terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Quem foi Epifânio Dória?

 Obra de Jordão de Oliveira, retratando Epifânio Dórea.

A Biblioteca Epifânio Dória, fica localizada à rua Vila Cristina,
número 1051, no bairro São José, em Aracaju/SE.
Foto  reproduzida do site da funcaju.aracaju.se.gov.br

A maior e mais antiga casa de leitura do Estado, Biblioteca Pública Epifânio Dória (BPED), comemora no dia 16 de junho, 169 anos de existência. Fundada em 1848 – num grande momento de efervescência cultural do Brasil Império –, a então Biblioteca Provincial de Sergipe foi inaugurada somente no ano de 1851, numa sala do Convento São Francisco, em São Cristóvão. Anos mais tarde, com a mudança da capital, a biblioteca foi transferida para Aracaju, sendo chamada de Biblioteca Pública do Estado.

Somente em 30 de dezembro de 1970, com o Decreto 2020, a instituição passou a se chamar Biblioteca Epifânio Dória. No mesmo ano, o prédio da atual sede em que se encontra a biblioteca foi projetado e construído pelo engenheiro Geraldo Magela. Mas quem foi o homem que dá nome à biblioteca mais antiga de Sergipe?

Saiba quem foi Epifânio Dória

Seu nome é Epifânio da Fonseca Dória e Menezes, que nasceu em 7 de abril de 1884, na fazenda Bairro Caído, na cidade de Poço Verde. Documentarista, jornalista e pesquisador, Epifânio dirigiu a Biblioteca do Estado de Sergipe de 1914 a 1943. Tornou-se ainda presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, membro da Associação Sergipana de Imprensa, da Academia Sergipana de Letras e de várias instituições literárias do Brasil e do exterior.

Em 1935, o documentarista torna-se deputado estadual e em 1937, no governo Eronildes de Carvalho, ele é nomeado secretário de Estado da Justiça, Agricultura e Fazenda. Em 8 de junho de 1976 ele morre – vítima de câncer no aparelho digestivo. Atualmente, ele é considerado um dos mais competentes e importantes conservadores das fontes históricas de Sergipe.

Segundo o historiador Luis Antônio Barreto, Epifânio foi escritor das colunas de Efemérides Sergipanas, ajudando a construir biografias com informações preciosas, selecionadas por uma pesquisa criteriosa – atividade que ele mais tinha prazer em fazer e tinha maior conhecimento.

Memórias de uma das herdeiras

Para a neta de Epifânio, a jornalista Naná Garcez Dória, a mais bela memória guardada ao lembrar-se de seu avô está ligada ao carinho que ele tinha com os netos e aos momentos de contação de história. “Quando eu nasci, ele tinha 80 anos. Meu avô era uma pessoa muito carinhosa e ao mesmo tempo metódica, por isso mantinha todos os papéis organizados. Se um estudante ou pesquisador fosse até a nossa casa, ele tinha, prontamente, a informação para dar àquela pessoa”, contou Naná.

“Dois objetivos marcavam a vida dele, além da organização de documentos. O primeiro era o combate ao analfabetismo e o segundo era tornar a informação disponível para todas as pessoas. Tanto que ele foi por muito tempo diretor da biblioteca. Valorizar a democratização do conhecimento: esta era sua meta de vida”, acrescentou a neta do ilustre Epifânio Dória...

Fonte - Agência Sergipe de Notícias.

Trechos de reportagem reproduzidos do site - agencia.se.gov.br

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Outubro em Laranjeiras: Cabaú, Lambe-Sujo e Caboclinhos.

Foto: Maurício Pisani/El País.

Publicado originalmente no site Expressão Sergipana, em 10/10/2016.

Outubro em Laranjeiras: Cabaú, Lambe-Sujo e Caboclinhos.

O lambe-sujo e os caboclinhos é considerado a maior manifestação de teatro espontâneo ao ar livre do mundo segundo Câmara Cascudo.

De Osvaldo Ferreira Neto.

Sergipe pode ser pequeno, mas tem um grande passado e uma gigantesca cultura popular. Já ouviu falar em mel de cabaú? Lambe-sujos versus Caboclinhos? Pois aqui no “Senta que lá vem história” vocês ficarão sabendo um pouco sobre a história dessa manifestação cultural.

Dos livros de história do ensino fundamental às páginas dos folhetins globais, a história de um Brasil que colocou de um lado os índios e do outro os negros, aqui ganha novos ares. Uma luta, mas com um tom de ludicidade artística, simplesmente bela, que o fato histórico merece ter. No município de Laranjeiras, na região da Cotinguiba, uma vez por ano, na segunda semana de outubro, trabalhadores e estudantes se transformam em reis e rainhas e protagonizam momentos de êxtase, onde opera a alegria mais sincera que os olhos estrangeiros poderiam um dia presenciar.

Laranjeiras ganha uma atmosfera mágica, onde tudo parece ser possível. O carro puxado por um cavalo, a ialorixá debutante esgueirada na janela de casa, uma parede tatuada de mãos. O auto popular da contenda dos Lambe-sujos contra os Caboclinhos é realizado anualmente e atrai muitos curiosos, sejam eles turistas ou pesquisadores. A beleza das indumentárias e a folia dos maracatus são atrativos unânimes, além da divertida brincadeira de “melar” e das corridas dos chicotes dos taqueiros. A guerra entre os Lambe-sujos e Caboclinhos é uma representação das investidas que os indígenas faziam aos quilombos, a mando dos capitães-do-mato dos engenhos, para derrotar e aprisionar os negros escravos fugidos, posto que os índios conhecessem melhor a região e teriam como recompensa bens materiais que pudessem arrecadar dos negros.

Na madrugada do domingo, às 4 horas, inicia-se a alvorada de foguetes de artifício e o primeiro encontro do grupo dos negros, os Lambe-sujos, na casa do rei. Nas primeiras horas da manhã, também os caboclinhos começam o seu ritual. Em um determinado momento da festa os negros tentam roubar a rainha dos caboclinhos, mas são presos e levados de porta em porta pelos guerreiros que os capturaram, para que paguem pela sua liberdade. À tarde, há uma tradicional batalha pela libertação da rainha, tendo a vitória dos caboclinhos. O grupo musical que acompanha o folguedo é composto por ganzás, pandeiros, cuícas, tambores e reco-recos.

Na festa do Lambe-sujo, além da música e cantos, a cultura também é contada através dos trajes dos personagens do festejo. Os negros usam calção vermelho, na cabeça uma espécie de capacete, ou gorita, pés descalços e, como arma, uma foice de madeira. O rei usa calça vermelha, camisa de manga comprida e colete. A princesa traja um vestido de sirê, mangas curtas e diadema de papelão. Mãe Suzana usa bata vermelha com retalhos variados, lenço na cabeça e um cesto de palha cheio de latas velhas e objetos imprestáveis. Os caboclinhos usam traje convencional de índio, saiote e cocar de penas.

Os Lambe-sujos pintam os corpos de tinta preta extraída do melaço de cabaú, proveniente da cana-de-açúcar muito abundante na região da Cotinguiba. Por sinal, esses brincantes se travestem de negros para lembrar os escravos dos inúmeros engenhos existentes na região, vestem calções e gorros vermelhos e usam uma foice de madeira como arma, símbolo do trabalho no canavial. Já os caboclinhos têm os corpos pintados de tinta xadrez vermelha, usam cocares e saiotes de penas, pulseiras e colares e usam arcos e flechas.

