sábado, 5 de setembro de 2020

Fausto Cardoso: um homem e seu ideal

Imagem reproduzida do site: pt.wikipedia.org e postada
 pelo blog, para ilustrar o presente artigo.

Texto publicado originalmente no site do JLPOLÍTICA, em 28 de agosto de 2020

Opinião - Fausto Cardoso: um homem e seu ideal

Por Antônio Porfírio de Matos Neto * (Coluna APARTE)

Fausto de Aguiar Cardoso foi múltiplo nos seus ofícios. Das páginas de sua honrada história, constam que foi ilustre advogado, jurista, político, orador, poeta, professor e filósofo sergipano nascido no Engenho São Félix, município de Divina Pastora, em 22 de dezembro de 1864, tendo falecido em Aracaju no dia 28 de agosto de 1906.

Neste dia 28 de agosto completam-se mais de 100 anos da tragédia que pôs fim à sua vida terrena dele. Com efeito, Fausto Cardoso foi morto com um tiro no peito ao não se submeter perante as tropas do Exército que estavam em Aracaju para acabar com o levante que, posteriormente, ficou conhecido como “Revolta de Fausto Cardoso”. Sobre o trágico episódio, afirma Kallinka Ismerim:

Agonizando na praça que depois recebeu o seu nome, cercado de amigos e admiradores, homens, mulheres e crianças que lotavam o centro da cidade, Fausto Cardoso transbordou-se e com ele a alma sergipana. Seu legado está na frase imortalizada com a sua morte: “A liberdade só se prepara na história, com o cimento do tempo e o sangue dos homens.”

Na verdade, a frase é outra, e está contida no discurso que pronunciou em 9 de julho de 1902, e que ficou conhecido como Lei e Arbítrio: “A liberdade só se prepara na história com o sangue dos povos, o esforço dos homens, o cimento dos tempos. E se ela não é o preço de uma vitória, não é liberdade, será tolerância, favor, concessão, que podem ser cassados, sem resistência, que se revista do poder. Não gera caracteres nem cria personalidade. Enerva, dissolve, abate, humilha, corrompe e transforma os povos em míseras sombras”.

A praça Fausto Cardoso era central por aglutinar os órgãos políticos da época, conhecida como a praça dos três poderes, das manifestações políticas, das lutas, e aglutinava também os trabalhadores que sempre iam fazer manifestações, para chamar a atenção do poder público quanto às suas reivindicações. (Ismerim, 2017, p. 1).

Fausto Cardoso era filho do tenente-coronel Félix Zeferino Cardoso e de Maria do Patrocínio de Aguiar Cardoso. Fez os primeiros estudos em sua localidade de origem, nos municípios sergipanos de Maruim, Capela, na capital Aracaju, e concluiu o curso secundário no Colégio Sete de Setembro, em Salvador. Ingressou em 1880 na Faculdade de Direito do Recife e bacharelou-se em 1884.

Fausto teve seu primeiro contato com os estudos ainda em sua terra natal, na escola do Padre Antônio. Destacando-se como irrequieto e inteligente, continuando seus estudos em Maruim, Capela e no Ateneu Sergipense em Aracaju. Termina o curso secundário (Ensino Médio) no respeitado Colégio Sete de Setembro, em Salvador. Saindo da capital baiana, presta exames na Faculdade de Direito do Recife, onde de1880 a 1884 se destaca na vida acadêmica e se torna discípulo de Tobias Barreto. Recebe o apelido de “cidadão irrequieto das repúblicas estudantis”.

Ainda estudante, Fausto Cardoso editou o jornal Saara, bem como frequentou os círculos literários e filosóficos da chamada Escola do Recife, que abrigava as ideias positivistas e evolucionistas do final do século XIX, sendo considerado discípulo de Tobias Barreto. Grande foi sua participação no florescimento de um pensamento genuinamente nacional, porém de cunho monístico haeckeliano.

Logo depois de formado, regressou a Sergipe e foi trabalhar como promotor público na cidade de Capela. Em junho de 1887 foi designado para a promotoria de Laranjeiras, principal fórum sergipano, tendo encontrado a cidade em plena efervescência, envolvida pela propaganda republicana, por isso mesmo sendo destituído por questões políticas. Reconduzido ao cargo de promotor pelo Partido Liberal em 1889, ironicamente foi novamente destituído em 1890, após a proclamação da República (15/11/1889), apesar de ter sido um dos mais destacados defensores da causa.

Com relação ao episódio de destituição, assim escreve Armindo Guaraná (1925, p. 86):

Em junho de 1887 passou para a Promotoria de Laranjeiras, em que serviu até 1889 e após curta interrupção voltou a ocupar o mesmo cargo com a ascensão do Partido Liberal ao poder, vindo encontrá-lo a proclamação da República, nesse posto, do qual foi destituído em fevereiro de 1890

Atingido por um ato hostil do governo, sob o regime político de que foi um dos maiores propugnadores, sentiu a rispidez do golpe, mas não se quebrantou sua fé republicana, nem a altivez do seu caráter independente. Pelo contrário, a sua demissão fez-lhe afagar a ideia de, fitando horizontes mais largos, transferir em Maio a residência para o Rio de Janeiro, onde iria dar o máximo desenvolvimento ás suas energias intelectuais.

Com efeito, foi no Rio de Janeiro que ele revelou toda a pujança do seu talento multiforme, como sociólogo, político, jornalista e poeta. Inicialmente, dedicou-se à advocacia e ao magistério. Nomeado professor de História Universal por Benjamim Constant, delegado auxiliar e secretário geral da Prefeitura no Governo de Marechal Floriano, foi depois lente de História na Escola Normal, onde também foi diretor. Também ensinou História das Belas Artes na Escola das Bellas-Artes e de Filosofia do Direito na Faculdade Livre de Direito.

