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quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Entrevista com um velho comunista, por Marcos Cardoso


Publicado originalmente no site do Portal INFONET, em 13 de janeiro de 2021

Entrevista com um velho comunista
Por Marcos Cardoso (Blog Infonet)

A crise capitalista de 2008 e a ascensão da China, desafiando a hegemonia econômica e política dos Estados Unidos, parece que fez surgir no mundo uma nova Guerra Fria, mas a arma principal continua a ser o velho discurso anticomunista. Para ganhar essa guerra ideológica é preciso demonizar o comunismo.

No Brasil, o clima hostil de Macarthismo – perseguição empreendida nos Estados Unidos na década de 1950 – foi criado por militantes da extrema-direita que, desde 2018, influenciados por Olavo de Carvalho, têm dedicado bastante tempo e espaço nas redes sociais para atacar o pensamento comunista. O guru do presidente Jair Bolsonaro conseguiu convencer uma parcela significativa da direita brasileira de que toda a esquerda e até a centro-esquerda é comunista.

O que pensa um histórico comunista sobre esse debate? “A saída é pela democracia”, responde o advogado e professor Wellington Mangueira, velho militante do Partido Comunista Brasileiro, o Partidão, mas hoje filiado a um partido que surgiu como dissidência daquele, com o nome de PPS, agora Cidadania. Sua análise é clássica e romântica.

Ele concorda que o anticomunismo é uma estratégia de ocupação do poder, mas observa que as potências ditas capitalistas ainda demonizam o comunismo, como historicamente sempre ocorreu. “Porque o comunismo pretende ser parte da evolução histórica das sociedades” e o capitalismo só existe se concentrar a riqueza nas mãos de poucos.

“O comunismo ainda assusta pela ignorância, construída pela manifestação ideológica, produzida pelas classes dominantes através das mais diversas formas, pelos meios de comunicação”, afirma Wellington Mangueira. Ele e a mulher, Laura Marques, foram perseguidos desde que eram estudantes secundaristas e sofreram prisão e tortura na ditadura militar encerrada em 1985.

Segue a entrevista:

Marcos Cardoso – Como você observa essa nova pregação contra o comunismo? É uma estratégia de ocupação do poder que se aproveita da ignorância das pessoas para disseminar o medo e o ódio?

Wellington Mangueira – Estamos vivendo um momento crítico da humanidade. As teorias e as práticas fascistas e nazistas se colocam na ordem do dia, pondo em xeque os valores de liberdade, humanismo, fraternidade e igualdade. Em sendo assim, a saída é pela democracia.

Democracia é regime político. Capitalismo, socialismo, comunismo são sistemas econômicos. Portanto, seja qual for o modo de produção, há a possibilidade do exercício do regime democrático. Assim, é uma falsa questão contrapor a democracia ao socialismo e/ou ao comunismo e associá-la ao capitalismo.

Dito isto, afirmo que na sua pergunta encontra-se a resposta. O anticomunismo é uma estratégia de ocupação do poder… Aproveitam-se, sim, da ignorância de parte da população. E olhe que isto foi denunciado por Karl Marx e Engels no famoso “Manifesto do Partido Comunista”, de 1848, com a histórica consigna: “Um fantasma ronda a Europa, o fantasma do comunismo”.

Todas as potências unem-se numa santa aliança para conjurá-lo. E por que tudo isso? Porque o comunismo pretende ser parte da evolução histórica das sociedades, pois, assim como da comunidade primitiva, tribal, saltou-se para o regime escravocrata, e deste para o feudalismo e mercantilismo, que gerou a Revolução Industrial, esta estruturou-se na forma do regime econômico denominado de capitalismo, pois tem no capital, nas suas mais diferentes “formas de dinheiro ou de crédito”, o poder de se estabelecer como o principal meio de produção, reservado a uma classe social, que é denominada de capitalista, em detrimento da classe trabalhadora que, por não ser a proprietária dos meios de produção, vende sua força de trabalho, produzindo a “mais valia” e o lucro para os patrões, alienando-se do produto do seu próprio trabalho e tornando a sociedade cada vez mais excludente, com taxas de concentração de riquezas nas mãos de poucos e um exército de desempregados e “miseráveis”, como bem assinalou Victor Hugo.

Eis porque as classes dominantes temem o comunismo, pois que este pretende abolir todas as formas de opressão social. E, se bem que parece uma utopia, e em parte o é, a verdade é que Marx, Engels e tantos outros viram-no como parte de um processo histórico onde o socialismo seria um momento de transição, do capitalismo para o comunismo.

