quarta-feira, 3 de agosto de 2022

'Tríade das cordas', por Neu Fontes

Publicação compartilhada do site DESTAQUE NOTÍCIAS, de 2 de agosto de 2022

Tríade das cordas
Por Neu Fontes*

Venho de um tempo onde respeitar e valorizar que faz bem-feito e responsável era natural, minha bisavó Noemi Brandão sempre dizia: – ande com os melhores e aprenda com eles. Minha mãe Susete me colocou aos 10 anos no Instituto de Música de Sergipe que ficava situada no prédio que hoje é o memorial da Justiça na praça Olímpio Campos, logo no segundo semestre nos mudamos para o atual prédio na Rua Santa Luzia e já com o nome de Conservatório de Música de Sergipe.

Foi lá que aprendi as primeiras notas e acordes do violão com o professor João Pires Argollo, Baiano radicado em Sergipe, grande professor que introduziu o ensino de violão clássico no Conservatório de Música de Sergipe e fundou a cadeira de violão na instituição. Um instrumentista de alta categoria que eu ficava admirando nas aulas. Mas, principalmente nos saraus da casa do meu avô José Domingues. Fui também algumas vezes na sua própria residência aos domingos no chorinho que ele organizava com os maiores músicos da nossa cidade, além dos convidados que chegavam. Constituiu a família mais musical do nosso estado com todos os filhos músicos, onde três se destacaram por tornar a música suas profissões Alvino Argollo, Eliane Argollo e João Pires Argollo Filho.

Nos anos 70 tive ainda como professores, os músicos Eribaldo Prata e o Henrique Souza. O primeiro filho de uma grande amiga de minha mãe Dona Caçula e que vendeu a minha mãe meu primeiro violão e um contrabaixo. Heribaldo fez o curso superior de música na Bahia no Conservatório de Música Regina se especializando em piano e acordeon. Compositor, participou de inúmeros festivais, conquistando o 3º lugar no “1º Concurso de Música Sergipana”; 1º lugar no “Festival Estanciano da Canção”; 3 medalhas de melhor arranjo e vários outros troféus. Criou sua Academia de Música Carlos Gomes de onde passaram centenas de músicos e cantores. Eribaldo Prata está na história da cultura sergipana com uma participação de suma importância na área musical, atuou como instrumentista, compositor, regente e arranjador.

Henrique Souza o “Jovem” como era conhecido, era alagoano, formado em música, foi professor do conservatório de música de Sergipe e instalou seu método Prático, Rápido e Eficiente, revolucionou o ensino do violão, e por isso rapidamente ficou conhecido nas rodas músicas, montou o grupo D’Aqui com Wilson Cordeiro, Vanderley Souza, Tourino e José Amaral. Um grande instrumentista e compositor, participou de inúmeros projetos e Festivais, um sujeito agradável, amigo e companheiro, sempre disposto a ajudar. E assim fui construindo minha base musical.

Por mais de 18 anos gravei discos e fiz muitos shows. Comigo tocaram grandes músicos, entre eles os baixistas: Jairo Bala, Gilson Batata, Robson, Flor, Manguito, Fradinho, o pianista Maurico Botto, o flautista Cal Alencar, os bateristas Marcos Passos, Ademir, Ednor, Nego, Carlinhos e Rominho, os tecladistas, Carlinhos Menezes, Waltinho, Diogo Montalvão, Alegria, Peta, Valdo França, os guitarristas Zezinho, Lito Nascimento, Vigú, Benezão, Miltinho Goulart, Marcus Vinícius, Fred Tex, e as percussões de Pedrinho Mendonça, Ton Toy, Marcos Mancada, Sanfoneiros como Erivaldinho e Cobra Verde, nos metais Gentil, Carlinhos, Haroldo e Sousa, Julinho Vasconcelos gaita entre tantos outros instrumentistas virtuosos e competentes e que contribuirão com o meu crescimento artístico e musical.

Nos anos 2000 construí o Estúdio Capitania do Som e lá conheci novos nomes da nossa música, meninos chegando com tanto talento e com uma preocupação enorme de ter além do talento nato de cada um, a formação necessária para a prática da profissão que eles estavam escolhendo. E assim conheci um menino magrinho de óculos de grau e um violão na mão, entrou no meu estúdio para gravar e fiquei impressionado com tanto talento, além de muito educado e gentil com todos. O ano passado devido a pandemia não pude comemorar meus quarenta anos de música profissional e esse ano resolvi gravar alguns trabalhos, serão três cd´s e um livro com essas minhas histórias.

