segunda-feira, 1 de setembro de 2025

"Francisco José Alves: um memorável mestre", por Amâncio Cardoso

Professor Francisco José Alves, “Chico Padre”

Professor Francisco José Alves faleceu no último dia 28

Artigo compartilhado do site DESTAQUE NOTÍCIAS, de 31 de agosto de 2025

Francisco José Alves: um memorável mestre
Por Amâncio Cardoso *

No dia 28 de agosto de 2025, o campo historiográfico de Sergipe sofreu grande perda. Refiro-me ao falecimento do professor Francisco José Alves, do Departamento de História da UFS (Universidade Federal de Sergipe).

Professor Francisco dedicou toda sua vida ao ensino e à pesquisa de História desde 1987, quando ingressou na UFS como docente efetivo. Nesse ano, fui seu aluno. E ali se iniciou uma amizade. A partir de então nosso vínculo acadêmico tornou-se também fraterno.

O professor era doutor em História pela UFRJ (1998), mestre em Antropologia pela UNB (1990) e graduado em História pela UFS (1984). Estas formações superiores lhe deram arsenal teórico e metodológico para tratar de problemas no campo das Ciências Humanas com clareza e vivacidade, o que encantava seu alunado.

A importância da atuação acadêmica e intelectual do professor Francisco nas últimas décadas, frente ao Departamento de História, é muito considerável. Afirmo isto porque fui seu aluno durante a graduação, nas disciplinas de Teorias e Metodologias da História, bem como de Fundamentos de Antropologia. Além disso, ele me acompanhou com leituras minuciosas, críticas, indicações, empréstimos e doações de livros durante a minha graduação e pós-graduação.

Fui testemunha ocular do mestre que nos apresentava os clássicos incontornáveis: Karl Marx, Friedrich Nietzsche e Max Weber. Assim como, aqueles que marcaram os estudos historiográficos no mundo ocidental: Lucien Febvre, Marc Bloch, Fernand Braudel, Georges Duby, Edward Carr, Philippe Ariès, Paul Veyne, Pierre Bourdieu, Michel Foucault, Heyden White, Keith Jenkins, Peter Burke, Robert Darnton, Carlo Ginzburg, só para citar alguns.

Para além da pesquisa, ele também se preocupava, obsessivamente, com a qualidade textual ou a síntese. Assim, sempre nos recomendou a ficção clara e objetiva de Graciliano Ramos, dentre outros, como exemplo. Ou ainda, várias crônicas ou contos machadianos para os exercícios da escrita. Além de clássicos manuais de redação.

Ele também nos receitava, por exemplo, a maestria imaginativa de um Gilberto Freyre; o conhecimento farto das fontes de um Capistrano de Abreu ou a riqueza temática de um Câmara Cascudo para o tirocínio da pesquisa. E de quebra, nos apresentava a análise refinada de um Antônio Cândido; a perspicácia inovadora de um Sérgio Buarque de Holanda, para ficar no âmbito dos estudos nacionais.

Já em Sergipe, ele nos ensinou a importância da compilação de documentos feita por Felisbelo Freire e Maria Tétis Nunes, como contribuição para futuras pesquisas. Além de nos fazer perceber a importância da catalogação das fontes, como gesto generoso e útil aos futuros pesquisadores, e para a melhoria da qualidade das pesquisas, uma de suas preocupações.

Aliás, ele sempre foi grato à professora aposentada da UFS, Beatriz Góis Dantas, por lhe ensinar os caminhos da pesquisa acadêmica, tendo a mestra como referência. Francisco também admirava seu antecessor na disciplina de Teoria, José Silvério Leite Fontes (1925-2005) como uma das inteligências de nossa historiografia.

Com esta base, professor Francisco não transigia com banalidades. Ele valorizava o contato direto do neófito com as fontes de época para respirar sua ambiência, perceber seus matizes e desviar-se do anacronismo, pecado maior do historiador. Suas oficinas de uso das fontes históricas foram inesquecíveis.

Enfim, o professor era um humanista apaixonado por nossas virtualidades no passado, diretamente influenciado pelo historiador e filósofo Henri Marrou (1904-1977). Professor Francisco nos aproximava de textos sempre com a preocupação da leitura que disseca, fragmenta, querendo nos fazer perceber o método do autor, analisar seu discurso, para chegar à síntese interpretativa.

Não esquecerei quando dizia que as palavras têm sabor, têm peso, que ponderássemos seus significados. Dava-nos indicações de obras literárias ou emprestava-nos livros de sua generosa biblioteca para esmerilhar o discente na arte de pesquisar e escrever: “pois qualquer pesquisa acaba em texto”, advertia-nos.

A contribuição do professor Francisco José Alves para a formação de novos historiadores era lastreada no conhecimento de uma literatura erudita e diversificada; na consciência da precariedade da verdade histórica e no respeito às diferentes formas de concepção e vivência da cultura.

O professor também não descurava do rigor científico, cobrava do aprendiz os procedimentos e normas do ofício historiográfico. Ele também insistia, como disse, na importância das fontes como matéria fundamental de nosso ofício. Porém, seria mister ultrapassá-las com doses de interpretação e imaginação. Assim, seria preciso unir engenho e arte, ensinava.

Hoje, uma fieira de ex-alunos do mestre Francisco José Alves continua seu legado. Eles contribuem para a historiografia com trabalhos que versam sobre os mais variados problemas, objetos e abordagens.

Assim, a memória do professor Francisco permanece viva nas salas de aula de História, em Sergipe ou em outros estados, no trabalho de seus discípulos.

Obrigado, mestre! Descanse em paz.

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* Historiador

Texto e imagens reproduzidos do site: destaquenoticias com br