Às onze horas do dia, todos se dirigem às portas da igreja da Matriz, onde o pároco da cidade dará a segunda benção à festa e aos grupos. Acontece a primeira embaixada, que é o enfrentamento dos grupos através de seus líderes. O grupo indígena se recolhe para o almoço, enquanto os lambe-sujos se dirigem à casa do rei para a tradicional feijoada, que foi preparada pela esposa do rei e líder do grupo, atualmente o senhor Zé Rolinha, com ingredientes doados pela população. Em determinado momento por volta das quinze horas, acontece uma embaixada, que seria a representação de um possível flagrante dos negros pelos índios. Os negros conseguem fugir. Com o passar das horas já se dirigindo para o fim da tarde, os dois grupos se encontram na via rente ao local onde está montado o quilombo (o mocambo).

Acontece mais uma embaixada, em que os líderes dos Lambe-sujos e dos Caboclinhos se enfrentam com espadas e varas. Os negros vencem mais uma vez. Então os índios saem de cena, e os negros vão para o quilombo, onde acontece o auge da evolução do grupo. Um mastro foi levantado na noite anterior à festa, e nele sobe um negro Forro para ficar de vigia. Quando os índios se aproximam ele sinaliza, e os negros ficam a postos. Acontece mais uma embaixada, que tem defesa dos líderes, do Pai Juá com seus feitiços e mais uma vez os negros vencem. Então na última embaixada, com uma demora maior na representação da disputa, o cacique dos Caboclinhos acaba vencendo e os outros índios o ajudam a aprisionar os outros negros.

O folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo no Dicionário do folclore brasileiro aponta variante dessa Festa em Alagoas onde é conhecida por Quilombos. Lá, os ‘Lambe-sujos’ (os negros) usam para a cobertura da cabeça chapéus de palha, em vez de gorro e têm um rei e uma rainha. Contrário ao ritual atual da Festa de Laranjeiras, a rainha dos negros é que é raptada pelos Caboclinhos. Não há comissão para negociar a rendição. Há dança dos negros ao som do canto Samba nêgo / branco não vem cá / se vier / pau há de levar, e duelos de espada (com o rei) e de foice (com os demais elementos do grupo). No final, os caboclinhos penetram no ‘quilombo’. O lambe-sujo e os caboclinhos é considerado a maior manifestação de teatro espontâneo ao ar livre do mundo segundo Câmara Cascudo. Hoje, segundo o Ministério da Cultura, a festividade em Sergipe cresce ao contrário de outras regiões do Brasil e vem se tornando um exemplo de salvaguarda do nosso patrimônio nacional cultura.

Esse patrimônio localiza-se em Laranjeiras, que fica a 24,4 Km da capital sergipana. É muito pertinho. Na festa dos Lambe-sujos e Caboclinhos a mística da festividade é singular, é a história aos seus olhos e vale a pena conhecer e vivenciar.

Texto e imagem reproduzidos do site: expressaosergipana.com.br

Foz do São Francisco, município de Brejo Grande

Foto: Sílvio Oliveira.
Reproduzida do site: infonet.com.br/blogs/silviooliveira

Praia do Saco, no município de Estância

Foto: Sílvio Oliveira.
Reproduzida do site: infonet.com.br/blogs/silviooliveira

Cidade Histórica de Laranjeiras

Foto: Sílvio Oliveira.
Reproduzida do site: infonet.com.br/blogs/silviooliveira

Cidade Histórica de São Cristóvão

Foto: Sílvio Oliveira.
Reproduzida do site: infonet.com.br/blogs/silviooliveira

Orla Pôr do Sol, Região do Mosqueiro, em Aracaju

Foto: Sílvio Oliveira.
Reproduzida do site: infonet.com.br/blogs/silviooliveira

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Parque Nacional da Serra de Itabaiana

Foto: Sílvio Oliveira.
Reproduzida do site: infonet.com.br/blogs/silviooliveira

Cânion do São Francisco, no município de Canindé de São Francisco

Foto: Sílvio Oliveira.
Reproduzida do site: infonet.com.br/blogs/silviooliveira

A Romancista Alina Paim

Foto reproduzida do blog: joseanafonseca.blogspot.com.br
Postada por MTéSERGIPE, para ilustrar o presente artigo.

A Romancista Alina Paim.
Por Gilfrancisco*

Silenciosa, talentosa e paciente, essa romancista sergipana, deficiente visual aos 87 anos, construiu seu mundo sem pressa, jamais se desligou do interesse humano, do sentido político e social de suas histórias e de seus personagens. Apesar das opiniões favoráveis a sua obra que mereceram da crítica nacional e internacional, a colocando na altura das melhores romancistas da sua geração, seu nome está injustamente excluído dos compêndios literários brasileiros. Muitos desses intelectuais militantes, a exemplo de Enoch Santiago Filho, Renato Mazze Lucas, Jacinta Passos e a própria Alina Paim foram também silenciados pelo Partido, apesar de terem sido beneficiados da rede de relações construída no seu itinerário.

***

Gênero literário em prosa, relativamente longo, o romance é caracterizado pela narrativa de acontecimentos fictícios, mas geralmente verossímeis, relacionados a uma ação centrada num enredo, na análise de personagens ou no exame de uma situação. Entendido como sucedâneo do poema épico, o romance moderno tem raízes nos romances de cavalaria, mas só se configurou como hoje o conhecemos no século XVIII, tendo por precursores entre outros, o abade Prévost (Manon Lescaut, 1731) e Henry Fielding (Tom Jones, 1749).

Ciente de sua vocação literária e disposta a seguir a trilha, Alina Paim optou pelo romance, não se deixou tentar pela atração do conto, nem da crônica, nem mesmo de artigo para jornal. Seu interesse maior e único o romance. Mesmo tendo estreado aos 23 anos, o tempo lhe assegurou o necessário capital de experiência e observação, indispensáveis para todo romancista. O romance tem em Alina Paim a mão que o denuncia de todos os segredos e violências, explorando-o em cada ângulo difícil sem restringi-lo à mera análise superficial, exigindo assim do crítico que a estuda um esforço vital, um reconhecimento de nuances, ampliando sua visão de autora consciente e politizada.

Alina dá a medida exata, a atualização essencial da narrativa romanesca, um sentido de concepção nova na caracterização dos personagens, onde os conflitos interiores surgem à descoberta inteiramente vigiada pelos seus equilíbrios de narradora onisciente. Alina é uma romancista que escreve com naturalidade, conta a sua história com um gosto e emoção crescente, conseguindo captar o que há de duradouro e de eteno na criatura humana. Denunciando a história de várias criaturas, cujos pequenos dramas ganham enormes proporções, porque exprimem toda espécie de mutilação de uma sociedade rural, como no romance Simão Dias.

Alina Leite Paim nasceu na cidade de Estância, (68 km de Aracaju) berço da imprensa sergipana, a 10 de outubro de 1919, filha de Manuel Vieira Leite e de Maria Portela de Andrade Leite, ambos sergipanos. Com três meses de idade mudou-se com os pais para Salvador. Ao perder a mãe, foi para Simão Dias (SE), morar na casa dos avós paternos, onde sofreu muito com a rigorosa educação dos parentes, principalmente pelas constantes e severas repreensões das três tias solteironas. A severa educação que recebera nesses primeiros anos, de certa forma contribuiria para sua aprovação em 1932, no primeiro ano do curso fundamental com distinção nos exames de suficiência do Colégio Nossa Senhora da Soledade, em Salvador.

