Foto de César de Oliveira e postada pelo blog,
para ilustrar o presente artigo
Texto publicado originalmente na Linha do Tempo no Perfil do
Facebook de Carlos Magno Andrade Bastos, em 7 de julho de 2020
Nem tudo é Coloidiano
Por Carlos Magno
Não conheci Amaral o hippie alucinado que vagava pelas ruas
de Aracaju, que ociosamente repousava na alfombra do Parque Teófilo Dantas com
sua vasta cabeleira. O conheci como dono de jornal e produtor cultural um
verdadeiro executivo. Nem frequentei a loucura do Coloidiano, pra ser bem
sincero nem sei onde fica essa localidade entre o rio e o mar. Relutei em
discorrer sobre figura tão presente por muitos anos na minha vida como a do
poeta Amaral Cavalcante. E nunca foi uma convivência das mais fáceis, mas foram
cinco anos de Folha da Praia onde fui um grande aprendiz ao lado de outros
colegas que tiveram o privilégio de viver aquele tempo de pura efervescência
cultural. Comecei como colunista depois, publicitário e até copydesk de uma
enxurrada de textos impublicáveis que chegavam à redação. A Folha foi o meu
primeiro emprego de carteira assinada, se tenho hoje o registro de jornalista
profissional devo isso a Amaral. Virei uma espécie de braço direito do
jornalista e com o tempo ganhei tanta confiança que escrevi por diversas vezes
a sua coluna Pique Geral no Jornal da Cidade. Fui para a Gazeta de Sergipe e
trabalhei como repórter tendo como meus editores Gilvan Manoel e Fernando
Sávio. Mas nunca deixei a Folha.
Amaral comandava a SCAS, a Sociedade de Cultura Artística de
Sergipe e era naquela vista maravilhosa para o Rio Sergipe que fazíamos a Folha
com muito amor. Sempre fui apaixonado por jornal e Amaral era ainda mais. A
Folha reunia pessoas inteligentes e o mundo nos parecia pequeno. Amaral era uma
enciclopédia viva, um leitor de grandes romances da literatura mundial e por
isso nos surpreendia com sua retórica ilustrada e cheia de riqueza vocabular.
Unia os trejeitos do tabaréu simãodiense com o clássico nietzschiano. Era pura
filosofia com ares tupiniquins. Sempre com um pé atrás.
Amaral teve o
privilégio de fazer amizade com grandes astros da arte e de carona na sua nave
tive momentos únicos. De passar a noite com Nelson Cavaquinho ouvido pérolas do
samba. De recital particular com Artur Moreira Lima e Egberto Gismont. De
passear com as encantadoras bailarinas do Roial Ballet do Thaiti. E as lindas
bailarinas do Balet Stagium. Passeio a beira mar com os Diz Croquetes e muito
mais. Noites homéricas no Barbudos ouvindo as tiradas inteligentes do poeta e
seus acompanhantes fieis.
Amaral a cada instante nos surpreendia como por exemplo nas
cenas do curta Arcanos, e sua aparição no longa Sargento Getúlio de Hermano
Pena. Que nos rendeu uma noite na companhia de Lima Duarte. Amaral nos tempos áureos
da Scas era uma ponte entre um mundinho medíocre e os apoteóticos espetáculos.
Sei que ele me queria muito bem e posso dizer que a recíproca é mais que
verdadeira. Mas claro vivíamos às turras, entre momentos de amor e ódio. Se
havia esse lado paternal e acolhedor, havia também os conflitos e um lado
sombrio, perfeição só de Deus. Anos depois gravamos juntos o CD A voz o poema,
onde seus versos imperiosamente nos calou, Que pena poeta, neste momento que você
partiu não tivemos tempo de se abraçar e deixar as mágoas de lado. Mas a vida
segue, e a morte também, com certeza não faltará oportunidade no além.
Através de um amigo
comum fiquei sabendo de sua alegria diante de cada conquista na minha vida.
Hoje para mim é um dia muito triste perdi alguém que além de amigo e mestre foi
um pouco pai na minha vida. Amaral era uma referência de responsabilidade e
proteção. E aquele adeus nem pude dar.
Texto reproduzido do Facebook/Carlos Magno Andrade Bastos
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