sábado, 23 de janeiro de 2021

'Uma carta para Igor', por Paulo Roberto Dantas Brandão

Publicado originalmente no Perfil do Facebook de Paulo Roberto Dantas Brandão, em 23/01/2021

Uma carta para Igor
Por Paulo Roberto Dantas Brandão

Caro Igor

Fizemos sua Missa de 7º Dia.  Mas essa Pandemia é tão desgraçada, esse vírus é tão mau, que não pudemos nos consolar por sua ausência.  Rezamos, é verdade, mas não pudemos o homenagear direito, como, aliás não pudemos nos despedir de você descentemente.  E o pior, você não o podia ser levado agora.

Como você sabe, nossa família é unida. Não somos piegas, mas na medida do possível, estamos juntos. Reunimo-nos em ocasiões especiais, ou em ocasiões banais, por nós mesmos inventadas. Falamos alto, discutimos, discordamos, mas nos amamos. De nós, você era o mais alegre, o mais simpático, o mais falador. Falava alto, mais alto que nossa média que já é elevada. Tratava todo mundo com carinho, e beijava a todos. Lembro que meu pai, ao receber seus beijos, dizia: e eu lá gosto de beijo de homem? Mas você continuava beijando. Lembro que gostava de fazer gozações com todo mundo, mas sem ofender ninguém. Você era um poço de simpatia. Achava interessante quando conversava comigo. Iniciava cada frase com “Meu Tio”. E continuava a conversa, em cada frase repetindo: “Meu Tio...”. Se queria me enjoar, dizia “Ohhhh Paulinho”. Isso o fazia querido. Você me divertia. E já estou com saudades.

Saiba que nossa família está amputada.  O sentimento é que perdemos o nosso membro mais simpático, mais amigueiro. Será difícil vivermos sem você. Igório, como o apelidava carinhosamente meu pai.

Por falar nele, meu pai dizia que “Os pais constroem um lar para os filhos, e os filhos constroem um túmulo para os pais”. A morte de um filho não é natural. Não é o andar normal das coisas. Isso aumenta o nosso sofrimento. Não sei se posso imaginar o que seus pais, meus irmãos Ricardo e Ubiracilda estão passando. Acho que todo sofrimento que estou a imaginar é pouco. Muito pouco.

Não sei se você sabe: Quando você nasceu, Igor, naquele dia meus país, seus avós, estavam em viagem. Aproveitavam umas merecidas férias e peregrinavam com um casal amigo pelo Oriente. Organizados, deixaram todo o roteiro. Onde estariam em cada dia, em tal hotel e com os telefones de cada um. Você deve saber que estamos falando de uma época pré-histórica, onde não havia telefone celular, onde internet nem era um projeto, e onde até os telefones fixos tinham lá os seus limites. Estava na casa dos meus avós, e fui incumbindo de dar a boa notícia aos seus avós, Seu Brandão e Dona Yeda: Igor havia chegado, afinal, você era o primeiro neto homem. Pensei na dificuldade. Mas vi no roteiro que eles estavam naquele dia no Havaí. Disquei para o tal Hotel, com auxilio de uma telefonista da Embratel. Gastei todo meu inglês com o atendente de lá. Mas, consegui. Dei a notícia aos meus pais: Igor nasceu. Você havia chegado.

Meus pais agora estão no céu. Não tenho o número de lá. Mas nas minhas orações, no meu jeito meio torto de rezar, no meu jeito meio heterodoxo de crer, tentei dizer a eles que você estava partindo, que iria chegar por lá, e que cuidem de você aí no céu, como ajudaram a cuidar aqui na Terra.

Por aqui, nos vamos nos virando. Vendo-o nas figuras de seus filhos Arthur e Maria Letícia. Procurando neles as semelhanças com o pai. E tentando consolar a dor de sua amada Layla.

Com amor, do seu Tio Paulinho, como você gostava de chamar.

Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Paulo Roberto Dantas Brandão.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Entrevista com um velho comunista, por Marcos Cardoso


Publicado originalmente no site do Portal INFONET, em 13 de janeiro de 2021

Entrevista com um velho comunista
Por Marcos Cardoso (Blog Infonet)

A crise capitalista de 2008 e a ascensão da China, desafiando a hegemonia econômica e política dos Estados Unidos, parece que fez surgir no mundo uma nova Guerra Fria, mas a arma principal continua a ser o velho discurso anticomunista. Para ganhar essa guerra ideológica é preciso demonizar o comunismo.

No Brasil, o clima hostil de Macarthismo – perseguição empreendida nos Estados Unidos na década de 1950 – foi criado por militantes da extrema-direita que, desde 2018, influenciados por Olavo de Carvalho, têm dedicado bastante tempo e espaço nas redes sociais para atacar o pensamento comunista. O guru do presidente Jair Bolsonaro conseguiu convencer uma parcela significativa da direita brasileira de que toda a esquerda e até a centro-esquerda é comunista.

O que pensa um histórico comunista sobre esse debate? “A saída é pela democracia”, responde o advogado e professor Wellington Mangueira, velho militante do Partido Comunista Brasileiro, o Partidão, mas hoje filiado a um partido que surgiu como dissidência daquele, com o nome de PPS, agora Cidadania. Sua análise é clássica e romântica.

Ele concorda que o anticomunismo é uma estratégia de ocupação do poder, mas observa que as potências ditas capitalistas ainda demonizam o comunismo, como historicamente sempre ocorreu. “Porque o comunismo pretende ser parte da evolução histórica das sociedades” e o capitalismo só existe se concentrar a riqueza nas mãos de poucos.