Simão Dias foi um celeiro político-econômico de grandes e influentes famílias que marcaram toda a história de Sergipe. Ali, Alina fez os estudos preliminares na Escola Menino Jesus e dos sete aos dez anos, freqüentou o Grupo Escolar Fausto Cardoso, da Praça da Matriz, onde recebe formação religiosa e participa de diversas atividades relacionadas à expansão do catolicismo. Parte de sua infância e adolescência serviu de cenário e título para o seu segundo romance, escrito nos meses de agosto a dezembro de 1946. Mudou-se outra vez para Salvador e continuou seus estudos no colégio Nossa Senhora da Soledade. Aos doze anos passou a escrever para o jornalzinho do educandário de freiras, onde se formou como professora e trabalhando depois numa escola da Estrada da Liberdade, hoje um dos bairros mais populosos de Salvador.

Casou-se em 1943, com o médico baiano Isaías Paim e mudou-se em seguida para o Rio de Janeiro, onde reside com uma de suas filhas. Como na época não conseguisse trabalho, foi ensinar na Escola para filhos de pescadores, na Ilha de Marambaia. Aí escreveu seu primeiro romance, Estrada da Liberdade, publicado em fins de 1944, com enorme repercussão nos meios literários e de público, esgotando-se em quatro meses a primeira edição.

Com seu diploma de professora somente era válido dentro dos limites do Estado da Bahia, encontrou-se, de súbito, sem profissão definida. E, a convite de Fernando Tude de Souza, diretor da Rádio do Ministério da Educação e Cultura - MEC, começou a escrever para o programa infantil “No Reino da Alegria”, dirigido por Geni Marcodes. Para esse programa, colaborou entre 1945 a 1956, escrevendo para crianças e adolescentes. Desde sua chega ao Rio de Janeiro, Alina participou ativamente da vida literária do País, publicou quase dez romance e quatro obras infantis, alguns de seus romances foram editados na Rússia (1957), China (1959), Bulgária (1963) e Alemanha (1968).

Em 1944, a jovem Alina Paim se dirigiu a Barboza Mello, ligado ao Partido Comunista, então diretor da Editora Leitura, levada pelo jornalista Osvaldo Alves para entregar os originais do livro Estrada da Liberdade, e durante esse primeiro contato, a jovem foi contando como e porque o escreve. Segundo Barboza, Alina Paim era “uma menina de cabelos soltos, cacheados, 1,50 de altura, 48 quilos de peso, rosto bonito de ingênua, fala suave, e uma tímida inconcebível numa adolescente que queria ser escritora”.

Publicado pela Editora Leitura, do Rio em 1944, o romance Estrada da Liberdade retrata a vida de uma professora cheia de idéias, em contato com a amarga realidade de sua comunidade de bairro proletário, onde tenta aplicar métodos modernos de aprendizagem. Alina baseou-se em sua infeliz experiência para escrever. Conheceu a fome e a miséria da infância baiana abandonada, de quem ela se apaixonou e que muito contribuiu para leva-la a colocar a sua arte a serviço do povo. Pouco a pouco a professora vai tendo a revelação de tudo. L~e livros diferentes dados por amigos novos e chega assim a uma nova concepção da vida, do amor, das relações entre as pessoas humanas e revolta-se contra tudo que é falso e lhe fora ensinado, uma educação dirigida no interesse dos poderosos e ricos.

Esse é o clima em que se desenvolve a ação de Estrada da Liberdade, cuja estrada entraram as primeiras “tropas libertadoras” nas lutas da Independência da Bahia (1823), e, por esse motivo, recebeu a denominação simbólica. Alina faz isso com muita felicidade: não cria as histórias, não inventa, mostra-se apenas com o coração revoltada pelas injustiças sociais e pela miséria econômica, como se contasse para uma pessoa amiga aquilo que viu e ouviu.

Essa obra foi muito elogiada pela crítica, pois nela a autora já mostra sua tendência para a ficção e para as causas humanitárias. Estrada da Liberdade é uma romance simples, sem as costumeiras técnicas apuradas, foge a temática da época (seca, cangaço, cacau, café). O painel do livro, prende a atenção do leitor pela leveza do estilo e pela condição natural dos seus personagens que se apresentam como qualquer humano, com defeitos e qualidades. Em menos de 2 anos a edição de Estrada da Liberdade estava esgotada, tendo contribuído para isso as freiras daquele Convento que eram as maiores compradoras do livro, não para ler, mas para queimar... Elas não gostaram do que Alina havia escrito, colaborando para a imortalidade do Convento N. S. da Soledade.

A partir daí, seguem vários romances que denunciam o poder dos fortes sobre os fracos. Mostra, também, o amor como forma de realização e destruição do ser humano; a exploração do homem como força-trabalho, que caracteriza a sociedade brasileira. Suas obras sempre refletem um tipo de crítica humanitária. Alina Paim sempre foi tida como de esquerda e lutadora pelas causas feministas o que lhe causou sérios problemas durante o regime militar no Brasil nas décadas de 60 e 70.

A redemocratização do país em 1945, com a queda de Getúlio Vargas e a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, coincidiria com a imposição de novos reformismos, a partir do Ato Adicional nº 9 de fevereiro, o Brasil se surpreende com a extensão e a importância do movimento comunista, que está ligado ou dirigindo uma série de atividades políticas fundamentais. Com a saída de Carlos Prestes da prisão, um novo panorama se apresenta: o PCB se tornará legal e uma nova fase se abre para as esquerdas, em geral. A sociedade brasileira, então, irá passar por um novo momento de sua história, havendo a participação democrática de todas as suas classes sociais e uma mais ampla conquista de direito sociais e isso inclui a literatura.

A morte de Mário de Andrade nesse ano como que assinala o fim de um ciclo questionador da cultura, das instituições e das idéias. Sua obra crítica deixa entrevar não apenas força aglutinadora, mas sobretudo sensibilidade e abertura intelectual e todas as vocações capazes de revelar aspectos inventivos de algum modo interligados com a trajetória renovadora da arte no Brasil.

Em 1949 a Livraria Editora Casa do Estudante do Brasil edita o romance Simão Dias, com apresentação de Graciliano Ramos, amigo e grande incentivador da tímida escritora sergipana: “A estréia, recebida com louvores, jogou a moça na literatura. Alina fez vários livros. Este, o terceiro, deixa longe a Estrada da Liberdade, manifesta um valor que o trabalho da juventude apenas indicava. A autora observa, estuda com paciência, tem a honestidade rigorosa de não tratar de um assunto sem domina-lo inteiramente. As suas personagens são criaturas que a fizeram padecer na infância ou lhe deram alguns momentos de alegria, em cidadezinhas do interior. Nenhum excesso de imaginação.”

Neste livro, Alina retrata parte de sua infância e adolescência, compartilha com o leitor suas memórias sobre o cotidiano desta cidade do estado de Sergipe. Orientada pelo amigo Graciliano Ramos, Alina mantém o teor autobiográfico do romance, não substituindo os verdadeiros nomes dos personagens, no intuito de aproximar ao leitor o cotidiano da cidade e de seus habitantes nomeados no relato. Quando o romance foi publicado causou espanto em alguns membros de sua família, pois tiveram as suas vidas expostas publicamente. Alina escreveu um livro útil e o fez com amor, com generosa ternura, captando o ambiente, o meio, a atmosfera que cercou a formação, intelectual e humanista, erigindo o edifício do seu romance argamassando-o de reminiscências pessoais ou coletando depoimentos.

