quinta-feira, 16 de abril de 2020

Um olhar Sobre Bispo do Rosário, por Walter Firmo


Publicado originalmente na Linha do Tempo do Perfil de Walter Firmo no Facebook, em 15 de abril de 2020

Um olhar Sobre Bispo do Rosário
Por Walter Firmo

Convivendo com Bispo do Rosário, pude bem sentir a loucura de perto, um estado, um manisfesto, tão absolutamente interior, que cheguei a pensar pedir carona, naquela esteira interna, cuja classificação formatava um homem monossilábico, ensimesmado em caverna aderente ao próprio ar que respirava. Um ser cuja anatomia humana, mais lembrava um primata, de baixa estatura, meio desengonçado, cujos pés, mantinham vagos sonhos dentro de uma Ursa Maior. Camufladamente, na cabeça, um voador, mártir cuja vocação, era poder voar, exilar-se daquela pequena caverna, dissimulada num apartamento quitinete; acredito numa área pequena de trinta a quarenta metros quadrados, que para ele, transfigurava-se em um apropriado cosmo particular, porto de infinitas viagens siderais.

Foi assim que conheci um viajante tribal, transformado em artesão, juntando vírgulas da sua solidão, dissolvidas nos sapatos, cordas, fitas, miçangas; copos, pratos, pentes, garrafas, bugigangas estelares que, ---num passe de mágica---o transladasse, incógnito aos espaços públicos , ruas, jardins e avenidas, e com um alfabeto próprio escrevendo sua própria história; nos degraus da sala, talvez quem sabe, derramadas sobre o vaso do banheiro, ao defecando seus medos e angústias.

E, ao transpor, na minha consentida liberdade, a porta de entrada que me separava dele, diante de mim, estático, como fosse um monumento simbólico no delírio, crispado, caminhei a passos contidos a seu encontro, eu e o repórter que me acompanhava atônito e amedrontado, José Castello, hoje, porém, um feliz e consagrado escritor. O senhor de toda razão naquele pequeno espaço, logo se arvorou, afinando sua voz pouca e trêmula, afirmando que todos nós temos uma aura sobre as cabeças e, que, a de José era azul e a minha marrom.

Nossa acompanhante nos deixou sozinhos, com aquela pessoa tão indefesa quanto ao seu tamanho físico, mas postulado na grandeza do seu trabalho, exposto de forma desorganizada, que pensamos estar em meio a uma feira de retalhos sem ordem ou intensidade. Mas não, tudo estava para si, como em seu aeroporto particular, inacessível, lacrado numa cápsula existencial, totalmente exilado de tudo; porém, no aguardo de um além, que o introduzisse vestido em seus mantos, voar nos painéis de madeira ou latão, com seus coadores de cozinha, ---uma arca de Noé voadora---alguém que tinha de carregar neste "barco", representação de todos entulhos do mundo, salvando a terra no dia do se Juízo Final.

Eu, enquanto o repórter se equilibrava, no abismo do medo, em conhecer nas minúcias quem "era aquele insano ou maluco", rodava minha cabeça, tentando desvendar visualmente aquele grande recheio, de uma laranja quadrada, portanto fotograficamente instigante, por seu mundo encantado e todo um paraíso ali a ser codificado. O Castelo, se construía nas indagações de" quando, aonde, como e porque", enquanto eu brotava na minha cabeça, tratamentos que um coração sentido, amainava em imagens questões aflitivas de estarmos pousados em cima de um lixo atômico, que explodia considerações simbólicas, da arte que transforma o artista, por forças que ele não controla. Minha argúcia, espiritualmente viva, se articulava como as braçadas de um nadador prestes a se afogar, debatendo-se na pálpebra de olhares, pousando nos objetos e no próprio indutor da questão: Arthur Bispo do Rosário.

Uma frase escrita na compostura física em nanquim, preto sobre um bordado branco, alinhavava frases soltas que me chamaram atenção, seguindo sua lógica e grafia, por exemplo: "22 de dezembro de 1938 acompanhado por sete anjos em nuvens especiais forma esteira mim deixaram na casa do fundos murrado rua São Clemente 301 Botafogo"; tudo assim mesmo literalmente sem pontuação sem nada.

