quinta-feira, 31 de março de 2022

João Alves Filho (03.07.1941 – 24.11.2020)

Publicado originalmente no site DEBORAH PIMENTEL, em 6 de dezembro de 2021

João Alves Filho: o homem para além do chapéu de couro

A história é o olho do tempo: não mente.

João Alves Filho (03.07.1941 – 24.11.2020)

Por Déborah Pimentel

O engenheiro João Alves Filho, sempre buscou um sentido para a sua vida. Era um trabalhador incansável, visionário, um gestor futurista, um líder motivado e otimista, empreendedor e muito determinado, ou quem sabe, fosse um teimoso.

Casado com uma mulher forte que lhe deu suporte de uma vida de 54 anos de convivência conjugal, empresarial e política, a advogada e senadora Maria do Carmo Alves, são pais de uma prole de três filhos, Maria Cristina Alves, Ana Maria Alves e João Alves Neto, e quatro netos: Danilo, Alice Maria, Nina Rosa e Maria de Lourdes.

Talvez João Alves se perguntasse, como viver de forma plena a sua existência, extraindo o melhor dela e causando o maior impacto positivo em outras vidas no seu entorno: família, aracajuanos, sergipanos, nordestinos deste Brasil varonil. Claro, que não existe a resposta certa ou uma única resposta para o sentido da vida: são formas múltiplas. Cada um do seu jeito.

Um grande filosofo que inspirou João Alves, foi o prussiano Friedrich Nietzsche (1844-1900) que acreditava que a felicidade estava presente quando o sujeito podia exercer o seu poder para conquistar e realizar aquilo que desejasse, inclusive a livre escolha de trabalhar apenas com o que lhe daria prazer. João Alves, fez a sua escolha e encontrou algo que dizia de si, onde ele se encontrava e dava um sentido à sua vida: a política era o jeito de João ser feliz.

As escolhas e decisões que ele tomou durante a sua vida, foram definitivas nos resultados ora presentes. Para isso, João Alves necessitou dar sempre o melhor de si mesmo em tudo o que se propôs a fazer e fez. Entre a sua empresa, a Habitacional, e a política, escolheu o bem coletivo.

A religião era um grande pilar de sustentação para João Alves.  Era essencialmente um homem cristão e de fé. Não era à toa e sem razão que ele era um devoto de Nossa Senhora da Conceição e tinha em Frei Miguel e em Padre Valtewan, orientadores espirituais.

Entrou na política de mãos dadas com o então governador José Rollemberg Leite, que o indicou para prefeito de Aracaju (1975-1979), durante o governo militar do presidente da república Ernesto Geisel, após arrebatar positivamente a opinião de políticos e empresários da época, com suas ideias visionárias, acerca de planejamento urbano. Neste mandato conquistou o título de João Tocador de Obras, graças a uma gestão inovadora com a abertura de 14 das principais avenidas que até hoje escoam o trânsito da capital; criação do Parque da Cidade Governador José Rollemberg Leite Neto; da Maternidade Nossa Senhora de Lourdes; do Sistema Integrado de Transporte de Aracaju; a construção do Bairro Coroa do Meio e da Ponte Godofredo Diniz, entre outras realizações.

Na primeira eleição estadual direta, o engenheiro João Alves foi eleito Governador do Estado de Sergipe (1983-1987). Neste mandato fundou o Hospital de Urgências João Alves Filho e criou o Projeto Chapéu de Couro, um programa revolucionário de combate à seca e à pobreza, construindo cinco adutoras, abrindo estradas e levando água e energia para o sertão sergipano. Foi assim que conquistou mais dois criativos apelidos: João das Águas e João Chapéu de Couro.

Sim, será a história que colocará João Alves, um imortal, no panteão dos que mais fomentaram desenvolvimento para a parte mais pobre e sofrida do país, o Nordeste, e particularmente, para o seu Sergipe Del Rey. Tornou-se uma referência nacional como Ministro do Interior (1987-1990) na sua luta ferrenha em defesa do rio São Francisco, e como criador do IBAMA, um dos maiores defensores do meio ambiente no Brasil. Como homem público, conseguiu o respeito das principais lideranças políticas do país.