A Sombra do Patriarca de 1950, publicado pela Livraria Globo retrata a vida no campo romanceando a maléfica e prepotente atuação do Senhor de Engenho. É neste ambiente do meio rural do Nordeste, numa antiga fazenda na qual um mundo de personagens vive em redor do velho fazendeiro, tio Ramiro, e em função dele. As pessoas e as coisas obedecem ao patriarca, sua vontade prevalece sobre tudo e todos. Existências se mutilam sob o poder dessa energia despótica e rígida, sob caprichos decorrentes de uma concepção absurda da vida. O velho latifúndio muda a seu talante o destino de todo ser humano a seu alcance.

Ninguém se surpreende com tal estado de coisas até que um dia Raquel, uma sobrinha do velho, vem passar poucos dias na fazenda. Mas como adoece de impaludismo, é forçada a permanecer mais tempo, observa o poder infinito e anacrônico do patriarca, descobre uma por uma as causas – locais, sociológicas, históricas, psíquicas – em que ele se baseia, e com o descobrimento começa a revoltar-se contra ele. Assim é a história de Raquel na velha fazenda, contada por ela na primeira pessoa, mas é também uma imagem do latifúndio que confere ilimitado poder a seu detentor e paralisa todas as vidas que dele dependem. A Sombra do Patriarca, de Alina Paim, é o quadro vivo das vidas em conflitos, em que a opulência acaba sendo derrotada pelas forças coesas de uma classe que um dia entendeu de reivindicar ancestrais direitos postergados.

A literatura popular refletiu as lutas desse período. Em particular a coleção, “Romances do Povo”, dirigida por Jorge Amado, publicada pela Editora Vitória que reuniu 25 títulos de autores de vários países. Um desses livros, A Hora Próxima, é de Alina Paim, escritora sergipana militante do Partido Comunista do Brasil e colaborou na elaboração de uma narrativa literária que espalham as lutas do povo, revelando o futuro de inevitáveis conquistas para o proletariado. A Hora Próxima, título que compõe a coleção (Vol. XI), vendeu 10 mil exemplares somente na primeira tiragem, em 1955. O livro foi traduzido para o russo e chinês, segue as pegadas de Jorge Amado, introdutor e praticante-mor do realismo socialista no Brasil.

Segundo Jacob Gorender, em 1950, ouve uma reunião no Rio de Janeiro, num apartamento em Copacabana dirigida por Diógenes Arruda, então braço direito de Carlos Prestes, contando com a presença de aproximadamente 30 intelectuais militantes, entre eles Alina Paim, James Amado, Carrera Guerra, Astrojildo Pereira, Werneck de Castro, Oswaldino Marques e outros. O objetivo do encontro era “implantar a teoria do realismo socialista entre os intelectuais comunista”. Arruda, tentou orientar a produção cultural dos militantes, mas encontrou resistência, porém, entre os próprios intelectuais alinhados, caso de Graciliano Ramos.

O Realismo Socialista, padrão estético imposto pelo regime comunista na antiga União Soviética, com a missão de controlar a produção intelectual, subordinando-a aos cânones dogmáticos do comunismo de então. De acordo com tais princípios, a literatura e a arte deviam exercer papel exclusivamente pedagógico, difundindo os esforços comunistas para a construção do “homem novo” e do “mundo novo” nos países socialistas. Para tanto, os textos deveriam ser pautados pela objetividade social e participante. Em lugar da cultura burguesa, considerada pelos comunistas “decadente e degenerada”, os escritores e artistas tinham por obrigação se empenhar em edificar a “cultura proletária”, que julgavam a única capaz de desmistificar os valores morais da classe dominante e sustentar o caráter revolucionário da obra de arte. Graciliano, apesar de se ter filiado ao Partido Comunista, jamais tolerou tal ingerência partidária no campo da literatura.

A ação central do livro é uma greve dos ferroviários em 1950, em vários entroncamentos da Rede Mineira. A estrada da Rede, em Cruzeiro, é tomada por um piquete de mulheres com a tarefa de deter a locomotiva 437, que se prepara para engatar uma composição e seguir viagem. O maquinista titubeia e, ante a firmeza e ousadia do grupo de mulheres, pára a 437, que imediatamente tem na caldeira esfriada e posta fora de combate. A locomotiva se tornará a bandeira do movimento grevista. Escrito há cinqüenta e seis anos, A Hora Próxima, se refere ao grande momento em que as massas, protagonistas de uma ação política organizada e revolucionária, dirigirão a humanidade ao rompimento da aurora. A narrativa de Alina Paim se prende à ação das massas, sem contudo tornar-se aprisionada de factualismos e justificativas.

O romancista baiano prefaciou o romance “Sol do Meio-Dia”, vencedor entre mais de uma centena de concorrentes, prêmio Manoel Antonio de Almeida, concedido pela Associação Brasileira do Livro, em 1962, o livro foi publicado no ano anterior pelas edições ABL, comenta a trajetória da romancista, desde da estréia de Estrada da Liberdade. A história de Ester, a jovem que veio de Paripiranga para o Rio de Janeiro, cidade maravilhosa e vive nas pensões coletivas, onde se concentra a população problematizada pelas dificuldades nas grandes cidades: “Volta hoje, Alina Paim a seu público com Sol do meio-dia, romance já consagrado com um alto prêmio, o da Associação Brasileira do Livro, julgado já por figuras como as de Valdemar Cavalcanti, João Felício dos Santos e Plínio Bastos. Eis uma notícia excelente para os leitores, sobretudo para os muito que têm acompanhado com constância e admiração a carreira vitoriosa da romancista. Ela atinge agora sua maturidade criadora. A menina da Estrada da Liberdade, que irrompeu pelo romance brasileiro em 1945 e nele impôs sua presença, soube construir seu caminho e crescer de livro para livro, para chegar à madureza deste Sol do meio-dia, que será sem dúvida um dos acontecimentos literários importantes do ano. Estou certo do sucesso deste romance não só junto aos intelectuais mas também entre o grande público pois ele é construído com a experiência vivida e o amor ao ser humano”.

A escritora estanciana fez incursões na literatura infantil, atendendo solicitação da Editora Conquista, publicou: O Lenço encantado; A casa da coruja verde e Luzbela vestida de cigana. Em 1965, no mais disputado certame novelística da época no país, em meio a três centenas de livros, coube a sua Trilogia de Catarina o Prêmio Especial Walmap, IV Centenário do Rio de Janeiro criado exclusivamente para distinguir essa obra. A comissão julgadora foi integrada pelos acadêmicos Raimundo Magalhães Júnior, Adonias Filho e pelo novelista Otto Lara Resende. A Trilogia de Catarina, lançada pela Editora Lidador na coleção Imago, compreende os seguintes títulos: O Sino e a Rosa, A Chave do Mundo e o Círculo, em que a romancista traça a trajetória de uma mulher entre o sonho, o aprendizado da vida na busca de um sentido existencial, num protesto contra os códigos, sempre dentro de um padrão da realidade e dignidade feminina.

