos de amor e ódio. Se havia esse lado paternal e acolhedor, havia também os conflitos e um lado sombrio, perfeição só de Deus. Anos depois gravamos juntos o CD A voz o poema, onde seus versos imperiosamente nos calou, Que pena poeta, neste momento que você partiu não tivemos tempo de se abraçar e deixar as mágoas de lado. Mas a vida segue, e a morte também, com certeza não faltará oportunidade no além.

 Através de um amigo comum fiquei sabendo de sua alegria diante de cada conquista na minha vida. Hoje para mim é um dia muito triste perdi alguém que além de amigo e mestre foi um pouco pai na minha vida. Amaral era uma referência de responsabilidade e proteção. E aquele adeus nem pude dar.

Texto reproduzido do Facebook/Carlos Magno Andrade Bastos

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