Pensei em três nomes um para cada trabalho e assim convidei o menino de óculos para produzir um desses trabalhos além de fazer os arranjos das canções e claro, tocar. Não tinha certeza se ele aceitaria mais o danado aceitou. Esse menino que conheci no estúdio Capitania dos Som hoje é o Mestre Saulo Ferreira, guitarrista, compositor, professor, formado em música pela Universidade Federal de Sergipe e mestre em Educação Musical pela Universidade Federal da Bahia, um músico versátil e que tem um trabalho autoral maravilhoso resultante de múltiplas influências, sobretudo do jazz, da música brasileira e da africana, um arranjador e produtor desejado por todos os artistas.

Saulinho como é carinhosamente chamado, é um estudioso da música além dos seus discos, lançou recentemente o livro SCAT SINGING, onde auxilia os guitarristas e violonistas a utilizarem o recurso da vocalização em sua prática instrumental. Com todo esse potencial e talento, o que salta aos olhos de qualquer um que tenha a honra de trabalhar e conviver com ele, é o modo afetuoso que ele trata a todos, muito carinhoso, atencioso sempre com uma palavra boa e com significado, um ser humano ímpar, que todos devem conhecer. Gravamos 12 canções e, sem dúvida, é o trabalho mais bonito e consistente que fiz, reaprendi o significado da minha música nos meus

62 anos, e Saulinho tem uma importância profunda e especial nesse aprendizado. Os outros dois nomes da nova safra desses excelentes músicos são Alberto Silveira e  Ricardo Vieira. E, me parece que a gemada que eles tomaram quando criança é a mesma que o Saulinho tomou também, pois os dois são da mesma casta do Saulo, talentosos, estudiosos, competentes e afetuosos, pessoas boas, seres humanos do bem.

O violonista Alberto Silveira é músico versátil: compositor, arranjador e tem uma técnica impecável de fingerstyle, forma de tocar apenas com os dedos, sem utilizar a palheta. Já tinha ouvido falar do cabra, foi quando convidei o Alisson Coutto para participar comigo do Festival Sescanção e ele me trouxe o Alberto, e tudo que já tinha ouvido sobre ele era pouco. O rapaz tem uma execução primorosa. Ótimo músico, simples, gentil e generoso. No final do ano passado convidei Alberto para juntos fazermos um show só com músicas do Vander Lee, seria o começo das  comemorações dos meus 40 anos, foi a primeira vez que fiz um show sem músicas autorais. Ele topou, montou os arranjos e realizamos o show, criamos uma afinidade e amizade. Alberto é compositor, arranjador, grande professor e um homem de bem, talentoso coloca todo seu conhecimento em favor da música.

A tríade se completa com o Ricardo Vieira: violinista, compositor, produtor musical e artista multimeios é graduado em música pela UFS, Mestre na areá de criação e execução musical pela UFBA e doutorando em processos criativos pela UNIRIO. Ricardo é uma pérola rara, um músico com tanta técnica e talento que toca com a alma quando dedilha os acordes e solos no seu violão de sete cordas. Uma sonoridade que ouvi pela primeira vez no Sescanção, festival que coordenei por diversos anos. Ele participo em muitas edições e sempre com sucesso. Soube que antes ele atuava em regionais e diversos projetos como solo, duos, trios com a música brasileira de câmara. Depois avistei o Ricardo tocando com o artista nacional Xangaia, aí não tive dúvida: ele era a essência da música nordestina e brasileira, a sonoridade do seu violão é inigualável. Pensei um dia ainda vou convidá-lo para produzir alguma música minha.

Em janeiro de 2022, fui convidado a participar de um jingle da retomada do carnaval da nossa Aracaju, como sempre topei, pois se me convidar eu vou, e assim reencontrei o Ricardo Viera pois ele era o compositor, arranjador e produtor do Jingle. Gravei a minha voz e conversamos muito sobre algumas ideias, rimos muito e ficamos de conversar depois. O tempo passou e quando resolvi começar o projeto com Saulinho, comecei a perceber que precisaria de um profissional de canto para tentar me desenferrujar, afinal tinha muitos anos sem cantar profissionalmente. Procurei algumas pessoas e todas me indicaram uma cantora Capixaba que está morando por aqui, Rebeca é o nome dela e a referência maior era que ela fazia parte do Duo Vieira tanto na música como na vida, ela é a esposa do Ricardo Vieira. Não me fiz de rogado e liguei para o Ricardo, ele alegremente me atendeu e me passou o contato da Rebeca e disse feliz, claro que ela topa. Liguei para ela e muito educada me explicou que tinha tido bebê recentemente, mas pensaria uma forma de trabalharmos juntos.

