sexta-feira, 22 de outubro de 2021

'Outubro, o mês da Sergipanidade', por Luiz Eduardo Oliva

Arte de Edidelson Silva, reprodução Perfil Facebook e postada pelo blog para ilustração do presente artigo.

Texto compartilhado do Perfil do Facebook de Luiz Eduardo Oliva, em 3 de outubro de 2021 


Outubro, o mês da Sergipanidade  

Por Luiz Eduardo Oliva *


Entramos no mês de outubro o mês que se consagra ao amor às coisas tipicamente sergipanas por conta, sobretudo do 24 de outubro que é chamado do Dia da Sergipanidade. E, de fato, o que seria essa tão falada e ao mesmo tempo pouco estudada “sergipanidade”? Aliás, o 24 de outubro era comemorado no passado tradicionalmente como a data da independência de Sergipe, apesar de o Decreto de emancipação da lavra de D. João VI datar de 8 de julho de 1820. As explicações para esse “erro” são as mais diversas. Diz-se, por exemplo, que foi a data em que chegou aos sergipanos a notícia da emancipação, tanto que os primeiros versos do Hino de Sergipe dizem:  


“Alegrai-vos, sergipanos 

Eis que surge a mais bela aurora 

Do áureo jucundo dia 

Que a Sergipe honra e decora” 


Jucundices” à parte, o tal e jucundo dia deve de fato ter sido o 24 de outubro, que ensejou o “alegrai-vos, sergipanos!”. Fato é que a Constituição Sergipana de 1989 resolveu juridicamente o impasse: o 8 de julho seria o “feriado” pela emancipação e o 24 de outubro seria o Dia da Sergipanidade, sem feriado. 


E o que seria essa palavra que ainda soa como um neologismo? Insisto que nem tudo que é de Sergipe está relacionado à sua sergipanidade. Há coisas que dizem respeito à nossa terra, mas que não são necessariamente típicas da nossa gente, mas ainda assim ressoa como nosso. A isso chamo de sergipanismo. Entretanto, é de bom alvitre já ir alertando que o termo não é propriamente um neologismo meu (filólogos são rigorosos, e podem criticar o sentido do sufixo “ismo”). Genolino Amado, um dos sergipanos a ocupar a Academia Brasileira de Letras (também era irmão de Gilberto Amado) é quem primeiro grafa a palavra “sergipanismo” no seu livro de memórias “Um Menino Sergipano” (Editora Civilização Brasileira, 1977) ao discorrer um capítulo dedicado à “Alma de Sergipe” onde finca raízes teóricas da “sergipanidade”. Diz ele: “Vez por outra, em chás da Academia, paroleio a propósito de “sergipanismos”. E sempre de algum colega gentil me vem a sugestão: - Aproveite o assunto num bom trabalho”. Ainda naquele mesmo capítulo, Genolino se refere à “alma de Sergipe” como sendo a sua sergipanidade. E diz: “sergipanizarei, portanto, ao léu do que me venha à cabeça, com as reflexões que me ocorram no instante de escrever, com informações colhidas sem ideia de me informar. E, desse modo, sergipanizemos...” para mais adiante dizer: “Sergipanizemos agora o que sobranceia em Sergipe – as suas marcas intelectuais”, destacando vultos sergipanos que ilustraram a cultura brasileira, sobremaneira no final do século XIX até meados do século XX onde despontaram nomes como Tobias Barreto, Silvio Romero, Bittencourt Sampaio, João Ribeiro, Manoel Bonfim, Felisbelo Freire, Gilberto Amado e o próprio Genolino. 


Luiz Antonio Barreto, que certamente foi o mais multifacetado intelectual sergipano nos últimos cinquenta anos, dizia, em um artigo datado de 2011, um ano anos de morrer, que a sergipanidade ainda é um conceito em construção. E, de fato, o é. Assim como há uma ideia de baianidade, ou de brasilidade, também um conceito ainda em construção (há um interessante estudo de Vamireh Chacon, intelectual pernambucano inclusive estudioso da obra de Tobias Barreto sobre “brasilidade” a partir dos estudos do sociólogo Gilberto Freire), a idéia de sergipanidade ainda não foi devidamente definida, dando razão à indagação do grande Luiz Antonio Barreto que mesmo usando o gerúndio para definir sergipanidade assim se expressou: “Sergipanidade é o conjunto de traços típicos, a manifestação que distingue a identidade dos sergipanos, tornando-o diferente dos demais brasileiros, embora preservando as raízes da história comum. A sergipanidade inspira condutas e renova compromissos, na representação simbólica da relação dos sergipanos com a terra, e especialmente com a cultura, e tudo o que ela representa como mostruário da experiência e da sensibilidade.” 