“O comunismo ainda assusta pela ignorância, construída pela manifestação ideológica, produzida pelas classes dominantes através das mais diversas formas, pelos meios de comunicação”, afirma Wellington Mangueira. Ele e a mulher, Laura Marques, foram perseguidos desde que eram estudantes secundaristas e sofreram prisão e tortura na ditadura militar encerrada em 1985.

Segue a entrevista:

Marcos Cardoso – Como você observa essa nova pregação contra o comunismo? É uma estratégia de ocupação do poder que se aproveita da ignorância das pessoas para disseminar o medo e o ódio?

Wellington Mangueira – Estamos vivendo um momento crítico da humanidade. As teorias e as práticas fascistas e nazistas se colocam na ordem do dia, pondo em xeque os valores de liberdade, humanismo, fraternidade e igualdade. Em sendo assim, a saída é pela democracia.

Democracia é regime político. Capitalismo, socialismo, comunismo são sistemas econômicos. Portanto, seja qual for o modo de produção, há a possibilidade do exercício do regime democrático. Assim, é uma falsa questão contrapor a democracia ao socialismo e/ou ao comunismo e associá-la ao capitalismo.

Dito isto, afirmo que na sua pergunta encontra-se a resposta. O anticomunismo é uma estratégia de ocupação do poder… Aproveitam-se, sim, da ignorância de parte da população. E olhe que isto foi denunciado por Karl Marx e Engels no famoso “Manifesto do Partido Comunista”, de 1848, com a histórica consigna: “Um fantasma ronda a Europa, o fantasma do comunismo”.

Todas as potências unem-se numa santa aliança para conjurá-lo. E por que tudo isso? Porque o comunismo pretende ser parte da evolução histórica das sociedades, pois, assim como da comunidade primitiva, tribal, saltou-se para o regime escravocrata, e deste para o feudalismo e mercantilismo, que gerou a Revolução Industrial, esta estruturou-se na forma do regime econômico denominado de capitalismo, pois tem no capital, nas suas mais diferentes “formas de dinheiro ou de crédito”, o poder de se estabelecer como o principal meio de produção, reservado a uma classe social, que é denominada de capitalista, em detrimento da classe trabalhadora que, por não ser a proprietária dos meios de produção, vende sua força de trabalho, produzindo a “mais valia” e o lucro para os patrões, alienando-se do produto do seu próprio trabalho e tornando a sociedade cada vez mais excludente, com taxas de concentração de riquezas nas mãos de poucos e um exército de desempregados e “miseráveis”, como bem assinalou Victor Hugo.

Eis porque as classes dominantes temem o comunismo, pois que este pretende abolir todas as formas de opressão social. E, se bem que parece uma utopia, e em parte o é, a verdade é que Marx, Engels e tantos outros viram-no como parte de um processo histórico onde o socialismo seria um momento de transição, do capitalismo para o comunismo.

Ora, como a experiência da construção do socialismo real esgotou-se – apesar dos grandes avanços produzidos pela Revolução de Outubro na Rússia – a direita mundial organizou-se, mais uma vez, para conjurá-lo, pois sabe, por instinto ou por conhecimento científico, que o capitalismo é o seu próprio coveiro – para usar outra expressão de Marx. Quanto mais cresce, mais se autodevora… é a lei das selvas. E assim caminha o capitalismo, com “fake news”, com guerras, com destruição de vidas humanas. E mais, através dos mais diversos meios de comunicação pretende ressuscitar antigos chavões, carcomidos conceitos e preconceitos de toda ordem, encontrando em algumas seitas religiosas o fanatismo obscurantista de que necessita para espalhar o medo e, por consequência, a letargiar o povo, tornando-o resignado com o seu infortúnio.

A história, todavia, coloca o velho dilema: socialismo com democracia ou a barbárie com ditadura? Eis a questão.

Marcos Cardoso – Por que o comunismo ainda assusta?

Wellington Mangueira – O comunismo ainda assusta pela ignorância, construída pela manifestação ideológica produzida pelas classes dominantes através das mais diversas formas, pelos meios de comunicação.

Ademais, os exemplos que citam em desfavor do socialismo/comunismo são inconsistentes, mesmo porque o socialismo não passava de uma inspiração, de um propósito de se fazer a transição do capitalismo para uma sociedade livre da supremacia de uma classe sobre a outra. Ou seja, buscava-se, e busca-se, criar as bases materiais para se saltar do reino das necessidades para o reino da abundância.

Marcos Cardoso – Os comunistas como você e sua mulher, Laura, que sofreram na pele toda a violência da ditadura militar, se assustam? Vocês têm medo de quê?

Wellington Mangueira – A essa altura, eu com 75 anos e Laurinha com 73, só nos preocupa – já que sempre lutamos por liberdade, democracia e socialismo – a onda fascistoide que, tal qual o Covid-19, varre o mundo. Medo temos sim, de ver a miséria e a desigualdade crescerem no mundo, e morrermos antes de podermos participar das grandes batalhas que se avizinham, pois já ouso dizer que sinto o “murmúrio das massas, os turbilhões democráticos, que a liberdade produz”, como bem previu Tobias Barreto em seu célebre poema “7 de setembro”, em pleno reinado de D. Pedro II, num contraponto ao obscurantismo e ao negacionismo do Senhor Bolsonaro.

Marcos Cardoso – E qual o sonho de um velho comunista para o futuro do Brasil?

Wellington Mangueira – Quanto ao sonho deste casal comunista, eu e minha mulher Laura sonhamos com o poeta:

“Há um mundo por nascer

Um mundo que será de homens livres

Livres da fome, do medo e da ignorância

Senhores do seu próprio destino, de sua própria história

Por esse mundo lutamos!”

Texto e imagem reproduzidos do site: infonet.com.br