Era um líder sempre pautado no desenvolvimento urbano e na assistência ao homem do campo; um construtor futurista, visionário, e missionário, capaz de sustentar bandeiras em defesa do Nordeste e que independente do lado político dos parceiros, era capaz de articular iniciativas e envidar todos os esforços para o bem da população.

Em 1990 venceu as eleições para o Governo do Estado (1991-1995) e deu seguimento à sua política de combate à miséria de seu povo, lutando contra a seca. Passou a ser reconhecido como João do Povo. Na ocasião construiu a Orla da Atalaia, e criou o Platô de Neópolis, área para exploração agrícola, totalmente irrigada.

Este sujeito multifacetado – o homem, o escritor e o político, tornou-se membro da Academia Sergipana de Letras em 1993. O João Escritor tinha um estilo simples e direto, porém apropriava-se com maestria, totalmente imbuído, dos temas aos quais dedicou sua vida e sua obra. São 15, os livros que o consagraram: Irmãos de raça (sem data); Nordeste, Região Credora (1985); No Outro Lado do Mundo: uma viagem para aprender (1988); Amazonia & Nordeste – Estratégias e Desenvolvimento (1989); Pronunciamentos, Artigos, Entrevistas (1990); Conferências (1990); Humanismo e Política (1993); O Caminhoneiro do Brasil (1994); Pontos de Vista (1994); Nordeste: Estratégias para o Sucesso. Propostas para o desenvolvimento do Nordeste brasileiro, baseado em experiencias nacionais e internacionais de sucesso (1997); Transposição das Águas do São Francisco: Agressão à Natureza x Solução Ecológica (2000); Matriz energética brasileira – Da crise à grande esperança (2003); A insensatez do projeto de transposição (2006); Toda a Verdade sobre a transposição do Rio São Francisco (2008); Relato de uma perseguição presidencial e suas consequências (2008). A sua última produção foi um capítulo de livro intitulado Transposição de águas do rio São Francisco: um atentado aos interesses nacionais. Este capítulo está inserido no livro Transposição do São Francisco – Uma Análise dos aspectos positivos e negativos do projeto que pretende transformar a Região Nordeste, de autoria de Quintieri, publicado em 2010.

Em 2002, João Alves Filho disputou novas eleições para o Governo do Estado e foi eleito governador do Estado de Sergipe pela terceira vez (2003-2007). Fé, esperança, sonhos e projetos, não faltavam ao João Coragem. E esses são pilares capazes de garantir saúde mental e, indubitavelmente, podem trazer algum nível de redução de sofrimento, diante das muitas tempestades e intempéries que vieram até ele, mas que passaram, graças à forma tranquila de conduzir os problemas e tocar as suas obras.

Construiu a maior ponte urbana do Nordeste, sobre o Rio Sergipe, a Ponte Construtor João Alves, ligando os municípios Aracaju-Barra dos Coqueiros favorecendo o escoamento de produtos pelo Terminal Marítimo Ignácio Barbosa ou ainda, o Porto de Barra dos Coqueiros, como é conhecido, e que foi construído na sua gestão anterior, como a peça-chave de todo o projeto de desenvolvimento desenhado por ele e que franqueou mais desenvolvimento na região.

Em 2012, João Alves Filho venceu as eleições para a Prefeitura de Aracaju. Naquele último mandato (2013-2017), ele realizou inúmeras obras, a exemplo da Ponte Gilberto Villa Nova, ligando o Inácio Barbosa à Farolândia; o importante Complexo Viário Governador Marcelo Déda e o Viaduto Hugo Costa. Fechou, com destaque, a construção do calçadão da Praia Formosa, no Bairro Treze de Julho, um ciclo de ouro de três décadas.