Silvério Fontes, no estudo “Formação do Povo Sergipano”, ao trazer explicações históricas sobre a formação da nossa gente, cita Prado Sampaio que, em artigo publicado em 1915 (Revista do IHGS) “procurou caracterizar os elementos diferenciadores das nacionalidades e especialmente do Brasil e tenta expor aqueles característicos do sergipano”. Silvério procura então aprofundar os estudos naquilo que ele chama de busca para “desvelar o rosto do sergipano”. Ora, a sergipanidade então está diretamente relacionada a mostrar características tipicamente sergipanas, uma cultura de raízes nossas e diferente do resto do país, ainda que guarde semelhanças com a cultura brasileira. Assim está o desvelo do “rosto sergipano”, a sua identidade. Silvério, com percuciência, demonstra que a própria sergipanidade vem da unidade e autonomia político-administrativa desde Cristóvão de Barros, diferente de outras capitanias como Ilhéus e Porto Seguro, que “não propiciaram a formação autonômica”. Tanto é verdade que das três capitanias, todas ligadas à Bahia, apenas Sergipe lutou por sua emancipação. Não fosse isso e seríamos apenas “baianos” sem identidade própria, ligados diretamente à cultura baiana como cidades pertencentes ao interior da Bahia. 


E o sergipanismo, o que seria? Nem tudo que ressoa de Sergipe é tipicamente nosso, com características da identidade sergipana. Mas faz o orgulho por ser “de Sergipe”, ou “sergipano”. Exemplos de sergipanismos são muitos. Por exemplo, o primeiro designe de cartazes para cinema no mundo é o laranjeirense Cândido Aragonês de Faria, que se destacou com um dos principais artistas entre o final do século XIX e inicio do século XX, no Rio de Janeiro, em Buenos Aires e principalmente em Paris, onde se tornou o grande produtor de cartazes para a Casa Pathé, empresa cinematográfica francesa pioneira nas artes dos irmãos Lumière, inventores do cinema. Dizia o compositor Orestes Barbosa, citando Olavo Bilac, que “se Minas dá queijo e São Paulo dá café, Sergipe dá talento”. Justamente esse destacar dos sergipanos na ilustração nacional é o que chamo de “sergipanismos”, como foi, por exemplo, a Escola do Recife, liderada pelos sergipanos Tobias Barreto e Silvio Romero, a ponto de causar ciúmes entre os intelectuais do sul, onde em tom de ironia o carioca Carlos Laet decidiu chamá-la de “Escola Teuto Sergipana”, e o que antes era uma ironia passou a ser também assim conhecida e denominada. 


Outro exemplo significativo de sergipanismo está num fato pouco conhecido, referente à data da ONU. No movimento para a formação das Nações Unidas, um dos diplomatas brasileiros participantes foi o estanciano Gilberto Amado. Diante do impasse da data para comemorar a fundação (vários atos em datas diferentes haviam se sucedido) e numa daquelas enfadonhas assembléias, discutia-se aqui e acolá qual a data mais precisa, quando Gilberto Amado gritou: “24 de outubro!” Cansados, os congressistas logo aprovaram. Segundo ainda Silvério Fontes, 24 de outubro foi a data que Gilberto Amado, propositadamente para ter o motivo, depositou a ratificação brasileira à Carta das Nações, condição necessária à fundação da ONU. Genolino perguntou-lhe: “foi sergipanismo consciente ou inconsciente?”. O fato é que basta ir ao Google e está lá: 24 de outubro, que é o dia da sergipanidade, também é o dia da Organização das Nações Unidas, proposto por um sergipano. 


Muitos outros exemplos de sergipanismo poderia se citar como a expressão “bom à beça” que se referencia ao sagaz poder de argumentação do grande jurista sergipano Gumercindo Bessa que na questão do Acre superou a figura exponencial do baiano Rui Barbosa (o beça cedilhado foi o resultado de posteriores reformas ortográficas).  