Indagada sobre o sentido de sua personagem, informa Alina Paim: “Catarina tem uma constante: a busca do sentido da vida, a compreensão de si mesma e do que lhe acontece para melhor se integrar na vida e no convívio de seus semelhantes. Os três romances de Catarina deslizam no espaço de uma noite e de vigília. É um trabalha com muitos planos de tempo. Ao amanhecer, após longa análise, a Catarina que encara o sol é bem mais amadurecida que a Catarina que se encolheu no topo da escada, no princípio da noite. Foram violados, com certa audácia, os seus compartimentos selados”.

Um ano depois publica Flores de Algodão e Treze anos depois rompe o silêncio com “A Correnteza”, publicada pela Record em 1979. Sobre este romance, um dos maiores críticos literários da época, Valdemar Cavalcanti diz que o romance “constitui um painel da vida de subúrbio do Rio. Mas não é positivamente a moldura o que mais importa neste romance, embora montada com indiscutível mestria. Importante mesmo é o quadro psicológico que Alina Paim apresenta, de extraordinária nitidez. E o leitor inteligente observe no fino do traço das figuras femininas, em particular, e veja como ela as desenha, com mãos leves e firmes, mãos como de uma Marie Laurencin que se desse ao romance”. A Correnteza ocupa lugar privilegiado neste espaço ficcional brasileiro, livro para ser lido muitíssimas vezes. Exemplo de sua enorme capacidade de testemunho dum roteiro lírico, dum movimento rítmico de ação continua, duma originalidade incessantemente cultivada num alargamento espacial onde seus tipos criados têm oportunidade de expandir-se em implicações sutis, num aparato episódio solene e drástico, contudo movido por um realismo, cru, paralisante.

Em 1994, o Governo do Estado de Sergipe, por iniciativa da escritora Núbia N. Marques, na época Diretora Presidente da Fundação Estadual de Cultura – Fundesc, publicou na coleção Ofenísia Freire, capa de Ronaldson, uma edição cuidadosa o romance, A Sétima Vez. Neste livro Alina Paim retorna à análise de vida problematizada do velho Teodoro, aposentado, e já sonhando com a tranqüilidade de um cata-vento, vê-se empurrado para a atividade laborativas, pois necessitava criar o neto, colhido pela orfandade. Os esquemas competitivos que na mocidade poderia muito bem enfrentar, o leva a esforço de sobrevivência. A velhice encontra na pena dessa vigorosa romancista o dardo crítico e a reflexão sábia de uma fase de vida humana que, a despeito da labuta já enfrentada, empobrecida por uma aposentadoria irrisória, volta com toda força para buscar o pão cotidiano, dentro das adversidades e dificuldades que cercam um velho.

Como integrante do Partido Comunista, Alina Paim exerceu atividades políticas diversas, tendo convivido durante meses com mulheres dos trabalhadores ferroviários que participaram ativamente da grave da Rede Mineira, de grande repercussão nacional. Por isso sofrendo perseguições e pressões de toda ordem inclusive processo judicial. Traduziu trabalhos importantes de Jorge Dimitrof e Vladimir Lenin, além de colaborar em vários periódicos O Momento (BA), Época (SE), Leitura (RJ), dentre outros, sendo que essas colaborações eram em sua maioria, capítulos dos seus livros.

* Jornalista, pesquisador e professor universitário.

Texto reproduzido do site: arquivors.com/gilfrancisco

Alina Paim

Foto reproduzida do site: segrase.se.gov.br

Alina Paim*
Por Zózimo Lima.

Está ai uma escritora sergipana de muito talento, filha de Simão Dias que eu, como muitos dos nossos conterrâneos, desconhecia até agora.

Chama-se ela Alina Paim, nasceu na terra de Ranulfo Prata, passou a meninice em Estância, e, depois, seguiu para o Rio, onde, além de professora, firmou a sua reputação como novelista de primeira água, que não, ficou aquém de Raquel de Queirós, Dinah Silveira, Lúcia Miguel Pereira e Lúcia Benedetti.

Alina Paim, que é ainda muito moça pelo que constato da fotografia, já escreveu três romances, festejados pela imprensa: Estrada da Liberdade; Simão Dias e A Sombra do Patriarca, agora mesmo editado pela Livraria Globo, de Porto Alegre.

A Sombra do Patriarca, que obedece ao mesmo tema de Estrada da Liberdade, é a dolorosa via-sacra da classe proletária, vítima da injustiça social do capitalismo com o seu poder absorvente, os seus preconceitos baseados na divisão de classe e na herança de títulos de nobreza que, pouco a pouco, diante da acelerada marcha socialista, vão caindo esfrangalhados.

Há, ainda, por aí, tocaiado nos alpendres de “casa grande” quem alimente ilusões de que estes restos de fidalguia, mantidos à força de dinheiro conseguido a exploração de trabalhador se manterão ainda por dilatado tempo.Engano manifesto. Não há de ter a avalanche que destruirá as barreiras que separam a miséria da riqueza. Não será a barbárie stalinista com os seus sangrentos expurgos que fará melhorar as condições de vida da humanidade.

É o próprio homem, cansado de sofrer, abroquecido na fé religiosa dos seus antepassados, que se revoltará para a conquista da felicidade não fluida por aqueles ambiciosos, individualistas que olvidaram as advertências do apóstolo Thiago.

É impossível que no mundo continue por mais tempo a desigualdade humana no que tange ao bem e mal estar. Uns comem, outros passam fome. Uns vestem, com opulência, outros andam quase nus. Nos hospitais, outros andam quase nus. Nos hospitais há quartos com instalações de luxo asiático que são um insulto à enxerga no salão promiscuo onde geme o enfermo indigente que tem também direito à vida mas não tem dinheiro.

É mister por fim ao egoísta opulento, de mentalidade medieval, que adquire com o dinheiro arrancado aos pobres, ao trabalhador de enxada, ao carregador do cais, ao caixeiro do armazém, ao supersticioso, vastas terras para proveito próprio com prejuízo da pobreza que nelas habita muitas anos e é expulsa sem a piedade pregada por Jesus.

A sombra do Patriarca, de Alina Paim, é o quadro vivo das vidas em conflitos, em que a opulência acaba sendo derrotada pelas forças coesas de uma classe que um dia entendeu de reivindicar ancestrais direitos postergados.

(Aracaju, Correio de Aracaju, 24. nov. 1951).

*Texto enviado por Gilfrancisco, para o site arquivors.com

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Artesanato, na Cidade de Laranjeiras

Foto: arquivo de imagem TiagoSS.
Reproduzida do site: skyscrapercity.com

Cidade Histórica de Laranjeiras

Foto: arquivo de imagem TiagoSS.
Reproduzida do site: skyscrapercity.com

Antigo casarão na cidade histórica de Laranjeiras

Foto: arquivo de imagem TiagoSS.
Reproduzida do site: skyscrapercity.com

Cidade de Aracaju, vista do Povoado de Atalaia Nova

Cidade de Aracaju, vista do Povoado de Atalaia Nova, município
de Barra dos Coqueiros/SE., separada pelo Rio Sergipe.
Foto reproduzida do site: institutomarcelodeda.com.br

Transformar barro em arte, é o ofício de Liu Filho.




Fotos: Ednilson Barbosa.


Publicado originalmente no site Expressão Sergipana, em 15/02/2017.

Transformar barro em arte é o ofício de Liu Filho.

Em Simão Dias, Mestre Liu além de produzir arte, ensina sua técnica para 500 crianças da rede pública municipal.

Por Ednilson Barbosa.