Entre os seus pares, independente de ideologias político-partidárias, aliás, mesmo entre os seus adversários políticos, é reconhecido e considerado, até então, o melhor e o maior realizador de obras de grande vulto na história dos últimos cem anos de Sergipe, e que trouxe, indubitavelmente, mudanças, e favoreceu a qualidade de vida dos sergipanos.

João Alves está na categoria dos realizadores, dos tocadores de obras, dos que fomentaram desenvolvimento para a sua região, seu legado é incomensurável. Dificilmente outro político sergipano alcançará o mesmo prestígio e reconhecimento a curto e médio prazo.

Parafraseando Guimaraes Rosa, quando chegou na Academia Brasileira de Letras, João Alves Filho não morreu, apenas ficou encantado.

Prof. Dra. Déborah Pimentel

Biógrafa de João Alves Filho.

Membro da Academia Sergipana de Medicina, da Academia Sergipana de Educação e da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores.

Texto e imagem reproduzidos do site: deborahpimentel.com.br

domingo, 13 de março de 2022

'Notas sobre o modernista Abelardo Romero', por Gilfrancisco Santos


Publicação compartilhada do site DESTAQUE NOTÍCIAS, de 8 de março de 2022 

Notas sobre o modernista Abelardo Romero 

Por Gilfrancisco Santos * 


José Maria Fontes e Abelardo Romero, poetas sergipanos são os responsáveis maiores pela divulgação dos ideais que renovaram a estética brasileira e revolucionaram a maneira de criar nas diversas artes. Juntos, em Sergipe, as portas públicas do modernismo ocorreram em Estância e em Aracaju, principalmente a Noite da Poesia Modernista, em 12 de outubro de 1929 no cinema Guarani. Como disse Luiz Antônio Barreto, que Abelardo Romero entrou para a literatura brasileira pela porta do Modernismo – a mesma porta que se abriu para Carlos Drummond e João Cabral de Mello Neto, alguns anos depois. 


*** 


Meu contato com a obra de Abelardo Romero se deu de maneiro interessante, casual, e aconteceu pela prosa. Na época, residindo em Salvador, anos 70, fui informado por Getúlio Santana (livreiro) sobre uma liquidação de livros (queima de estoque) da Livraria Continental, situada na Praça Barão do Rio Branco no 1º dos três andares do pequeno prédio vizinho à antiga Sorveteria Primavera. Era meu dia de sorte, e fui surpreendido por dois títulos interessantes: Origem da Imoralidade no Brasil (1967) e Heróis de Batina (1973), ambos editados na coleção Terra dos Papagaios pela Editora Conquista, para mim, autor desconhecido. Depois de uma rápida leitura nas abas, fiquei impressionado para saber quem era aquele autor, em que cidade nascera, porque escrevia muito bem, mas sem nenhuma referência. 


O primeiro título, livro incomparável de aguda percepção de males de nossa formação histórica. Romero trata com seriedade da visão sociológica dessa obra, executada com maestria sólida fundamentação e linguagem inteiramente clara e simples, “as conclusões são amargas, mas nunca desalentadoras”. Sobre essa obra, escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade: 


Não quero terminar o ano sem agradecer-lhe o oferecimento de Origem da Imoralidade no Brasil, ensaio apoiado em copiosa documentação e revelador de aguda percepção de males de nossa formação histórica. Saiu um livro interessantíssimo, abrindo margem a debate sobre as conclusões, mas impressionando pela seriedade da visão sociológica. Cordialmente, o apreço e a admiração de C. D. A. 


Já o segundo título, Heróis de Batina, o autor reúne em menos de 300 páginas, 461 anos de atividade apostólica, social e política do clero católico no Brasil, começando em 1503, com a chegada a Porto Seguro de dois frades menores, e terminando em 1964, na subversão episcopal que na verdade não houve. Sobre essa obra, o jornalista João Mendonça de Souza, publicou um excelente artigo no Jornal do Comércio, de Manaus, edição de 1º de janeiro de 1970. Vejamos um trecho: 


Vinte e dois capítulos em duzentas e vinte e sete páginas de texto, solidificados em metódica prudência. No primeiro descortinamos, como fundamento de uma investigação prezada em sentido moral, substanciosa exposição acerca dos “Males do além-mar”. 


