Foto reproduzida Facebook/Nestor Amazonas e postada pelo
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Texto compartilhado do blog Educação História e Política, em
21 de julho de 2021
O Conservador Iconoclasta Chocou os Conservadores
LUIZ ADELMO
Por Jorge Carvalho do Nascimento*
Jornalistas que fazem coluna social normalmente são vistos
como pessoas que vivem promovendo a vida glamourosa de ricos e poderosos e em
alguns momentos entendidos como profissionais que se dedicam a bajular os
grupos da elite econômico e os filhos das famílias ditas tradicionais.
Nos últimos anos tenho me dedicado a estudar, pesquisar e
escrever sobre o tema e quanto mais me aprofundo fico convencido de que não é
bem assim. A coluna social, como qualquer outra prática humana comporta as
distintas dimensões daquilo que somos nós humanos no modo como vemos os outros
e como somos vistos pelas outras pessoas.
A morte nesta terça-feira, 20 de julho de 2021, do
jornalista Luiz Adelmo Soares de Souza, outra vez me chama a atenção para o
quanto todos nós somos complexos e contraditórios. Inteligente e sagaz, ele
encarnou ao mesmo tempo, ao longo da sua produtiva vida, distintos personagens
que o fizeram conservador e revolucionário.
A começar pelos distintos papéis que desempenhou. Além de
jornalista e colunista social de muito prestígio, Luiz Adelmo, filho de
Adelaido, um conhecido militante de esquerda que viveu a maior parte da sua
existência na cidade sergipana de Estância, cercado por uma família católica
que o fez o primeiro menino a ser admitido no colégio das freiras daquela
localidade.
Aos 11 anos de idade Luiz Adelmo foi mandado para um seminário
pelos seus familiares, esperançosos em vê-lo ordenar-se frade franciscano. Não
era isto que o jovem desejava. Caiu na vida e se fez bancário, em Aracaju.
Talvez por contestar a autoridade paterna, politicamente se fez conservador.
De outra perspectiva, talvez por admirar a figura paterna,
cultivou ótimos relacionamentos com líderes da esquerda, principalmente alguns
ligados ao Partido Comunista, como o seu ex-cunhado Edvaldo Nogueira e o
expressivo líder comunista sergipano Wellington Mangueira.
No início da década de 60 do século XX, viveu entre o Rio de
Janeiro e São Paulo, privando do relacionamento de figuras que chocavam os
padrões conservadores da família brasileira, como a atriz Leila Diniz, com quem
participou da produção do eterno espetáculo teatral TEM BANANA NA BANDA.
Antes de partir para o Rio de Janeiro chocou a acanhada
sociedade aracajuana ao instalar na ainda inexplorada praia de Atalaia o bar
Barracão, espaço no qual os descolados de Aracaju podiam se entregar aos
prazeres do rock e da bossa nova, das drogas lícitas e algumas ilícitas, e
encontrar pessoas dispostas aos prazeres do amor e do sexo fora do casamento, o
que fazia tremer as estruturas das famílias de uma sociedade na qual o
comportamento buscava os caminhos da tradição, família e propriedade.
O jornalista Pedrito Barreto registrou com muito entusiasmo,
no ano de 1978, em sua coluna no jornal Gazeta de Sergipe, uma nova iniciativa
de Luiz Adelmo como empresário da noite: a inauguração da boate 147, na praia
de Atalaia, mais um espaço que encantou os descolados de Aracaju e que atraiu
os nomes jovens que frequentavam a noite aracajuana.
A Aracaju que via TV recebendo o sinal da Televisão Jornal
do Comércio, da cidade do Recife, distribuído na capital de Sergipe pela antena
repetidora instalada no Morro do Urubu, viu, entre atônita e extasiada, um Luiz
Adelmo circulando com desenvoltura no programa Almoço Com As Estrelas,
apresentado pelo casal Airton e Lolita Rodrigues na TV Tupi de São Paulo,
principal emissora da rede dos associados fundada por Assis Chateubriand.
Contribuindo ao seu modo, o jornalista Luiz Adelmo
consolidou em Sergipe um estilo novo de fazer coluna social nas décadas de 60 e
70 do século XX. O estilo passou para outros jornais diários e revistas, através
de colunistas como Ricardo Boechat e Carlos Leonam, com os quais ele aprendeu
no Rio de Janeiro e em São Paulo.
O mesmo estilo posteriormente solidificado por jornalistas
como Ancelmo Gois, Joyce Pascowitch e Mônica Bérgamo, no Rio e em São Paulo.
Aquele jeito de escrever na coluna social, reificado em Sergipe por Luiz
Adelmo, fez escola e ganhou adeptos que continuaram ocupando espaço até a
primeira década deste século XXI, a exemplo do jornalista Osmário Santos.
Luiz Adelmo Soares assumiu a titularidade da coluna Gazeta
Social na edição do dia 29 de dezembro de 1965 do jornal Gazeta de Sergipe.
Chegou com um estilo que foi considerado novo, apresentado por R. C. de Souza,
pseudônimo utilizado pela advogada Zelita Correia para assinar a sua coluna.
