Amaral Cavalcante: *11.07.1947 +07.07.2020
Publicado originalmente no site JLPOLÍTICA, em 07 de julho
de 2020
Amaral Cavalcante se foi. Mas é um que "se" fica!
Por Jozailto Lima* (Coluna APARTE)
Um beat. Um poeta. Um iconoclasta. Um lúdico. Um lírico. Um
memorialista. Um passional. Um jornalista. Um arregimentador de desiguais e de
diferentes. Um boêmio. Um que marcou.
Em diversas categorias de definições bem se encaixava o velho
Antonio Amaral Cavalcante, que na madrugada deste dia 7 de julho juntou uma
bota noutra com o bico pra cima e bateu às portas de São Pedro.
Amaral Cavalcante lutou bravamente, entre uns e vinhos,
contra um diabetes indelicado, um câncer de próstata, mas não quis prosa com a
Covid-19 que Jair Bolsonaro batizara de uma gripinha.
Amaral Cavalcante morreu nesta madrugada na Urgência do
Hospital do Ipes e vai ser cremado na Caueira ainda durante esta terça-feira
numa solenidade nada solene: só ele com seu fogo final. No atestado de óbito
está contida a inscrição da Covid.
Antonio Amaral Cavalcante nasceu no dia 11 de julho de 1946
em Simão Dias - estava, portanto, a quatro dias de emplacar 74 anos. Foi
avexado, e partiu sem arredondar a conta.
Impossível pensar a cena da memória, da cultura beat e do
jornalismo sergipano sem que se puxe uma cadeira cativa e fornida para Amaral
Cavalcante. Nos anos 70 ele deu dois tiros certeiros nos agitos culturais do
lugar.
Com um, funda o irreverente Folha da Praia, que foi
laboratório jornalístico e da contracultura de muitos malucos sergipanos e aqui
aportados. A Folha da Praia foi, em versão serigyzada, um Pasquim. Um monumento
ao jornalismo destabacado, lírico, chutador de paus de barraca. Contestador. Era
um inferninho contra botas e quepes de milicos e adesistas da nada branda
ditadura militar, hoje irresponsavelmente tão evocada com suspiros de saudade
por insanos. A Folha fez história e garantiu a existência e os vinhos de
Amaral.
Ainda na mesma década, Amaral Cavalcante causou com
"Instante Amarelo", seu único livro de poemas publicado em vida - bom
livro, por sinal. Ele era, ao modo arrebentador, signatário da poesia marginal
dos 70, que tinha uma visão dos beats bem ativada.
Há em "Instante Amarelo" ecos de Cacaso, Leducha,
Leminisk e de muitos dos seus contemporâneo, como Mario Jorge Menezes e Ilma
Fontes, que reverberam a poesia dos 70 com dignidade na terra dos cajueiros e
papagaios.
Neste milênio, convidado por mim a ser um cronista do
falecido Cinform, Amaral Cavalcante surpreendeu com um jorro portentoso de
escritos na esfera memorialista. Destilou textos fantásticos, onde a linha do
afeto memoralístico deu o ritmo, o compasso e a formação do livro "A vida
me quer bem", uma reunião do melhor desta fase, que ele lançou dia 7 de
novembro do ano passado.
Sim, a vida quis bem a Amaral Cavalcante e ele,
inegavelmente, quis bem a ela. Uma pena que ambos tenham levantado o crachá do
adeus assim tão cedomente. Tão precocemente. E, ainda mais, em tempo de
pandemia de Covid-19, que nos veda de afagar os cabelos ou beijar a testa dos
que partem.
Mas incomode-se não, Amaral velho de guerra, e se sinta
afagado. Que a terra - ou melhor -, o fogo lhe seja leve.
* É jornalista há 37 anos, tem formação pela Unit e é fundador
do Portal JLPolítica. É poeta.
Texto e imagem reproduzidos do site: jlpolitica.com.br
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