terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

O Meu Amigo Intelectual, por Jorge Carvalho do Nascimento


Publicado originalmente no Perfil/Facebook/JorgeNascimento Carvalho, em 10/02/2020

O Meu Amigo Intelectual
Por Jorge Carvalho do Nascimento*

A segunda metade do século XX no Brasil conviveu predominantemente com dois tipos de intelectual: o herdeiro das tradições da cultura literária e o especialista profissional que verticalizou o conhecimento sobre determinado tema nas academias universitárias. Todavia, alguns intelectuais incorporaram a herança da cultura literária, mas foram bem diferentes da geração com a qual aprenderam, mantendo pari-passu uma relação de parceria em eventuais trabalhos e permanente desconfiança em face da produção acadêmica universitária. Há no Brasil nomes muito importantes situados nessa interseção, não obstantes as distintas escolhas teóricas e ideológicas que fizeram: Antônio Paim, Paulo Mercadante, Jacob Gorender, Leôncio Basbaum, Paulo Cavalcante, Bráulio do Nascimento, Jackson da Silva Lima, Paulo de Carvalho Neto, Paschoal Lemme e Umberto Peregrino, dentre outros.

Com um deles tive o privilégio de conviver e ser parceiro em muitos trabalhos, além de desenvolver uma relação fraternal que ajudou a moldar as minhas formas de ver e estar no mundo: Luiz Antônio Barreto. Certamente foram poucas as áreas do conhecimento das humanidades que não receberam a sua contribuição. Uma nossa amiga comum, costumava afirmar: a curiosidade de Luiz não tem limites. Ele estudou “de formiga a elefante”. Quando morreu aos 68 anos de idade, em 2012, LAB, como gostávamos de chama-lo era fonte importante de referência e análise aos que desejavam compreender a cultura brasileira. A obra deixada por ele, continua a cumprir tal papel, não obstante a dificuldade da dispersão própria do trabalho desse tipo de intelectual, pois a maior parte dos seus textos continua dispersa em artigos de jornais e revistas e em blogs e sites da rede web com os quais contribuiu durante os 53 anos nos quais se dedicou ao ofício de pesquisar e escrever.

Em 1994, fiz uma tentativa de construir um roteiro intelectual da vida de Luiz Antônio Barreto. Ele estava completando 50 anos de idade. Sentei com ele em diferentes sessões e gravamos cerca de seis horas de entrevistas. Com a colaboração dele reuni textos tendo o seu depoimento como roteiro. Organizei e entreguei a ele um presente de aniversário que ele publicou sob o título de CULTURA: UM ROTEIRO DE ALUSÕES, com apresentação de Bráulio do Nascimento e prefácio de Jackson da Silva Lima. Eu me responsabilizei pela organização, introdução, comentários e notas.

Foi a melhor oportunidade que tive de aprofundar o meu conhecimento intelectual sobre aquele amigo conterrâneo de Sílvio Romero, como ele nascido em Lagarto, no Estado de Sergipe. Luiz, em 1944. Um intelectual que estudou as primeiras letras em escolas públicas e particulares da Bahia e Sergipe, concluindo o curso primário na Escola Rural do município de Pedrinhas, onde o seu pai, José Barreto, era o chefe da Exatoria. Os cursos ginasial e científico ele fez em Aracaju, nos colégios Pio Décimo e Tobias Barreto. Depois disto estudou Direito na Faculdade de Direito de Sergipe e na Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro, onde também estudou música e literatura.

O jornalismo foi a carreira abraçada por LAB, a partir de 1959, no jornal Correio de Aracaju, onde foi repórter e colunista. Depois, trabalhou no Sergipe Jornal e na Folha Popular. No difícil ano de 1964, Luiz Antônio Barreto foi amparado pelo jornalista Orlando Dantas e ingressou nos quadros do jornal Gazeta de Sergipe, onde chegou a editorialista, editor e diretor. Integrou as redações de outros veículos e fundou a revista Perspectiva.

Foi também em 1964 que LAB fez sua estreita na Literatura, com Monólogo, mais tarde adaptado para o teatro pelo Grupo Arena da Ilha, do Rio de Janeiro. Depois disto, publicou poemas, artigos de crítica literária, ensaios, crítica de arte e história, destacando-se A Arte Sergipana; Tobias Barreto; A Abolição da Escravatura e a Organização da Sociedade; Um Novo Entendimento do Folclore; A Organização do Poder Legislativo em Sergipe; O Poder Judiciário de Sergipe: 100 Anos de História. Dirigiu a edição em 10 volumes das Obras Completas de Tobias Barreto.

Foi ainda um importante executivo do serviço público nas áreas de Cultura e Educação. Dirigiu a Galeria de Arte Álvaro Santos; chefiou a Assessoria Cultural do Governo do Estado; foi Secretário Municipal de Educação e Cultura de Aracaju; foi Subsecretário de Comunicação Social do Governo do Estado de Sergipe; Assessor Cultural do Instituto Nacional do Livro; Superintendente do Instituto de Documentação da Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais; Secretário de Estado da Cultura de Sergipe; e, Secretário de Estado da Educação de Sergipe.

Como Secretário de Estado da Educação desenvolveu alguns programas que revolucionaram o ensino público estadual. Quando assumiu o comando da pasta, o Estado de Sergipe somente oferecia ensino médio em 17 municípios. Quando deixou o cargo, os 75 municípios sergipanos tinham escolas estaduais de ensino médio em funcionamento. Dentre as suas iniciativas de maior ousadia, vale o registro do Programa de Qualificação Docente – o PQD. Enfrentando todo tipo de incompreensão e resistências, Luiz ousou, implantou cinco polos regionais de ensino no interior do Estado de Sergipe e, em quatro anos, levou às salas de aula 2600 professores de escolas públicas estaduais e municipais que possuíam formação apenas em nível médio e ofereceu ensino de graduação, conferindo-lhes diplomas de licenciados em áreas como História, Língua Portuguesa, Matemática, Geografia, Química e Física.

Ao ousar e enfrentar resistências, Luiz Antônio pagou um preço político muito caro. Todavia, o tempo se encarregou de mostrar que ele estava correto. Sua ação mudou Sergipe, principalmente os municípios do interior, onde boa parte da população passou a viver melhor, graças ao seu trabalho.

Se vivo estivesse, LAB completaria hoje 76 anos de idade. Suas ideias e o resultado do seu trabalho ficaram entre nós. As boas lembranças, permanecem vivas no afeto dos verdadeiros amigos. A sua grandeza o fez eterno.

Saudades.

*Doutor em Educação, Membro da Academia Sergipana de Letras e Presidente da Academia Sergipana de Educação.

Texto e imagem reproduzidos do Facebook/JorgeNascimento Carvalho

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