Dias depois ela me ligou e marcou alguns horários e dias. Fiz aulas com a Rebeca e pude aproveitar do seu conhecimento, talento e determinação, uma cantora como poucas que conheci. Na pequena convivência com eles puder perceber como os dois se completam. Ricardo é um excelente músico, dedicado, competente e com todas as misturas rítmicas, harmônicas e melódicas da nossa música, um celeiro de ideias com suavidade e delicadeza. Quando os dois estão juntos no palco, a música se transforma em una, e o mundo silencia para que não possamos perder uma nota se quer. O Duo Vieira nos traz paz e alegria, feito luz praieira e a dança da Taieira.

Imagine essa tríade de cordas, misturadas com Mestrinho, Glauber, João Ventura, Italo Neno, Igor Côrtes, Licas Pinheiro, Fábio Cavalieiri, Lucas Campelo, Julio Andrade, Igor Brasil entre tantos e talentosos músicos da ótima boa safra da nossa música.

* É cantor, compositor, publicitário e gestor cultural

Texto e imagem reproduzidos do site: destaquenoticias.com.br

terça-feira, 2 de agosto de 2022

Professor Joaquim Vieira Sobral e seu mecenato estudantil

Post compartilhado do Perfil do Facebook/Sílvia Menezes Leroy, de 1 de agosto de 2022

Um pouco da vida do Prof. Joaquim Vieira Sobral

Professor Joaquim Vieira Sobral e seu mecenato estudantil

Publicada: 31/12/2008

Texto: Manoel Cabral Machado (Ex-vice-governador de Sergipe)

Por influência do meu amigo Lauro Barreto Fontes, (falecido recentemente), em 1935 fui transferido do colégio Salesiano para o Atheneu Pedro II, nesse tempo dirigido pelo professor Zequinha.

Logo depois, no Governo Eronides de Carvalho, a direção do estabelecimento fora ocupada pelo professor Joaquim Vieira Sobral que então lecionava Desenho e Inglês. Houve com a nova direção uma mudança total. O professor Joaquim era amável e acolhedor. Tratava os alunos com cordialidade, valorando a classe estudantil. Logo no início de sua administração, dirigiu-se aos estudantes da quinta série pedindo a nossa colaboração. No Ateneu fez administração revolucionária com inovações pedagógicas ampliando os laboratórios de Ciências Físicas Naturais, criando biblioteca, apoiando o grêmio estudantil Clodomir Silva e o seu jornal A Voz Do Ateneu. E realizando o mecenato estudantil com amparo aos estudantes pobres e assim formar muitos dos jovens talentosos de Sergipe nas Faculdades da Bahia ou do Rio.

O professor Joaquim Vieira Sobral, nasceu em 03 de abril 1898, na cidade de Japaratuba, no engenho São João, pertencente à família, filho do doutor Domingos Dias de Menezes Sobral (Dr. Mingu) e sua esposa D.Ana Vieira Sobral. O Doutor Mingu era agrônomo e formara-se em Salvador na escola de agronomia de Itapajipe, sendo colega do meu tio Dr. Matheus de Souza Ferreira Machado, pai do desembargador Antonio Machado falecido há pouco tempo. Dr. Mingu casara-se com D.Ana Vieira Sobral, filha do Doutor Joaquim Manoel de Almeida Vieira, médico nascido em Capela e que esteve na Guerra do Paraguai voltando cheio de glória falecendo muito moço. Fora padrinho de minha mãe e possivelmente seu parente. Sua esposa muito jovem casa-se com o coronel Semeão Telles de Menezes Sobral. Este casara-se duas vezes do 1° Consórcio com D. Rosa Cândida Dias Sobral e tivera 17 filhos. Entre estes o desembargador Semeão de Menezes Sobral, Pedro Sobral (Promotor de Japaratuba) e outros inclusive o Dr. Mingu. Do 2° Consórcio com D.Luiza Francisca Acioly Sobral teve seis filhos, entre estes o arcebispo D. Adalberto Sobral, Dr. Otavio Acioly Sobral, usineiro da Usina Oiterinhos, José Sobral, Dr. Francisco Acioly Sobral, avô dos meus netos, Jorge do Prado Sobral Junior e Paulo Henrique Machado Sobral e ainda duas mulheres Alzira e Eulina. Ver-se que os descendentes do coronel Semeão Telles Sobral casam-se uns com os outros fazendo um enlaçamento familiar acontecendo, por exemplo, que D. Adalberto Sobral seja irmão de Dr. Mingu e irmão também de sua esposa D. Ana Vieira Sobral, mas Mingu não era irmão de sua esposa Ana Vieira Sobral, pois, que tem o mesmo pai mais não tem a mesma mãe. Voltando ao professor Joaquim Vieira Sobral diria que por algumas vezes, ele dirigiu o Ateneu Pedro II e muitos dos estudantes pobres do Ateneu formaram-se com a sua ajuda. Seja distribuindo bolsas de estudos, empregos ou mesmo ajuda financeira sua e dos seus amigos. Fora um verdadeiro mecenato. Quando em 1943, já formado, vim residir em Aracaju e passei pouco tempo depois a ensinar no Colégio Nossa Senhora de Lourdes e na Escola de Comércio Conselheiro Orlando, o professor Joaquim convidou-me para lecionar História no Ateneu e conseguiu-me um documento que permitiu o meu registro como Professor Ginasial.