R. C. de Souza assinou a coluna durante 10 meses. No dia 25
de dezembro daquele mesmo ano, em uma nota elegante, ela anunciou o seu
afastamento e a presença de um novo titular. “A partir da nossa edição de
quarta-feira a coluna social da Gazeta de Sergipe será escrita pelo jovem
bancário Luiz Adelmo Soares, pessoa que, melhor que a colunista atual,
preencherá os requisitos de outra verdadeira crônica social em nossa imprensa.
O Luiz Adelmo estudou teatro em S. Paulo, é um jovem culto e inteligente com
quem todos vocês ficarão satisfeitos”.
Luiz Adelmo publicou uma nota informativa ao assinar a
coluna pela primeira vez: “A partir de hoje deixa de escrever a colunista R. C.
de Souza (nossa querida Zelita), a quem desejamos pleno sucesso na nova
carreira que abraçou (a advocacia) e agradecemos os elogios dirigidos ao
cronista. Da sociedade espero contar com o mesmo carinho dirigido à minha
antecessora”.
Importante anotar que o cenário dos anos 70 e 80 do século
XX na crônica social publicada pela imprensa de Sergipe foi dominado por nomes
como os de Karmen Mesquita, Pedrito Barreto, Lânia Duarte, Clara Angélica
Porto, Leilinha Leite (pseudônimo do jornalista Ivan Valença), Maria Luiza
Cruz, Luduvice José, João de Barros, Paulo Nou e Luiz Adelmo Soares de Souza.
Luiz Adelmo Soares de Souza, do mesmo modo que Leilinha
Leite, certamente teve o mérito de inovar a linguagem e o estilo da crônica
social. Fez com que esse tipo de jornalismo fosse não apenas o registro de
bailes, casamentos, jantares e recepções glamourosos, mas incorporasse também o
noticiário de fatos da vida política e econômica, mesmo quando os personagens
envolvidos eram pessoas de pouco glamour.
Nascido em 1942, permaneceu no seminário dos frades
franciscanos durante cinco anos e aos 16 anos de idade desistiu de ingressar no
clero, voltando a Estância, sua cidade natal, e logo depois indo viver em São
Paulo por três anos, quando trabalhou em uma indústria e estudou artes
plásticas e artes cênicas.
Na idade de ingresso no serviço militar estava em Brasília,
como soldado do Exército, atuando na segurança do gabinete do ministro da
Guerra, marechal Odílio Denys, durante os governos de Juscelino Kubitscheck e
Jânio Quadros. Concluído o período obrigatório de serviço militar retornou a
Sergipe e trabalhou como bancário e jornalista.
Iniciou-se no jornalismo trabalhando no Sergipe Jornal, de
propriedade do então deputado federal José Carlos Teixeira. Na condição de
repórter alargou o seu círculo de relações e fez contato com as lideranças da
vida política e econômica de Sergipe e saiu do Sergipe Jornal para ser
colunista na Gazeta de Sergipe.
Com Luiz Adelmo, a Gazeta Social ganhou um perfil
diferenciado, aprofundando a experiência da coluna Background que Anderson
Nascimento comandou entre 1963 e 1964. A diferença fundamental era de natureza
ideológica. Enquanto Anderson vinha da militância política de esquerda, Luiz
Adelmo, que recebera formação religiosa e militar, tinha um perfil político
mais à direita, apesar de filho de Adelaido, nascido em Riachão do Dantas e
conhecido militante comunista.
Muito avançado para os padrões sergipanos quanto aos
costumes, por sua formação junto aos grupos de artistas quando vivera em São
Paulo, as posições políticas conservadoras de Luiz Adelmo e a sua formação
militar abriram generosos espaços para as lideranças militares que passaram a
ocupar espaço com citações frequentes na Gazeta Social.
Ainda na primeira coluna assinada por Luiz Adelmo, tal pauta
ficou visível. “Florival Santos que expôs em Salvador em julho deste ano (com
absoluto sucesso), está pintando o retrato da Sra. Cel. Tércio Veras. O quadro
do Florival deverá enriquecer o adress da residência do casal”.
O fato é que Luiz Adelmo produziu um jornalismo diferente e
teve condições de aprofundar o estilo que Anderson Nascimento iniciara. Não há
explicação para o fato de a partir da edição do dia 18 de janeiro de 1966 a
denominação da sua coluna haver sido modificada, assumindo o título de Em
Sociedade. Todavia, foi mantido o nome do mesmo Luiz Adelmo como jornalista
responsável.
Uma nova mudança ocorreu no dia 24 de maio daquele ano,
quando a coluna assumiu o nome do colunista como sua denominação: Luiz Adelmo.
A sua última coluna na Gazeta de Sergipe foi assinada no dia dois de fevereiro
de 1967 e dedicada a posse de Lourival Baptista no cargo de governador do
Estado de Sergipe.