Esse mês, portanto é uma bela oportunidade para não só discutir o conceito de sergipanidade alertando para a importância de se estudar o que somos, de onde viemos e todo o esforço para formar a brava gente sergipana, esse povo de índole libertária que embora pequeníssimo na extensão de terras (Gilberto Amado dizia que Sergipe era “pequeno para não ofuscar a grandeza dos seus homens”, no que eu acrescento: “e de suas mulheres!”) sempre foi um Estado irradiador de inteligências, dos que mais contribuíram para a formação da ilustração brasileira. 


*  Advogado, poeta e membro da Academia Sergipana de Letras Jurídicas. 


(**) Artigo Publicado no Jornal da Cidade/SE, edição nº 14.469 de 02 a 04 de outubro de 2021, onde Luiz Eduardo Oliva escreve quinzenalmente. 


Texto reproduzido do Facebook/Luiz Eduardo Oliva 


terça-feira, 5 de outubro de 2021

"De menino das tampinhas a senhor do teatro", por Marcos Cardoso

Publicado originalmente no site DESTAQUE NOTÍCIAS, em 1 de outubro de 2021 


De menino das tampinhas a senhor do teatro 

Por Marcos Cardoso* 


Quando se deixa de ser criança? Quando você passa a censurar como algo inadequado o que a sua imaginação fértil criava livremente? Então deixar de ser criança é de certa forma se privar da liberdade de pensar e tentar criar um mundo mais feliz. E quem com naturalidade consegue superar esse rito de passagem vai prolongar aquele mundo cheio de possibilidades? Talvez sim. 


Isso deve explicar um pouco como funciona a mente criativa e inquieta de um cara como Jorge Lins, que soube crescer sem nunca deixar de sonhar como criança. Quando menino, ele criava histórias com tampinhas de garrafa. Dava nome às tampinhas, sorria e chorava com elas, enquanto a mãe, dona Lígia, assistia e se divertia com aquilo. “Era um mundo meu e enquanto os outros estavam jogando na rua, eu estava com minhas tampinhas de garrafa, criando. Eu acho que o teatro na minha vida é influência disso”. 


Enquanto os outros estavam na rua, o menino Jorge já praticava inocentemente a arte de elaborar episódios, aquilo que Nélson de Araújo definiu como “a arte de fazer bonequinhos andar na mente humana, seja através dos desenhos nos livros, no caso do romance, novela ou conto, seja através do desenho ao vivo de atores sobre o palco, no caso do teatro”. Nélson foi o festejado sergipano professor da Escola de Teatro da UFBA, autor do monumental “História do Teatro”, resultado de 20 anos de ensino da disciplina, publicado pela Fundação Cultural do Estado da Bahia em 1978. 


A prova de que não há exagero na conexão é que Jorge Lins se envolveu efetivamente com teatro aos 15 anos de idade, quando estudava no Colégio Atheneu e criou o Grupo Máscaras e Trastes, que mudou de nome por uma, digamos, solução comunicacional. “O nome era grande demais para o cartaz que eu havia pedido para construir. O rapaz que estava preparando me disse que o nome não caberia no espaço e sugeriu que eu colocasse Grupo Raízes”, ele revelou para o portal sosergipe.com.br. 


Nome do grupo resolvido, o menino Jorge continuou o trabalho na Universidade Federal de Sergipe, onde cursou Ciências Jurídicas e Sociais. Quando se formou, em 1980, pegou o canudo, emoldurou e o deu à mãe. “Ela, brincando comigo, colou no banheiro de casa. Nem tenho a carteira da OAB”. 


Mas foi a partir da UFS que o Grupo Raízes se fixou. “Era mais um grupo para estudantes classe média que queriam fazer teatro e amadureceu descobrindo que o teatro infantil era a vertente do teatro que estava faltando em Sergipe”. Inicialmente, montavam textos de autores nacionais. A primeira montagem foi de Nati Cortez, uma autora potiguar que tinha vencido um prêmio nacional de dramaturgia. Mas havia dificuldade de montar textos de outros autores. Como gostava de escrever e já era adepto da poesia, decidiu fazer e encenar as próprias peças. 


“Eu comecei escrevendo, para depois começar a ser ator e eu nunca me considerei um bom ator, isso é um detalhe importante. Sempre fui muito mais de dirigir e produzir”, afirma o “discípulo” de Zé Celso, um dos mais originais percursos dos palcos brasileiros, e Antunes Filho, renovador da estética e dono de obra dramatúrgica e cenicamente autoral. 