O barro se humaniza em figuras com alma regional. Esculturas moldadas em barro com traços expressivos retratam figuras regionais como cangaceiros, vaqueiros e rendeiras, estão presentes no artesanato de barro de Rosemberg Silva Batista, ou “Mestre Liu Filho”, como é conhecido. Ele conta que herdou de seu pai Liu o talento especial em transformar a argila em obra de arte e agora faz questão de repassar para crianças de escolas públicas de seu município.

Nascido em Simão Dias, Liu Filho, 38 anos, relata que percebeu o gosto em moldar o barro ainda criança com oito anos de idade e carrega com orgulho do fato de ter aprendido com o pai, senhor Uilton Batista. “Meu pai foi meu grande mestre. No início não me deixava mexer no barro, dizendo que eu só queria brincar, mas certo dia ao voltar da casa de minha avó ele me pegou com a mão na massa fazendo um boi – minha primeira peça foi esse boi de barro com as pernas tortas, foi ai que ele disse: esse ai é da raiz, tem talento. A partir daí ele passou a me ensinar muitas coisas”, disse Liu Filho.

Desde 1994 o artesão trabalha em um ateliê improvisado nos fundos da casa de sua mãe na periferia de Simão Dias. Dali tira para o próprio sustento com suas peças que já estão espalhadas por todo o país. A característica principal de suas obras é a expressão humana com características regionais como cangaceiros, vaqueiros e rendeiras retirantes, vendedores, músicos, animais. Enfim tudo o que é possível reproduzir na argila.

“Minha inspiração vem das figuras que caracterizam o nordestino e que retratam as personagens de nosso município de Simão Dias. Como quando vejo um burrinho carregado um feixe de lenha, um homem de chapéu carregando uma enxada, usando camisa vermelha e calça azul queimada do sol e calçando alpercatas de couro. Ou ainda um pescador com uma cesta de peixe na cabeça. Estas imagens ficam na minha mente as transformo em figura de barro. Ultimamente tenho feito o sapateiro tentando retratar uma profissão muito comum no passado da cidade de Simão Dias, mas quase extinta nos dias atuais. É uma homenagem ao pai de um amigo e a todos os sapateiros da cidade” explica Liu. Ele diz que atualmente está trabalhando para atender as encomendas e as figuras mais pedidas são o vaqueiro, Lampião e Luiz Gonzaga.

Trabalho educativo.

Além do talento de moldar o barro, Mestre Liu também tem a sensibilidade e a satisfação de repassar para crianças tudo o que sabe a técnica do artesanato com argila. Ele ensina sua técnica de moldar o barro para 500 crianças em cinco escolas municipais da zona rural de Simão Dias. O trabalho faz parte de um projeto da prefeitura de levar grupos culturais locais para mediar o processo educativo.

“Liu filho foi contemplado com esse projeto da prefeitura para divulgar sua arte e desenvolver com as crianças o trabalho artesanal que retrata a história do município. É uma forma de ajudar no processo de aprendizagem e de respeitar e valorizar aqueles que fizeram parte da nossa história. São símbolos de nossa região como o vaqueiro, Lampião e Maria Bonita, Antônio Conselheiro, entre outros”, disse Daiane Santana, pedagoga e representante do departamento de Cultura e Sociologia da Prefeitura de Simão Dias.

A pedagoga explica que a formação cognitiva da criança se dá a partir do tato. “A partir do contato com a massa, a criança cria linguagens e entendimentos. Liu traz algumas habilidades que favorecem criar histórias, trazer uma história de casa, querer reproduzir aquilo que ela aprendeu na escola. Então, com o manuseio da massa fica mais fácil o processo de cognição ou da aprendizagem”.

“Sinto-me satisfeito com esse trabalho com as crianças. Quero mostrar para meus filhos e para os alunos das escolas o que meu pai deixou, e o que tem de bom em nossa cidade. Para mim é um sonho realizado”, conclui Liu.

O artesanato de Mestre Liu pode ser adquirido, em Aracaju, na Secretaria de Estado da Agricultura, telefone 3179-4550/4551 ou em Simão Dias com o próprio artesão pelo telefone 99887-1785.

Texto e imagens reproduzidos do site: expressaosergipana.com.br

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Maguila - O mais carismático pugilista brasileiro de todos os tempos

Maguila, no dia 17 de setembro de 2009.
Foto: BOL.

Publicado originalmente no site Terceiro Tempo.

Maguila - O mais carismático pugilista brasileiro de todos os tempos

Por Marcelo Rozenberg.

Sergipano de Aracaju, Adilson `Maguila´ Rodrigues nasceu em 12 de junho de 1959. Foi o mais carismático dos pugilistas brasileiros. Pedreiro de ofício, deixou a terra natal para se dedicar ao boxe em São Paulo aos 17 anos.

Em 2008 trabalhava como professor de escolinha da modalidade mantida pela prefeitura de São Paulo localizada na região da rodovia Raposo Tavares.

Em 2011, já longe dos ringues, Maguila admitiu sofrer com os problemas do Mal de Alzheimer e também de diabetes.

Fã de Eder Jofre e Cassius Clay, constituiu carreira brilhante, embora muitos a contestem. Em 86 combates venceu 81, sendo 68 por nocaute. Perdeu cinco lutas, quatro por nocaute.

O folclórico sergipano contou muito com a ajuda do jornalista Luciano do Valle, cuja empresa Luqui promoveu e muito a sua carreira. Foi neste período que foram registrados os maiores combates de Maguila. Vitórias sobre James Quebra-Ossos Smith e Daniel Falconi e jornadas tristes como as derrotas para nomes históricos como George Foreman e Evander Holyfield. Mesmo assim, deixou o ringue com um currículo expressivo. Foi campeão brasileiro, sul-americano, latino-americano e mundial, este útimo pela pouca expressiva Federação Mundial de Boxe.

Em 19 de janeiro de 2013, aos 54 anos, foi internado no Hospital das Clínicas, em São Paulo para uma avaliação médica, segundo sua esposa, Irani Pinheiro.

Mesmo debilitado, sofrendo de Mal de Alzheimer, compareceu ao sepultamento do amigo Luciano do Valle em 20 de abril de 2014, em Campinas, ao lado de sua esposa Irani.

Foi pela voz de Luciano do Valle que as exibições de Maguila ganharam notoriedade em todo o Brasil.

Em 8 de fevereiro de 2015 foi entrevistado pelo apresentador Geraldo Luis no "Domingo Show" da Rede Record. Com dificuldades para falar, Maguila estava ao lado de sua esposa Irani, em uma clínica para tratar do Mal de Alzheimer.

Em 3 de julho de 2016 o "Conexão Repórter", programa apresentado por Roberto Cabrini no SBT, apresentou matéria com Maguila, onde o ex-boxeador mostrou-se bem melhor de saúde. Seu diagnóstico, inicialmente de Alzheimer, foi alterado para Encefalopatia Traumática Crônica. Maguila, acompanhado de sua esposa Irani Pinheiro, faz sessões de fisioterapia e testes cognitivos frequentemente.

Em 15 de outubro de 2016 fez sua primeira aparição pública após deixar o Hospital Geriátrico Dom Pedro II, em São Paulo.

Texto e imagem reproduzidos do site: terceirotempo.bol.uol.com.br

Vista aérea da Orla de Atalaia, em Aracaju

Foto: Alvaro Villela.
Reproduzida do site: uniblog.com.br

Orla de Atalaia, em Aracaju

Foto: Wilson Houck Jr.
Reproduzida do site: mapio.net

O Centenário de Carlos Melo (2010)


Publicado originalmente no site do Portal Infonet, em 08/10/2010.