“A posse do novo Governador Lourival Baptista foi de grande
repercussão nacional e contou não só com o representante do Presidente da
República, Brigadeiro Parreiras Hortas, como também com a presença do
Governador Lomanto Junior, da Bahia; Lamenha Filho, de Alagoas e João Agripino,
da Paraíba; o Comandante da 6ª Região, Gen. Augusto Tinoco; além de grande
comitiva de deputados da Bahia e parentes do novo Governador”.
Nem o jornal e muito menos o jornalista deram qualquer
satisfação acerca do encerramento das atividades da coluna e do seu afastamento
do periódico. A presença de Luiz Adelmo na Gazeta de Sergipe outra vez fez com
que se cumprisse a saga de alta rotatividade entre os jornalistas dedicados a
coluna social. Ele permaneceu na Gazeta de Sergipe apenas durante 13 meses.
A colunista que o substituiu, Ilma Fontes, também praticou
um estilo no gênero que se diferenciava do lugar comum das colunas. Trilhou um
pouco das sendas de Anderson Nascimento e de Luiz Adelmo, desde a primeira nota
que publicou. “Ciranda é uma peça-estudo organizada com músicas populares
infantis e poemas de Amaral Cavalcante”.
Quando a Gazeta de Sergipe celebrou o seu décimo segundo
aniversário (antes era Gazeta Socialista), a jornalista Clara Angélica Porto
estreou como colunista social. Na edição do dia 14 de janeiro de 1968, ao
assinar a coluna Vida Social pela primeira vez, Clara anunciou num texto de
abertura aquilo que pretendia realizar.
“Depois de desaparecer por alguns dias, volta agora mais uma
coluna social da Gazeta de Sergipe. Esperamos que a nossa maneira de ver a vida
social agrade aos nossos leitores, pois procuramos dar o máximo de nós. Aos
domingos faremos uma reportagem mais ampla, com entrevistas e notícias várias,
a fim de não nos tornarmos monótonos. Vida Social deseja a todos os seus
leitores um 68 cheio das coisas boas que o mundo ainda tem”.
A coluna manteve um padrão próximo àquele seguido por
jornalistas como Anderson Nascimento, Luiz Adelmo e Ilma Fontes, porém em tom
mais brando e menos revelador das paixões ideológicas da jornalista, o que não
impediu Clara Angélica de ter problemas políticos com a ditadura militar que
governava o Brasil.
Luiz Adelmo voltou a fazer coluna social em janeiro de 1979,
quando aceitou o convite do Jornal da Cidade para assinar um espaço do caderno
JC REVISTA. O caderno incorporou mais outros nomes originais que se somaram aos
que já estavam trabalhando, como a então jovem jornalista Siomara Madureira,
responsável por uma página dedicada a crianças.
Luiz Adelmo manteve o seu estilo irônico, ao agrado de uma
parcela elevada de leitores. O jornalista Paulo Nou deu um bom exemplo do
estilo jornalístico do estanciano, narrando um fato ocorrido em uma das colunas
que Luiz Adelmo assinou. “Ele colocou uma foto de Clara Angélica em um dia. No
dia seguinte colocou outra foto da Clara, porque ela era uma figura destacada
da sociedade e eram duas situações diferentes. Eram duas fotos bonitas. E virou
um ti-ti-ti em Aracaju, algumas pessoas comentaram. Como Luiz Adelmo era uma
pessoa muito independente, no terceiro dia colocou outra foto da Clara”.
Como se toda a atividade já narrada fosse pouca coisa, Luiz
Adelmo se fez empresário do ramo de móveis e decorações, em Aracaju e em
Maceió, fazendo muito sucesso com suas lojas de bom gosto que davam um toque de
refinamento às casas e apartamentos que ele decorava.
Artista plástico e artesão, difundiu a tapeçaria de
decoração em macramê na cidade de Aracaju e instalou um movimentado ateliê que
funcionava também como escola para a formação de artesãos na avenida Barão de
Maruim. No mesmo endereço, o marchand Luiz Adelmo criou uma galeria de arte que
reunia trabalhos dos mais importantes dentre os artistas plásticos de Sergipe.
Os últimos anos da sua vida Luiz Adelmo dedicou a gestão da
Galeria de Arte Álvaro Santos, espaço público de difusão das artes plásticas. A
Galeria construída e inaugurada pelo prefeito Godofredo Diniz, na década de 60
do século XX, ganhou uma programação ativa e movimentada sob Luiz Adelmo que
buscou modernizar a instituição.
A morte de Luiz Adelmo retira do cenário sergipano um
agitador cultural que nos deixará órfãos. Do mesmo tipo de orfandade que
padecemos com o desaparecimento de intelectuais como Clodoaldo de Alencar
Filho, Osires Rocha, Luiz Antônio Barreto, Amaral Cavalcante, Fernando Sávio,
Garcia Moreno, Antônio Garcia Filho e tantos outros que poderíamos enumerar.
Para os que ainda vivem, fica o registro de um intelectual
que soube trafegar em meio a muitas ousadias protagonizadas por um conservador
iconoclasta.
Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da
Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
Texto reproduzido do blog: educacaohistoriaepolitica.blogspot.com