            Confrontos entre brasileiros e portugueses nas manifestações de comportamento político e social. Identidade de procedimento entre o clero de procedência ultramarina e o nosso, na forma de insurreição, embora plasmado à sólida organização inaciana. 


            É claro que padres como Luís Vieira da Silva, Correia de Toledo, Oliveira Rolim, Manuel Rodrigues Costa e outros, ao tempo da Inconfidência, ficaram em nossa História em completa oposição e revolta contra a unidade, disciplina e autoridade, difundida e aceita por Manoel da Nóbrega e seus seguidores obedientes à Coroa Portuguesa. 


Primeiros Passos 


Nascido em Lagarto (SE) a 13 de junho de 1907, filho de Etelvino Dantas e Maria Romero Dantas, Abelardo Romero Dantas morou em várias cidades do interior sergipano, inclusive em Estância, onde iniciou sua carreira de jornalista e trabalhou como telegrafista, Na busca de realizações pessoais e estudos superior, segue em 1931 para a Meca dos intelectuais brasileiros, onde desenvolve as atividades de tradutor, professor e jornalista com brilhantismo. Apesar de ter ingressado na Faculdade de Direito, abandonou no decorrer do curso, porque a paixão principal era o jornalismo, era ser um escritor como seu parente Silvio Romero. No Rio de Janeiro assume a profissão de jornalista, escrevendo para vária revistas: Leitura, Diretrizes, Revista. Souza Cruz, O Malho, Anuário Brasileiro de Literatura, além dos jornais Dom Casmurro, O Jornal, Diário Carioca, Revista do Livro, Revista Esfera, O Imparcial (MA), Folha Mineira (MG), Correio do Sul (MG), Pequeno Jornal (PE), Diário de Pernambuco (PE), Correio do Paraná (PR), Diário do Paraná (PR), Diário de Natal (RN), Diário de Notícias (RS), O Estado de Florianópolis (SC), entre outros. Mas seu conhecimento em alguns idiomas: francês, inglês, espanhol, alemão e outros, passou a desenvolver as atividades de tradutor. Para a Editora Vecchi (RJ) traduziu vários livros.

 

Em 1941, O Esquadrão Ciclone, do comandante Verdun.  Em 1942 Abelardo Romero traduziu o livro Ganhando meu pão (Autobiografia), de Máximo Górki, publicado em várias línguas ao mesmo tempo, obteve um sucesso sem precedentes, muito justa. A tradução brasileira é primorosa, enriquecida com uma capa a cores que representa Gorki em sua juventude, obra do artista Fantappié. No ano seguinte Abelardo traduziu outros livros: As sete Chaves (1943, de Earl Derr Biggers; Ela e Ele (1943), de George Sand, Macau, Inferno do jogo (1943) de Mauricio Dekobra, Johann Strauss, da valsa ao jazz (1943), de Hainrich Eduard Jacob, As Sete Chaves (1943), de Earl Derr Biggers. 


Em 1975, com a morte do acadêmico Exupero Monteiro (1900-1985), ocupa sua vaga, na cadeira nº 16 no ano seguinte na Academia Sergipana de Letras, atualmente ocupada pela memorialista Ana Medina. Seu discurso de posse foi publicado na revista da ASL nº 27, março de 1981. 


Com uma biografia interessante, onze livros publicados entre poesia & prosa, exerceu a profissão de jornalista por mais de 40 anos, produzindo textos sobre política, cultura e educação, além das inúmeros entrevistas como repórter. 