O Centenário de Carlos Melo.
Por Lúcio A Prado Dias*

Homenagear a figura de Carlos Melo no seu centenário de nascimento é reverenciar a Medicina de Sergipe e seus vultos, verdadeiros discípulos de Hipócrates.

A Academia Sergipana de Medicina promove(u)..., no auditório da Sociedade Médica de Sergipe, sessão solene para celebrar o centenário de nascimento do médico Carlos Fernandes de Melo, patrono da cadeira 6 do sodalício. Em nome da Academia, o médico e acadêmico Paulo Amado Oliveira, secretário adjunto, (fez) o panegírico do saudoso ginecologista e obstetra que teve atuação destacada na vida médica de Sergipe nas décadas de 50 a 70, atuando principalmente nas maternidades Francino Melo e João Firpo, dos hospitais Cirurgia e Santa Isabel respectivamente.

Auxiliar dedicado e fiel de Augusto Leite, teve ainda atuação importante na Casa Maternal Amélia Leite, na Sociedade Médica de Sergipe e no Conselho Regional de Medicina, do qual foi presidente por curto período.

Carlos Melo nasceu em Aracaju em 14 de outubro de 1910, sendo filho de João Carneiro de Mello e Antônia Fernandes de Mello. Colou grau pela Faculdade de Medicina da Bahia em 1932, iniciando suas atividades profissionais em Propriá, atendendo convite do médico Moacir Rabelo Leite. Foi prefeito da cidade em 1938 e dirigiu o Hospital São Vicente de Paula até 1945, quando se transferiu para Aracaju.

Tornou-se especialista em ginecologia e obstetrícia realizando curso no Rio de Janeiro, vindo depois a assumir a direção da Maternidade Francino Melo em substituição ao médico João Firpo, atendendo convite de Augusto Leite. Atuou em seguida na maternidade do Hospital Santa Isabel, que curiosamente veio a receber o nome de João Firpo, e nas clínicas Santa Lúcia e Santa Helena.

Dirigiu o Departamento da Maternidade e Infância da Legião Brasileira de Assistência, na gestão de quatro governadores: José Rollemberg Leite, Arnaldo Rollemberg Garcez, João de Seixas Dória e Celso de Carvalho. Um dado que revela a sua competência, dedicação e compromisso com a causa da saúde pública. Foi chefe médico do IAPB e Governador do Rotary Internacional distrito 455 de 1964 a 1965. É patrono da cadeira seis da Academia Sergipana de Medicina. Faleceu em 5 de dezembro de 1990, em Aracaju, com 80 anos, sendo sepultado no Cemitério Santa Isabel.

Exerceu a profissão durante 55 anos de sua vida e costumava dizer que o exercício da Medicina deve ser o maior prazer do médico. “Exerci a medicina num tempo muito difícil, com dificuldades enormes de locomoção. Lembro que andávamos sobre um cavalo para atender pacientes em vilarejos e povoados” rememorou ele em entrevista a mim concedida em sua residência da rua Zaqueu Brandão, em 4 de novembro de 1990. Não mais conseguia andar, mas o raciocínio e a memória estavam afinados. Em 5 de dezembro, um mês após, ele falecia.

Essa entrevista, que me marcou bastante, foi publicada no Jornal da Somese no mesmo mês de sua morte, tendo sido seguramente o último registro vivo do ilustre esculápio. Lembro dele naquele momento como homem feliz, no alto dos seus oitenta anos, sentado confortavelmente numa cadeira de rodas, fluindo lucidamente uma conversa descontraída, ágil e segura, ao lado de seu filho Carlos Fernandes.

Carlos Melo aprendeu a tratar de seus pacientes sem discriminação, com carinho e como se cada um deles fosse um filho ou parente seu, e muitas vezes sem cobrar um só centavo. Ele se sentia bem agindo assim, e conforme me confidenciou, atendeu milhares de pessoas, de cangaceiros do bando de Lampião a soldados da volante. No seu período de 13 anos na cidade ribeirinha de Propriá, conseguiu como prefeito realizar obras de saneamento, o que muito lhe confortava.

Foi casado com D. Maria Magalhães, carinhosamente conhecida como Tatá e uma das pessoas que mais lhe incentivava e com ela teve sete filhos: Carlos Magalhães, odontólogo e jornalista, Ana Melo, ginecologista, Carlos Fernandes, engenheiro, João Carlos, Carlos Henrique Ana Elizabete, anestesista que reside nos Estados Unidos e Ana Cristina, arquiteta.

Homenagear a figura de Carlos Melo no seu centenário de nascimento é reverenciar a Medicina de Sergipe e seus vultos, verdadeiros discípulos de Hipócrates.

* Lúcio Antônio Prado Dias é médico, membro da Academia Sergipana de Medicina e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

Artigo e imagem reproduzidos do site: infonet.com.br/blogs/lucioapradodias

Folclore Sergipano

Foto reproduzida do site: pousadaabais.com.br/cultura

Folclore Sergipano

Foto reproduzida do site: pousadaabais.com.br/cultura

Sabor Sergipe

Foto reproduzida do site: pousadaabais.com.br/cultura

Amendoim cozido

Foto reproduzida do Google

Manoel D'Almeida Filho: 100 anos do maior cordelista de Sergipe (2014)

Manoel D'Almeida no ofício de folheteiro de cordel nos anos 1950.

Publicado originalmente no Jornal do Dia, em 08/11/2014.

Manoel D'Almeida Filho: 100 anos do maior cordelista de Sergipe
Por Antônio Wanderley de M. Corrêa*

Manoel D'Almeida Filho nasceu em Alagoa Grande/PB em 13 de outubro de 1914, filho dos agricultores Josefa Pastora da Conceição e Manoel Joaquim D'Almeida. Somente aos oito anos, o pequeno Manoel conheceu a cidade. Provavelmente em um dia de feira, quando encantou-se com algum folheteiro, declamando ou cantando versos em meio a uma pequena multidão de curiosos e aficionados pelas novidades fantásticas da Literatura de Cordel.

Naquele momento, no início dos anos 1920, ao ter o primeiro contato com folhetos de Cordel, procurou alfabetizar-se com os mesmos. Aliás, os folhetos de Cordel vendidos nas feiras, mercados, praças e estações ferroviárias, foram por muitas décadas do século 20, as cartilhas de alfabetização autodidata de milhões de sertanejos nordestinos.

Já na adolescência, Manoel versava as histórias de Trancoso contadas por seu pai.

Em 1936, com 22 anos, trabalhando como operário em João Pessoa/PB, publicou o seu primeiro folheto inspirado em um caso polêmico ocorrido na época no interior do seu estado natal: "A Menina que Nasceu Pintada, com Unhas de Pontas e Sobrancelhas Raspadas". [Vilma Mota Quintela. "Manoel D'Almeida Filho". www.casaruibarbosa.gov.br/cordel].

O sucesso do primeiro poema animou o jovem Manoel que, resolveu dedicar-se inteiramente à poesia popular e ao ofício de editor e vendedor dos livretos de Cordel. Assim, passou a escrever febrilmente e a editar folhetos (imprimindo em papel barato em pequenas tipografias manuais) e vende-los em feiras do interior da Paraíba e de Pernambuco.