A luz no recinto era a de um "charuto aceso", mal dava querer compor prosopopeias, ouvindo vozes ausentes, a querer iluminar aquele arquétipo de ilusão, porque meus vélvias de asa 50, ---meus sais...meus filmes---eram facilmente fulminados, no breu da cavernosa ambientação a que estávamos sujeitos. Estava mesmo, isto sim, no mato e sem cachorro. Mas, ao ouvir os "latidos" de um flash, que levara como sustentação, sem nenhuma magia e legítima defesa ---"não me maltrates, Robson"---, foi o que tivemos naquele espacial e consentidamente criativo ---, quando não se tem cão caça-se com gato. Errei sim, manchei o meu nome, mas o que fazer naquela situação precária, cuja total claridade era um elemento invasor na tradução precária em que vivia nosso personagem; que envolvimento psicológico, poderia untar sem desprezo, aquele personagem tão só, tão isoladamente perdido no seu vão estelar, quando a submersão cósmica se aprazia em escuridões à meia luz.

E, assim, dessa maneira, tive que expor ao flash e iluminar a pessoa física do maestro ensandecido, deitado em seu "leito fúnebre, travesseiro que o levaria aos céus"; e outras intimidades guardadas, sob a poeira resignada, na sua interioridade dos objetos, flagrados agora na potência de uma luminosidade emitida por um disco voador. Fiz mais algumas poucas fotos naquele interior, mas a minha grande arma estava sob a luz solar, a residir lá fora e, fomos nós acompanhados pela segurança carcerária daquela casa de detenção, desenhar melhor postura de construção afetiva à causa.

O artista finalmente liberto, no seu aparato carnal, visto pelas lentes do ávido fotógrafo, em traduzir em imagens, a aparição de um artista composto na natureza, livre à luz do sol, num contra-luz transfigurado, em que se traduzia corpo, alma e engenho. Sombras, espaços, silhuetas, que acentuavam um espaço de liberdade, sob um carinhoso beijo de um brilho vesperal.

Depois de três dias ensaiando a passagem na terra de Bispo do Rosário, a pedido do então diretor de redação da sucursal no Rio da revista Isto É, Aluizio Maranhão, a minha vida não foi mais mesma. Mas aprendi uma lição.A loucura é uma fantasia. É sim. Existem, em nossa sociedade "tribos" que se engravatam, roubam, matam, desonram, falseiam e, mesmo assim, vivem soltos em total liberdade por aí.E outros, menos loucos e, certamente mais simpáticos, os "malucos beleza" que estão internados e em observação, numa eterna quarentena. Aprendi a saber honrar esses homens, tidos como destituídos, "mentes insanas", respeitando os seus signos e os rituais de suas transições, para sempre ocultas.

PS - A constelação luminosa deste fenomenal artista, homem do povo, ex-marinheiro, Arthur Bispo do Rosário, fotografado nos jardins da Colônia Juliano Moreira, em 1985, no bairro de Jacarepaguá. Ele vestido no seu manto sagrado.

Gostaria também neste ensejo final desta crônica, render minhas homenagens póstumas a Hugo Denizart, psiquiatra e fotógrafo, que já nos deixou a alguns pares de anos, mas que foi o primeiro a fotografar e filmar o passageiro cósmico e seu entulhos, Bispo do Rosário. Saudades de você Hugo, gente fina.

Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Walter Firmo

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Morre frei Dário Romitti


Publicado originalmente no site DESTAQUE NOTÍCIAS, em 13 de abril de 2020

Morre frei Dário Romitti

Frei Dário nasceu na Itália em novembro de 1920

Morreu, nesta segunda-feira (13), frei Dário Romitti, aos 99 anos. De acordo com a Paróquia São Judas Tadeu, o religioso vinha sofrendo complicações na saúde desde o ano passado, em função da idade.

Frei Dário era uma dos moradores mais antigos do convento dos Capuchinhos, anexo a Paróquia São Judas Tadeu, no bairro América, em Aracaju.

Ele enfrentava problemas respiratórios e no ano passado chegou a ficar vários meses internado, recebeu alta em novembro e desde então vivia em um “home care” (quarto hospitalar) montado no convento.