Ora, como a experiência da construção do socialismo real esgotou-se – apesar dos grandes avanços produzidos pela Revolução de Outubro na Rússia – a direita mundial organizou-se, mais uma vez, para conjurá-lo, pois sabe, por instinto ou por conhecimento científico, que o capitalismo é o seu próprio coveiro – para usar outra expressão de Marx. Quanto mais cresce, mais se autodevora… é a lei das selvas. E assim caminha o capitalismo, com “fake news”, com guerras, com destruição de vidas humanas. E mais, através dos mais diversos meios de comunicação pretende ressuscitar antigos chavões, carcomidos conceitos e preconceitos de toda ordem, encontrando em algumas seitas religiosas o fanatismo obscurantista de que necessita para espalhar o medo e, por consequência, a letargiar o povo, tornando-o resignado com o seu infortúnio.

A história, todavia, coloca o velho dilema: socialismo com democracia ou a barbárie com ditadura? Eis a questão.

Marcos Cardoso – Por que o comunismo ainda assusta?

Wellington Mangueira – O comunismo ainda assusta pela ignorância, construída pela manifestação ideológica produzida pelas classes dominantes através das mais diversas formas, pelos meios de comunicação.

Ademais, os exemplos que citam em desfavor do socialismo/comunismo são inconsistentes, mesmo porque o socialismo não passava de uma inspiração, de um propósito de se fazer a transição do capitalismo para uma sociedade livre da supremacia de uma classe sobre a outra. Ou seja, buscava-se, e busca-se, criar as bases materiais para se saltar do reino das necessidades para o reino da abundância.

Marcos Cardoso – Os comunistas como você e sua mulher, Laura, que sofreram na pele toda a violência da ditadura militar, se assustam? Vocês têm medo de quê?

Wellington Mangueira – A essa altura, eu com 75 anos e Laurinha com 73, só nos preocupa – já que sempre lutamos por liberdade, democracia e socialismo – a onda fascistoide que, tal qual o Covid-19, varre o mundo. Medo temos sim, de ver a miséria e a desigualdade crescerem no mundo, e morrermos antes de podermos participar das grandes batalhas que se avizinham, pois já ouso dizer que sinto o “murmúrio das massas, os turbilhões democráticos, que a liberdade produz”, como bem previu Tobias Barreto em seu célebre poema “7 de setembro”, em pleno reinado de D. Pedro II, num contraponto ao obscurantismo e ao negacionismo do Senhor Bolsonaro.

Marcos Cardoso – E qual o sonho de um velho comunista para o futuro do Brasil?

Wellington Mangueira – Quanto ao sonho deste casal comunista, eu e minha mulher Laura sonhamos com o poeta:

“Há um mundo por nascer

Um mundo que será de homens livres

Livres da fome, do medo e da ignorância

Senhores do seu próprio destino, de sua própria história

Por esse mundo lutamos!”

Texto e imagem reproduzidos do site: infonet.com.br

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Wellington Mangueira: um humanista na alma e na raça


Publicado originalmente no site JL Política, em 06 de dezembro de 2018

OPINIÃO - Wellington Mangueira: um humanista na alma e na raça

Por Milton Junior *

“Continência a um comunista”. Impiedosamente contestado aos olhos dos radicais de direita, ao mesmo tempo intrigante aos camaradas com idealismo marxista, o título desta obra literária desperta o interesse coletivo para o consumo histórico protagonizado em torno da história de vida traçada por um líder esquerdista envolvido até o topo com o Partido Comunista Brasileiro - PCB -, justamente durante os 21 anos de governo militar, entre 1964 e 1985.

A ser lançada no próximo dia 12 de dezembro, no salão nobre do Cotinguiba Esporte Clube, em Aracaju, a biografia de Wellington Dantas Mangueira Marques desmistifica a “fórmula progressista” que transformou o cidadão antes torturado em um nobre gestor público no início dos anos 1990.

Menos de 10 anos após o fim do golpe militar, o aracajuano nascido em 21 de agosto de 1945 deixou de ocupar os porões das cadeias insalubres, de sofrer os mais variados tipos de tortura, para, diante de multidões, receber continência ofertadas por oficiais das mais variadas patentes, guarnições e instituições de segurança pública.

A publicação deste livro se faz possível devido a uma forte ação de insistência junto ao biografado. Apesar de pronto - modéstia à parte, com capa muito bem elaborada pelo camarada Marcélio Couto e um texto que interliga o passado e o futuro em uma suave leitura repleta de imagens inéditas e ilustrações criadas pela mente brilhante do nobre comunicador Edidelson Silva -, é preciso destacar que foram, ao menos, um ano e meio insistindo para Wellington Mangueira conceder a liberação para a produção do livro.