Professor Joaquim Sobral, estudara as primeiras letras em Riachuelo, no Engenho Escuta pertencente aos seus pais. Crescendo conheceu e fez amizade com Dr. Silvio Leite participando das tertúlias literárias do engenho Lira do Dr. Dionísio Telles de Menezes. Já rapazinho resolveu estudar no Colégio Salesiano Santa Rosa, na cidade de Niterói, no Rio de Janeiro. Em 1911, retorna a Sergipe passando a lecionar no Colégio Salesiano em Aracaju. Em 1912, retorna ao Rio de Janeiro ensina no Colégio Salesiano Santa Rosa e faz curso na Escola Politécnica. Em 1913 outra vez interrompe os estudos voltando a Sergipe para cuidar dos haveres da família administrando o Engenho Escuta em Riachuelo. Sete anos depois, casa-se com a sua prima Alzira Garcez Sobral, numa festa de grande alegria para as famílias. Depois de algum tempo, é nomeado professor de desenho do Ateneu Pedro II de Aracaju, onde passou toda a sua vida seja como professor de Desenho ou de Inglês ou mesmo de Diretor do estabelecimento, ganhando destaque e projeção graças as suas qualidades de administrador e habilidade com que tratava os seus alunos. Do seu casamento com D. Alzira teve vários filhos, Dr. Hernani Sobral, (professor de matemática da Faculdade de Engenharia da Bahia) Clovis Sobral (funcionário público, aspirando ser Agrônomo, realizou a vocação no seu filho Dr. Lafaiete), Maria Silvia (professora), Carmem (casada com Luciano Menezes alto funcionário do Banco do Brasil) e Letícia.

E quando foi criada a Sociedade dos ex-alunos do Colégio de D. Bosco em Aracaju, ele fora eleito Presidente da Sociedade - sendo eu também eleito Orador Oficial -. O professor Joaquim, logo depois, conseguiu recursos para comprar um casarão para a sede da sociedade na rua de Propriá. Extinta a sociedade, o prédio passou para a Diocese de Aracaju, onde hoje funciona a Rádio Cultura. Porque falava e escrevia inglês, o professor Joaquim criara um escritório de representação de máquinas inglesas para atender as necessidades da nossa indústria açucareira. O professor Joaquim, irmão do desembargador Carlos Vieira Sobral, Dr. Semeão Vieira Sobral, coronel do Exército José Vieira Sobral, Dr. Luiz Bosco Sobral, Eduardo Vieira Sobral pai de D. Clara Sobral Souza, esposa do conselheiro José Carlos de Souza. Quando da sua aposentadoria, após mais de trinta anos de magistério aposenta-se havendo uma despedida festiva no Ateneu, sendo saudado pelo poeta Freire Ribeiro, inclusive recitando um belo poema. Aposentado, passa a dirigir o asilo Rio Branco, cuidando com afeto os velhinhos empobrecidos.

Faleceu o professor Joaquim aos 83 anos, no dia 28 de setembro de 1980, cercado do afeto dos seus filhos e netos e ainda da admiração dos seus ex-alunos e amigos.

Quando do seu centenário de nascimento, a professora Maria Tethis Nunes liderou o movimento para a comemoração do centenário do mestre Joaquim Sobral, nos festejos, muitos ex-alunos falaram inclusive eu e a professora Tethis. Compareceu também à solenidade sua ex-aluna professora Maria de Loudes Burgos da Universidade Federal de Medicina da Bahia. Fora um homem admirável pelos seus serviços prestados a educação em Sergipe, e ainda fora um pai benévolo e dedicado aos seus alunos, especialmente os pobres. Foram muitos os estudantes pobres amparados e protegidos pelo professor Joaquim Vieira Sobral. Sendo assim, ele poderá integrar a galeria dos sergipanos excepcionais e receber as homenagens dos seus coestaduanos.

JORNAL DA CIDADE - CADERNO B - PUBLICADO EM 31/12/2008

FOTO DAS BODAS DE OURO DO CASAL, em presença de todos os filhos, netos e respectivos cônjuges.

Texto e imagem reproduzidos do Perfil do Facebook/Sílvia Menezes Leroy