Trajetória

O frei nasceu em 9 de novembro de 1920, na Itália. Dedicou 69 dos 76 anos de sua vida religiosa a missões no Brasil, onde passou pela Bahia e, há cerca de 40 anos, chegou a Sergipe.

Texto e imagem reproduzidos do site: destaquenoticias.com.br
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O frei nasceu em 9 de novembro de 1920, na Itália. Dedicou 69 dos 76 anos 
de sua vida religiosa a missões no Brasil, onde passou pela Bahia e, 
há cerca de 40 anos, chegou a Sergipe.
Sua entrada no Brasil
Imagem e legenda reproduzidas de comentário de Paulo Valadares no Facebook

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Lembranças Noturnas da Aracaju de Outrora

 Obra de arte de Ana Denise Souza

Publicado originalmente na Linha do Tempo do Perfil no Facebook de Luduvice José, em 9 de abril de 2020

Lembranças Noturnas da Aracaju de Outrora
Por Luduvice José *

A artista ANA DENISE SOUZA, dona de um naif muito pessoal e plenificado de uma criatividade extraordinária, valoriza sempre, cada pincelada e, oportuniza ao expectador diante de suas telas, incursões valiosas, prenhes de estórias e histórias, o que configura uma visão diferenciada do trivial comum na iconografia artística, potencializando fortemente as suas composições por esta gama de elementares reforços que tornam suas telas fontes, não apenas de admiração, mas de estudo sobre tempo, espaço, ligação com a configuração local e seus costumes.

Esta recém criada tela de Ana Denise Souza é uma apoteose de festas inebriantes que marcaram fortemente a vida de Aracaju e, tornava o mercado local que começava na Avenida Otoniel Dória, um centro de atração, com habitués batendo ponto, num negócio de vender prazer, numa cidade de poucas atrações, que se transformava numa passarela sem ribalta, onde mulheres faziam a vida com valetes de vidas paralelas, em noitadas que aconteciam em pleno Vaticano, denominação dúbia de casas de tolerância que marcaram época na vida noturna de Aracaju, tornando o local abrangente, um comércio variado, salpicado de armazéns que ganharam status e notoriedade, mesclando-se com o mercado do sexo; uma verdadeira zona comercial na proximidade do que se chamou muito de cais. Ana Denise Souza, captadora de surpresas, diferenciais, etnias, costumes, , reavivou com sua arte, escaninhos de ninhos que senhores conhecidos, muitos notáveis, se regalavam em priscas eras de escondidas aventuras que eram contadas e recontadas em círculos fechados como troféus auferidos, que empalavam a licenciosidade que pululava ante uma cultura que rendeu, inclusive frutos humanos que, posteriormente ficaram difíceis esconder, pois ganharam domínio público, com a alcunha de filhas e filhos bastardos. Agora a artista sergipana, futucando o tempo e a memória, ressuscita em tela para testemunho e conhecimento das gerações que chegaram pós e continuam chegando neste hiato entre o ontem e o hoje, contando num belo e arrojado naif e policrômicas imagens, enredos que darão muito o que conversar, além de desvendar mistérios que ainda se escondem sem sobrenomes reais.

Uma revista no local e uma olhada no que restou, invoca-se a imaginação e as conversas que revolvem realidades esquecidas e, todas estórias ganham sentido. E a genialidade da pintora dá vida ao local festivo, remontado-se em cada imaginário, imagens que ganham vida na vida de alguns remanescentes senhores que, ainda devem, num revival imagético, situarem-se em alcovas acetinadas, iluminação num palco cativo, entre imagens de rodopios revividos, entre a realidade curtida e a efetiva paragem recreativa, que resguardam em miragens que ainda mostram réstias de prazeres, rostos e corpos esquecidos.

* Jornalista e crítico.

Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Luduvice José

Orlando Dantas


Publicado originalmente na Linha do Tempo, do Perfil no Facebook de Paulo Roberto Dantas Brandão, em 9 de abril de 2020

Hoje, 38 anos da morte do meu avô Orlando Dantas. 9 de abril de 1982, uma Sexta-feira da Paixão. 

Até hoje Sergipe sente sua falta.

Em tempo. Adoro essa foto, bem espontânea, na varanda de sua casa na Rua Senador Rolemberg, fazendo o que mais gostava, ler.

Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Paulo Roberto Dantas Brandão