Silvio Romero na Intimidade 


Silvio foi uma figura singular, pelo seu feitio desabrido, pelas suas convicções e ainda pelas suas maneiras, simples e sinceras, aborrecendo os protocolos e conveniências, de linguagem franca, dizendo sem subterfúgios e muitas vezes com rudeza, nas polêmicas o que desejava dizer. 


Sobrinho-neto do grande historiador literário do Brasil, Abelardo Romero ao escrever Silvio Romero na Intimidade, conta fatos íntimos e domésticos de uma movimentada existência. Trata-se, portanto, da vida e da obra do autor da monumental História da Literatura Brasileira, produzida com emoção. Esse pequeno livro de lembranças carinhosas, de 77 páginas, de interessantes narrativas, foi publicado em 1960 pela Editora Saga. Abelardo narrou com simplicidade de estilo, por isso mesmo escrevendo para agrado de seus leitores. 

O autor reuniu vários episódios relativos a vida íntima do grande escritor sergipano. Conta Abelardo Romero que, aos 41 anos, viúvo pela segunda vez, apaixonou-se Silvio Romero pela jovem Maria Barreto e decidiu casar-se com ela. “Embora tivesse sido feliz com a primeira e a segunda esposa, ria alto agora, em casa de Apulcro, já pronto para regressar ao Rio de Janeiro. – Casei-me com uma pernambucana; nunca mais casei-me com uma fluminense; nunca mais! 


E sorrindo para Maria Barreto, com quem acaba de casar: 


– Agora vou ver com uma sergipana… 


Poesia Moderna 


Em crônica datada de 1937, publicada no periódico Dom Casmurro (RJ), o sergipano Joel Silveira escreve O maior poeta de Sergipe novo, diz o seguinte: 


Descobre poesia nos lugares comuns. Há poesia em tudo. Porque é a própria angustia do poeta – Deus perdeu-se no mundo! – que tinge de azul o comum das coisas. Poesia no vinho, como Khayam! Poesia no caos, como Tagore! Poesia nas casas, na areia, na folha, no grito do jornaleiro, na balaustrada que separa a terra do mar, poesia nos anúncios do bonde: 


O poeta distrai-se com anúncios de bonde 

Linhas 

Cores 

E temas. 

Hoje, anúncio é poesia. 

O poeta está lendo os anúncios do bonde: 

Dentrifícios. 

Biscoitos 

E sais 

São tão belos os anúncios! 


         A Musa Armada    


Esse pequeno volume de duas dezenas de poemas, contendo apenas 45 páginas, publicado pela Pongetti (RJ), 1953, conforme crítica do jornalista alagoano, Valdemar Cavalcanti, recomenda: 


A quem tiver em mente, por acaso, a ideia de organizar uma nova antologia da moderna poesia brasileira, que não esqueça esse nome: Abelardo Romero. E que leia com olhos críticos a sua última coletânea de poemas. 


            Esse jornalista de reconhecido mérito é poeta da melhor estirpe, que estreou em 1931 com Trem Noturno, que provocou ruidosa surpresa e continuou mostrando a seus leitores, a construção de uma obra permanente, que marcaria toda a sua trajetória.  A Musa Armada, elegante plaqueta, reuniu suas últimas produções poéticas, do poeta lagartense, que nos apresenta novas e ousadas experiências poéticas. Basta que se leia para ficar convencido desta verdade. Vejamos o admirável Rondó: 


O Alegre Cativo 


Nesse livro publicado em 1959, excelente edição da Revista Branca, em grande formato e com uma simples e bela capa, graficamente perfeito, o trabalho do brilhante jornalista, com uma roupagem digna de beleza e de profundidade do seu conteúdo espiritual. Aqui o poeta reafirma suas notáveis qualidades de poeta, cuja sensibilidade se volta para o mundo cotidiano, dele extraindo o lirismo que não se extingue ainda que as coisas aparentam a sua face morta. Vejamos o artigo do Diário Carioca de 9 de julho de 1959: 


