segunda-feira, 29 de novembro de 2021

'Minha história – retalhos', por Marlene Alves Calumby

Publicado originalmente no Perfil do Facebook de Marlene Alves Calumby Calumby, em 29/11/2021 


Minha história – retalhos 

Por Marlene Alves Calumby* 


A adversidade é um espelho que reflete o verdadeiro Eu. 


Final do ano de 1966, começo do ano de 1967. Aos dezesseis anos, eu era apenas uma adolescente sonhadora, tímida, frágil, amava a literatura, a música, o cinema, o rádio, a dança. Infelizmente, por falta de recursos financeiros não pude estudar dança, sonhava com o ballet, delírios em ser uma bailarina, equilibrar nas sapatilhas brilhar nos palcos, interpretar o Lago dos Cisnes. Sonhos! 


Nos bastidores familiares, arquitetava-se planos que definiriam o novo rumo a mim destinado. Obediente sem direito a opinar e/ou ao menos ser escutada, meu destino seria o Internato no Colégio das Sacramentinas, em Salvador – BA. 


Ah, se eu pudesse apagaria o ano de 1967 da minha vida. Amargas lembranças. Fui afastada do meu tão amado Colégio Jackson de Figueiredo, da minha casa, da minha mãe e avó. 


A aluna que declamava, oradora em diversas ocasiões, que se destacava recebendo Medalhas por aplicação e comportamento, foi apagada, impedida, e passa a uma fase sem identidade, do obscurantismo. 


Mas, são essenciais as lições ensinadas pela escola da vida. O que a princípio parecia ser uma calamidade, uma adversidade de danos incalculáveis, trouxe ao final boa sorte. A sorte se apresenta sob muitos disfarces. Aprendi com os dissabores a conter a ira e resistir ao sofrimento. 


Mentalizei o provérbio chinês, “veja a adversidade como uma oportunidade disfarçada”. 


1968, ano da reconquista! Meu pai oportunizou a volta a Aracaju respeitando a minha escolha em cursar o Pedagógico, estudar e seguir a minha vocação que desde criança era Professora. As ciências exatas eram meu martírio, e as ciências humanas a identificação. 


Fui talvez a Normalista mais feliz e realizada. Meu novo lar, o Colégio Patrocínio de São José, localizado na Praça Tobias Barreto, pertinho da Rua Cedro onde eu residia, era dirigido exemplarmente pelas Irmãs Franciscanas, tendo como Diretora e Madre Superiora a Irmã Maria Angelina. Voz mansa, líder nata, administrava com uma naturalidade que me fascinava o olhar dela irradiava serenamente aprovação e/ou desaprovação sem dizer uma única palavra que fosse. 


1968, foi um dos anos mais efervescentes da História em se tratando de acontecimentos mundiais. Nos EEUU, a Guerra do Vietnã, no Brasil éramos surpreendidos com o AI-5. 


Mas nem tudo foi marcado pela negatividade. Um novo período de revolução política e social acabou surgindo, e com ele a arte se aperfeiçoou e foi uma das grandes responsáveis por causar no público essa tomada de consciência. 


A música serviu como porta-voz dessa geração, destaque para The Beatles Hey Jude; Marcos/Paulo Sérgio Valle e Milton Nascimento – Viola Enluarada; Paul Mauriat-Love is Blue; Wilson Simonal – Sá Marina. Gal Costa e Caetano Veloso – Baby; Roberto Carlos – Se Você Pensa; Richard Harris – MacArtur Park; Os Incríveis – Era um Garoto Que como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones e tantos outros sucessos. 


Na sétima arte, grandes produções. 2001 A Space Odyssey de Stanley Kubick; O Bandido da Luz Vermelha de Rogério SganzerlaBarbarella de Roger VadinFunny Girl de William Wyler; The Party de Blake Edwards; Romeo and Juliet de Franco Zeffirelli; Era uma vez no Oeste de Sergio Leone; O Jeca e a Freira de Amácio Mazzaropi; e tantos outros títulos. 


O mês de Maio/1968 ficou marcado por uma série de conflitos entre estudantes e autoridades da Universidade de Paris, em Nanterre cidade próxima à capital francesa. Destaque para o compromisso e engajamento político dos escritores, Jean Paul Sartre; Simone de Beauvoir; inspiração para a luta feminista; Betty Friedman escreveu a Mística Feminina. 


No Brasil, ensaístas se esmeram nas obras literárias e artigos acadêmicos. Dentre eles citamos Zuenir Ventura, Fernando Gabeira, Regina Zappa e Ernesto Soto. O objetivo de contextualizar essas reminiscências tem o fito de lhes contar a importância da educação recebida no Colégio Patrocínio de São José, mais de perto no Curso Pedagógico durante dois anos. A presença de freiras jovens oriundas da Bahia, nomeio Irmãs Flórida e Astrid, colaboravam para a abertura de novos metodologias somando-se ao tradicional em andamento. Professores também jovens, competentes, oriundos da nossa UFS, completavam o quadro. Lembro do Prof. José Araújo Filho (Português e Literatura), Prof.ª Cândida Fontes (Psicologia, tia das colegas Maria Auxiliadora e Maria da Conceição Fontes). 