Mas o dom de como falar com as crianças e da visão de teatro infantil com função pedagógica certamente Jorge Lins herdou de Maria Clara Machado. Para a fundadora do Tablado, seja no aspecto pedagógico ou no aspecto artístico, assistido ou encenado, o teatro auxilia a criança no seu crescimento cultural e na sua formação como indivíduo. É no Projeto Escola que Jorge forma público, assim como é nas Oficinas do Ator onde ele descobre novos talentos para o teatro. Quem se destaca ganha lugar no Grupo Raízes. 


Uma das primeiras influências foi um argentino que morou no Brasil chamado Ilo Krugli, criador da Casa do Ventoforte. “A construção dos meus textos era com fantasias, depois mudei muito com o Projeto Escola, tive que adequar meus textos ao tempo específico, porque os textos só podem ter 50 minutos, nem mais nem menos, por causa do horário das crianças, que vêm e voltam de ônibus”. Outra coisa é que o Projeto Escola trabalha com um público muito grande, “então não dá para desenvolver histórias com tanta fantasia como as que eu desenvolvia antes de trabalhar com escolas”. 


O trabalho do Grupo Raízes, segundo sua própria definição, é autoral, educativo e mais voltado para histórias ligadas a Sergipe. Quando quer assinar grandes clássicos e grandes histórias, com elevado número de atores em cena, e justamente para diferenciar o conteúdo das peças que levam a assinatura do Raízes, ele tem a Companhia Brasileira de Teatro, que já encenou os espetáculos “Marcelo Déda”, “Filhos dos Beatles” e “Cazuza”. Aliás, ninguém consegue lotar teatros em Sergipe como Jorge Lins. 


Em quase 50 anos de dedicação ao teatro, o aracajuano Jorge Lins de Carvalho escreveu cerca de 120 peças, inclusive “Os reis da floresta de cimento”, publicada em forma de livro em 1978, além de possuir mais de 200 músicas gravadas por vários artistas sergipanos, sem se descuidar da direção teatral, produção cultural e direção do Grupo Raízes e das Oficinas do Ator. 


Foi professor dos colégios Visão, Atheneu e Escola Técnica, emprego certo que largou para se dedicar a fazer o que mais gosta. Também é criador dos prêmios Sanfona de Ouro e Destaques da Cultura e do Guia Educar-SE. “Sempre gostei de empreender na área da cultura e entretenimento”, diz, como se ainda fosse pouco. 


Embalado por essa inquietação, ele criou no ano 80 a livraria Auê, Cultura e o Escambau, localizada na rua Pacatuba, próxima à Praça Camerino. “Eu tinha necessidade de juntar as pessoas em grupo, então criamos uma livraria que servia para lançamentos de livros e discos, tinha uma cachacinha no final da tarde, promovia debates. Era uma tentativa de fazer uma livraria como eu tinha visto em São Paulo e Recife, que reunia intelectuais e artistas”. 


E foi nessa quebrada do século 20 que surgiu na Praia dos Artistas um espaço meio psicodélico que marcou época, o Circo Amoras e Amores. “Foi num momento que não tinha espaço cultural em Sergipe e tinha acabado de sair o Circo Voador, no Rio de Janeiro. Vimos que seria bacana uma lona como espaço de cultura. Só que além de espaço cultural virou também espaço de entretenimento, e assim ficou mais conhecido, embora lá dentro também tivessem espetáculos teatrais, oficinas, tinha muita coisa”. Muita coisa e muitos artistas do circuito nacional passaram debaixo daquela lona. 


A imaginação fértil daquele menino que brincava com tampinhas de garrafa moldou a personalidade de Jorge Lins, formando-o como operário da caixa cênica e o transformando no senhor empreendedor da cultural local. 


(O texto é uma das apresentações da peça “O segredo das sete águas”, de Jorge Lins, publicada em livro lançado recentemente. As outras apresentações são de Luiz Eduardo Oliva, Jorge Carvalho do Nascimento e Nestor Amazonas) 


* É jornalista e escritor. Foi diretor de Redação do Jornal da Cidade, secretário de Comunicação da Prefeitura de Aracaju, diretor de Comunicação do Tribunal de Contas de Sergipe e é servidor de carreira da UFS. É autor dos livros “Sempre aos Domingos – Antologia de textos jornalísticos” e do romance “O Anofelino Solerte”. 


Texto e imagem reproduzidos do site:  destaquenoticias.com.br