Não sei dizer se Abelardo Romero, ratificando agora, com o livro O Alegre Cativo, aquela poesia fluente e magnífica de Exílio em Casa, endossará ainda os nossos conceitos sobre a criação artística desenvolvidas pelas ruas e cafés de Buenos Aires. Deste tempo de há pouco, surgem fatos que se projetam no seu livro mais recente onde pressinto o artesanato definitivo que o distancia de Trem Noturno. Porque o longo silêncio em Romero foi apenas aparente: sempre viveu dentro dele, filtrado pelas lentes dos óculos, a permanente mensagem autenticadora de uma sensibilidade poética. As crônicas políticas e mesmo os artigos dominicais, constituíam apenas o intervalo dentro do qual se agitavam as vivências da infância, os sinos de Lagarto e as anáguas lavadas sobre as lajes do rio, partidas pelo tempo. Mais ainda: nele como nos demais poetas marcados pela amargura da insatisfação, há de existir sempre a preocupação da transitoriedade. Não existir é quase obsessão demoníaca: está presente nesta noção estranha de tempo sobre o qual se debruçam paisagens humanas, a angústia do álbum de retratos, os sinos tangendo pela própria morte depois de o terem feito por toda uma geração. Certamente o mesmo mecanismo que marca um Langston Hughes: 


     Na poesia, porém, poderá haver o refúgio destas horas que escapam pelos dedos, sulcam o rosto e vão macerando, lentamente, as próprias ideias. Bálsamo de deuses, ela acolherá em si mesma a ilusória sensação de eternidade. Tocado pelas incertezas de qualquer rumo, os pressentimentos perduram neste Discurso à Morte: 


Sei que assim entrarás na minha casa, 

Pela luz do luar sobre o alpendre. 

Chegarás de surpresa, e eu distraído. 


Das noturnas palestras portenhas até hoje, muita coisa mudou. Menos esta maneira cada vez melhor de Abelardo Romero transmitir a sua mensagem poética – mensagem mergulhada num clima de coisas que eu pressinto perduráveis, realizando, assim, o verdadeiro sentido da criação artística. 


O Alegre Cativo afirma seu nome entre os bons poetas brasileiros: Poesia perdurável dentro das normas de uma descrição que se renova e haverá de se renovar sempre. – D. Q. 


O Passado Adiante (1969), segundo o crítico Wilson Martins: 


Abelardo Romero vem da época modernista, e não deseja conquistar o futuro: deseja recuperar o passado, conforme o título desse volume desde logo sugere. Seu modernismo, contudo, já é de segunda vaga, um pouco sentencioso ou irônico, reagindo contra a emoção como os poetas dos anos 20 que a recusavam por princípio e não por imaginar que ela era prova de alienação: 


            Entendido com a vida 


Nunca pensei 

Na sua brevidade. 

Mas ontem de tarde, 

Passeando no lago 

Com os meninos, 

debruçamos-nos rindo 

Na água límpida, 

e vi que só eu 

tinha cabelos brancos. 

Morte 


Retornando a Lagarto a procura de descanso da vida corrida do Rio de Janeiro e a idade avançada, Abelardo Romero faleceu em Lagarto, aos 72 anos, no dia 17 de março de 1979, no antigo povoado Cidade Nova, deixando viúva, Maria Amélia Dantas e os filhos Ângelo, Patrícia, Abelardo e Leonila. 


Com grande número de acompanhantes, foi sepultado no dia seguinte no jazido da família Romero. Após o velório do corpo no dia anterior, pela manhã foi levado a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Piedade, pelos amigos, familiares e admiradores, havendo missa celebrada pelo Padre Mário, Vigário da Paróquia. No cemitério discursaram José Augusto Garcez, em nome da Academia Sergipana de Letras, Luís Antônio Barreto em nome do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. 


É jornalista e escritor * (gilfrancisco.santos@gmail.com) 


Texto e imagem reproduzidos do site: destaquenoticias.com.br