O Colégio Patrocínio de São José inovou o sistema de avaliação substituindo a escala numérica das notas por conceitos a saber, S = satisfatório, R = regular e I = insuficiente. Durante meu curso alcancei S = satisfatório em todas as matérias curriculares, identificação total com os conteúdos. 


Iniciando-se o segundo semestre / 1968, ainda cursando o segundo ano pedagógico, fui chamada à Diretoria e feito um convite inusitado para auxiliar a Irmã Celina nas aulas do 3º ano primário, turno Vespertino. Deus do Céu, uma onda de alegria, irradiou a face, enchi-me de orgulho, e senso de responsabilidade. O salário oferecido era pouco, muito era o meu entusiasmo! 


Ano seguinte, 1969, terceiro e último ano pedagógico, conclusivo. A rotina continuou a mesma, estudava pela manhã e a tarde era professora polivalente assumindo a titularidade de comandar minhas crianças da 2ª série primária. Titular e não assistente. Praticamente morava no Colégio, porque saía de casa pela manhã e na maioria das vezes retornava no final da tarde carregada de cadernos para corrigir as tarefas das crianças. Almoçava com as freiras e colegas do Internato, partilhando daquele cotidiano intensa e prazeirosamente. Cumpria as obrigações curriculares à noite e nos finais de semana. Registro que fui pioneira junto à Professora Maria da Purificação, já formada por outra Instituição de Ensino e Acadêmica/UFS a ensinar no curso primário do Colégio, até então tarefa exercida exclusivamente pelas Freiras. 


Confesso que minhas habilidades manuais eram carentes, mas esforcei-me para aprender com as Irmãs a confeccionar bonecos para o teatrinho de fantoches; construir teatro de sombra; elaborar murais, cartazes e lembrancinhas para as mais diversas comemorações. Vale lembrar que todo o material didático utilizado nas aulas era da nossa produção. Imaginar que aprendi até a confeccionar cenários para as apresentações no auditório do Colégio. As Freiras, principalmente as Irmãs Auréa e Aureolanda me auxiliavam pacientemente com suas criatividades benditas na minha pouca habilidade técnica manual e eu lhes devolvia com adaptações de livros infantis cujas estórias e personagens eram encenadas pelas crianças, a exemplo do Boi e o Burro a Caminho de Belém; o Sapo e a Princesa; Os Três Porquinhos; O Pequeno Príncipe e outros títulos. 


Escrevi também um texto denominado “O Júri” que contracenei com as colegas normalistas no Auditório do Colégio, assistido por uma platéia especial composta dos pais, comunidade, autoridades educacionais como Professora Celina Oliveira Lima, Professores Benedito e Judite Oliveira e a presença eclesiástica do Bispo D. José Vicente Távora. A peça se desenvolvia em dois atos cuja trama se dava num conflito entre pais e filhos adolescentes culminando numa intervenção judicial. Personagens vestidos à caráter no papel de Magistrado, Promotor, Advogados, Corpo de Jurados. Consagração absoluta por parte dos presentes, e em especial para mim que recebi meu primeiro prêmio doado entusiasticamente por D. José Vicente Távora. 


As minhas crianças de então, hoje já são casadas com filhos e até netos, muitas delas amigas queridas e sempre presentes. Lembro de Maria Olívia Franco; Maria Hortência Motta; Cristina Garcia; NairzinhaKelna e Alaide Aguiar (as três menorzinhas de letras lindas); as gêmeas Maria Clara e Isabel; Geralda; Augusta; Iamara; Rosana... Impossível passados tantos anos nomeá-las todas. Perdão! 


As crianças de ontem, aluninhas tão queridas, cresceram e escolheram profissões diversas no campo da Engenharia, Medicina, Odontologia, Magistério. Sobretudo tornaram-se mulheres maravilhosas! 


Entendo que sem o trabalho árduo e a dedicação não há atalhos para a competência. Só o tempo e o esforço trazem a competência. Toda a aprendizagem absorvida nos dois anos de estudo no Colégio Patrocínio de São José foi instrumental para a escolha profissional que se seguiu, o curso de Pedagogia/UFS onde fui aprovada entre os dez primeiros classificados. 


Jamais esquecerei das festividades de conclusão do Curso Pedagógico/1969. Missa festiva, colação de Grau com toda pompa e esmero. As formandas vestidas nas becas acompanhadas dos seus orgulhosos padrinhos. Coroando a noite um baile na Associação Atlética de Sergipe. Meu vestido desenhado pelo estilista Pedrinho Rodrigues da Loja Valteno Menezes. Puro Luxo! 


O fenomenal gênio artístico Charles Chaplin, assim escreveu “Creio que não se pode fazer nada de grande na vida se não fizer representar o personagem que existe dentro de cada um de nós”. 


O personagem que entusiasticamente sempre desempenhei ao longo do tempo e prazeirosamente gosto que me identifiquem é o de Professora e assim quero até o final dos dias! 


Lembranças, belas lembranças! Saudades, quantas saudades! 


Retalhos da minha história... 


Marlene Alves Calumby - Imortal das Academias de Letras e Educação. 


Aracaju, 26-11-2021. 


Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Marlene Alves Calumby