Sempre defendendo a tese de que “apenas pessoas falecidas, ou prestes a morrer possuem biografia”, o advogado, professor de história, comunicador e defensor dos direitos humanos, lutou, resistiu, mas foi vencido pela insistência deste jornalista, que, assim como centenas de sergipanos, é apaixonado pela história de vida do ilustre torcedor do Cotinguiba Esporte Clube.

Conquistada a permissão, antes mesmo que Wellington por ventura pensasse em desfazer a liberação, foi necessário agilizar a criação de roteiro, iniciar o processo de entrevistas, decupar por longas madrugadas estes áudios e começar a escrever.

Sempre à base de boas doses de café expresso, puro e com pouco açúcar, a produção textual prevalecia ao ponto de os bons e tradicionais churrascos semanais com os amigos paralelamente terem sido transformados em atividade secundária, ou, em alguns sucessivos casos, sempre fomos - eu e minha esposa -, os últimos a bater o ponto.

Falar de Wellington é prazeroso. Mas requer explorar a respectiva mente para não deixar de elencá-lo às correntes familiares e sociais que o cercam desde o momento em que seus primeiros choros ecoaram pela tradicional Avenida Augusto Maynard. A história do biografado se confunde nos mínimos detalhes com os de sua namorada e esposa desde o tempo do Atheneu Sergipense, Laura Marques.

Assim como Laurinha, é impossível citar o nome de Wellington e não envolver o Cotinguiba, o Partido Comunista Brasileiro, o Atheneu, o regime militar, o carnaval, a antiga União Soviética, os órgãos públicos em que administrou e a consciência humanista dele. Com um quociente de inteligência elevado, o homenageado passa a aparência de possuir um amplo HD interno que o faz recordar com detalhes inúmeras passagens da vida dividida com a esposa, e/ou com os nobres companheiros do velho PCB.

Justamente em virtude desse representativo conteúdo histórico, no decorrer da produção textual percebi a necessidade de esquecer um pouco os depoimentos dos companheiros, e focar apenas nas histórias narradas por ele. Ao consumir o livro, o leitor se deparará apenas com citações de Helena Marques (sogra de Wellington) e do camarada João Augusto Gama. Incluir o depoimento dos camaradas quebraria o fluxo da leitura. Essa não era, e nunca foi a intenção desde o primeiro dia de escrita.

Os depoimentos dos amigos e admiradores ficou reservado em um capítulo à parte. O desafio sempre foi buscar a melhor forma de deixar o livro atraente aos olhos de leitores com idades acima de 14 anos. Isso sempre me martelou a consciência, em virtude de atualmente o público mais jovem, por exemplo, ser considerado pelo Ministério da Educação como o grupo de brasileiros que menos se interessa por história e literatura. Segundo o próprio MEC, uma pesquisa nacional mostra que os jovens não percebem utilidade no conteúdo das aulas. As disciplinas de língua portuguesa e matemática são consideradas as mais úteis por, respectivamente, 78,8% e 77,6% dos alunos.

Lamentavelmente, o Brasil já percebe o reflexo do problema estrutural sobre conhecimento histórico da população. Pensando justamente na perspectiva de seguir na contramão desses dados nacionais, a inclusão de charge e depoimentos que estão direta ou indiretamente presentes no dia-a-dia das pessoas permite que os leitores se vejam ao menos em algum momento vivenciado por Wellington.

Entre esses casos, a biografia apresenta desde o consumo de bebidas alcoólicas durante a infância, como passeios de barco no Rio Sergipe, bastidores da família, futebol, cultura, jogos de cartas, café, história das ruas de Aracaju, e defesa da comunidade LGBT. Este não é um livro para ser depositado em prateleiras de biblioteca. Por possuir um perfil minuciosamente democrática, ele é, e recomendo que seja, utilizado dentro das salas de aula como forma de multiplicação de um conteúdo educacional.

Escrever sobre o legado de Wellington Mangueira foi uma honra, e mais feliz ficarei ao perceber que esse conteúdo será consumido por pessoas residentes nos quatro cantos da nossa nação. As 315 páginas foram desenvolvidas com o máximo de afeto por cada conteúdo que me foi compartilhado. Deguste esta obra literária sem moderação.

* É jornalista e escritor.

Texto e imagem reproduzidos do site: jlpolitica.com.br