Como folheteiro ambulante, teve contato com violeiros e cantadores sertanejos, dos quais buscou inspiração para suas obras escritas e, por algum tempo, tornou-se também um deles. Mas foi como poeta de bancada que edificou sua monumental obra literária.
Naquelas andanças, conheceu em Recife/PE o grande editor João Martins de Athayde, que comprou os direitos de publicação da obra do 'Pai do Cordel' Leandro Gomes de Barros.

Em 1940, Manoel D'Almeida (com 26 anos) foi morar em Aracaju, fixando residência definitiva [Depoimento do próprio poeta gravado em vídeo em 1993, citado por Quintela].

Durante cinco décadas, vendeu folhetos de Cordel no Mercado Antônio Franco. Sua banca ficava na parte externa, no lado defronte ao Mercado Thales Ferraz. Na maior parte da sua longa estadia em Aracaju, residiu no Bairro 18 do Forte [Depoimento de Joelson Cabral a este autor em 09 set. 2014. Joelson é proprietário da Banca do Cordel "João Firmino Cabral" situada no Mercado Antônio Franco].

Nos anos 1950, tornou-se respeitado e famoso pela sua obra que crescia em quantidade e principalmente em qualidade. Pelo menos entre os cordelistas, editores e leitores daquele gênero literário. Sim, porque infelizmente a grande maioria dos poetas cordelistas são completamente desconhecidos ou desprezados pela chamada "grande mídia", pela crítica literária e pelo grosso da população brasileira.

O ano de 1955 foi marcante para o nosso poeta. Ele começou a publicar as suas obras pela Editora Prelúdio de São Paulo, atual Luzeiro, que é a maior editora de folhetos de Cordel do Brasil. Além de autor, Manoel tornou-se selecionador e revisor de textos da editora paulistana até os anos 1990. Pela Prelúdio/Luzeiro, o cordelista de Alagoa Grande publicou cerca de 200 títulos. A maioria de romances de amor e sofrimento, romances de encantamento, aventuras sertanejas e histórias envolvendo o cangaço.

Ainda em 1955, junto com Rodolfo Coelho Cavalcante, organizou em Salvador/BA o Primeiro Congresso de Trovadores e Violeiros do Brasil.

Para o cordelista Marco Haurélio, Manoel D'Almeida "reivindicou para o cordel um espaço na literatura brasileira combatendo os estudiosos que viam no gênero apenas poesia parafolclórica" [Literatura de cordel: do sertão à sala de aula. Marco Haurélio. São Paulo: Paulus, 2013. p. 100].
Suas obras mais famosas são: Vicente o Rei dos Ladrões, Josafá e Marieta, A Luta de Zé do Caixão com o Diabo, A Briga de São Pedro com Jesus por Causa do Inverno, Rufino o Rei do Barulho, Padre Cícero o Santo do Juazeiro, Jesus Cristo e o Mestre dos Mestres, A Mulher que Enganou o Diabo, Os Três Conselhos da Sorte, Gabriela, Jesus e o Homem do Surrão Misterioso, A Troca das Esposas e Os Cabras de Lampião. Este último, considerado a sua obra prima, foi publicado em primeira edição em 1965, contendo 652 estrofes de seis versos. Na apresentação do folheto, a Editora Luzeiro afirma que "indubitavelmente, é a melhor biografia em versos sobre o famoso cangaceiro".

Manoel D'Almeida é autor do mais longo poema em versos de Cordel já escrito: "O Direito de Nascer", com 719 estrofes. Aliais, em número de versos, a sua obra é a mais extensa da poesia popular brasileira. Foi fundador da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, sendo o patrono da cadeira 20.

Na biografia do poeta no folheto "A Briga de São Pedro com Jesus ...", a Luzeiro afirma sem arrodeio que ele é "considerado o maior poeta da literatura de cordel de todos os tempos". E em todos os folhetos de sua autoria, aquela editora argumenta: "seu renome se deve, não à quantidade de suas obras, mas à qualidade, pois são sempre muito inspiradas e caracterizadas pela correção da linguagem (...) luta pela atualização e correção da literatura de cordel". Afirma ainda que "(em Aracaju) exerce salutar influência sobre um grupo de bons poetas da região".

Em sua "salutar influência" sobre jovens interessados em versarem poesia de Cordel, destacou-se um garoto itabaianense de 17 anos: João Firmino Cabral que, em medos dos anos 1950, lhe pedira para vender folhetos no interior. Manoel lhe entregou uma mala com 400 exemplares. O garoto Firmino foi para Itabaiana e outras cidades do agreste sergipano e vendeu tudo rapidamente. Dalí em diante, começava uma grande e duradoura amizade entre o já consagrado poeta paraibano e o garoto. Em uma de minhas conversas com este, o mesmo me falou emocionado: -Ele foi um mestre e um pai para mim! [Depoimento de João Firmino Cabral ao autor em meados de 2006]. Firmino tornar-se-ia seu discípulo mais devotado e, com o passar do tempo, outro grande nome, verdadeiro ícone do cordelismo sergipano.

Os fatos aqui expostos demonstram que Manoel D'Almeida Filho não foi somente um grande poeta, folheteiro, editor, selecionador de textos de editora e fazedor de discípulos. Foi também um militante e articulador. Lutou por quase toda a vida pelo reconhecimento da Literatura de Cordel por seus contemporâneos. Por este conjunto monumental, pela enorme qualidade criativa de sua obra, pelo seu poder de articulação e de arregimentação e a por sua luta deliberada e obstinada em colocar a Literatura de Cordel em destaque no cenário cultural brasileiro, o fizeram maior nome do cordelismo de Sergipe, quiçá do Brasil.

Durante a grave crise econômica do final dos anos 1980 e início dos anos 1990, quando a Luzeiro passava por momentos críticos, o velho poeta, com quase 80 anos de idade escreveu uma carta emocionada ao seu compadre e proprietário daquela editora Arlindo Pinto de Souza, receando o fim da Luzeiro e da própria Literatura de Cordel [Marco Haurélio. Breve Histórico da Literatura de Cordel. São Paulo: Claridade, 2010. p. 80]. Nascido em 1914, teve o seu centenário pouco comemorado.

Nosso cordelista maior faleceu em Aracaju de enfisema pulmonar no dia oito de junho de 1995. Segundo Marco Haurélio "seu desaparecimento (...), deixou uma lacuna impossível de ser preenchida".

Meu otimismo inveterado e alguns fatos subsequentes me levam a pensar diferente. Manoel D'Almeida teve sucessor à altura. Com a morte dele, João Firmino Cabral agigantou-se com a sua obra também monumental. E hoje, assistimos com enorme satisfação o trabalho de aguerridos cordelistas, moços e outros não tão moços assim, produzindo em qualidade e em quantidade, divulgando o Cordel em eventos, nos meios de comunicação, nas redes sociais, nas escolas e em outros espaços. Bem como o revigoramento da Luzeiro e o surgimento de outras editoras especializadas no gênero, a exemplo da Tupynanquim de Fortaleza/CE e da Coqueiro de Recife/PE.

Como acontece por quase todo o Brasil, na terra adotiva de Manoel D'Almeida Filho, o Cordel vive um bom momento. E dias melhores virão. O trabalho desbravador de alguns poucos abnegados trouxe seus frutos.

* Antônio Wanderley de M. Corrêa é licenciado em História pela UFS, professor das redes pública estadual (SEED) e municipal de Aracaju (Semed), coautor de livros didáticos regionais e cordelista.

Texto e imagem reproduzidos do site: jornaldodiase.com.br