Como lhe não fartassem as múltiplas responsabilidades das obrigações então contraídas, Fausto Cardoso ainda se predispôs a assumir outros encargos que lhe satisfizessem a ânsia impetuosa da ação. Então logo se entregou à atividade febril das lides da imprensa e da política, amparado na consciência do seu valor mental e no seu senso de combatividade. Assim, o professor instigante e o jornalista vigoroso, o político irredutível e leal, tornou-se orador querido e abraçado pelas multidões, sempre fanatizadas pelo encanto de sua palavra fácil e arrebatadora.

Candidatou-se, mas as portas do Congresso Nacional não lhe foram abertas. Contudo, não desistiu. Então Sergipe ofereceu-lhe a chance de realizar seu sonho político. Foi assim que Sergipe conferiu-lhe o honroso mandato de representá-lo na 4ª legislatura federal 1900 a 1902, reafirmando-o no triênio de 1906 a 1908. Nesse outro teatro das exibições da palavra, o novel deputado Fausto Cardoso ergueu bem alto a tribuna parlamentar, confirmando a fama de orador eloquente, de estilo elegante e enérgico.

Sobre a ascensão política de Fausto Cardoso, assim diz Sérgio Montalvão:

Beneficiado pelo acordo de pacificação entre Martinho Garcez e Olímpio Campos firmado em 1899, garantindo a este último o domínio da política estadual a partir do controle sobre o Partido Republicano Sergipense - PRS -, Fausto Cardoso foi eleito deputado federal por seu Estado em 1900. Assumiu em maio desse ano sua cadeira na Câmara dos Deputados e destacou-se na tribuna parlamentar como principal crítico da política econômica do presidente Campos Sales (1898-1902) e do ministro da Fazenda Joaquim Murtinho. (Montalvão, 2017, p. 1).

Contudo, prossegue Montalvão:

No ano final de seu mandato (1902), após ferrenha campanha movida na imprensa sergipana por Gumercindo Bessa contra o governo do monsenhor Olímpio Campos (1899-1902), Fausto Cardoso rompeu o acordo que lhe havia permitido eleger-se e divulgou na capital federal acusações de truculência praticada pela política olimpista para manter-se no poder.

Em discurso proferido no dia 30 de abril de 1902, afirmou que os desmandos do presidente de Sergipe eram um “desrespeito à terra de Tobias Barreto”. Apesar da divisão na política sergipana, o olimpismo continuou a predominar: assim, o sucessor indicado por Olímpio Campos, Josino de Meneses, foi eleito 1902, da mesma forma como seu irmão Guilherme de Sousa Campos em 1905. (Montalvão, 2017, p. 1).

Surgido em 1906, o Partido Progressista – PP - iria reunir os descontentes com o mando de Olímpio Campos. Reeleito em 1906, Fausto Cardoso assumiu sua cadeira na Câmara dos Deputados em maio, mas ainda no mesmo ano retornou a Sergipe, com o objetivo de coordenar o movimento popular que se projetava contra o olimpismo na política sergipana.

A revolta contra o governo de Guilherme Campos foi articulada em meio ao assédio popular em torno do deputado – daí ter-se tornado conhecida como a “Revolta de Fausto Cardoso” -, mas o levante da polícia de Aracaju, que serviu para desencadeá-la na madrugada do dia 10 de agosto de 1906, aconteceu enquanto ele se encontrava ausente da capital, em viagem ao município de Divina Pastora, em visita aos pais.

Ao retornar à capital, Fausto Cardoso foi recebido como salvador da pátria, pois forçando a renúncia de Guilherme de Souza Campos. A intervenção do presidente Rodrigues Alves (1902-1906) mudou, porém, o curso dos acontecimentos. Tropas federais estacionadas na Bahia partiram para Aracaju e controlaram rapidamente os revoltosos, reempossando Guilherme Campos. Na retomada do palácio do governo em 28 de agosto de 1906, alvejaram Fausto Cardoso, que veio a falecer aos 42 anos de idade.

Sobre sua morte, assim escreveu o referido Armindo Guaraná:

A 28 de agosto de 1906 em Aracaju, em frente ao palácio do governo, verberava as selvagerias da soldadesca desenfreada, quando é alvejado pela carabina de um praça de instintos sanguinários, sob o comando do oficial superior Firmino Lopes Rego, que, sem refletir sobre a gravidade do crime que não soube ou não quis evitar comprometeu os seus créditos militares, deslustrando assim os bordados de general do exército brasileiro. Desaparecidos do cenário da vida, por se terem devotado ao culto dos grandes ideais, seus nomes ficaram gravados no coração do povo e jazem inscritos no extenso martirológio dos defensores da liberdade. (Guaraná, Armindo, 1925, p. 87).

A ideia e o sentido da liberdade marcam a biografia de Fausto de Aguiar Cardoso, poeta, jurista, pensador, revolucionário, sergipano que soube interpretar as mais íntimas aspirações de sergipanos.

Sua morte, em 28 de agosto de 1906 não apenas permitiu o retorno de Guilherme de Campos ao poder do Estado, mas também a vingança dos seus filhos contra Olímpio Campos, em 9 de novembro do mesmo ano, no Rio de Janeiro, bem como a modificação da lei das aposentadorias, a reaglutinação das forças reacionárias e conservadoras para novos embates, servindo ainda para exaltar e fixar posições libertárias, dosadas pelo itinerário que as gerações de intelectuais sergipanos traçaram, em todo o Brasil e que é a maior herança deixada às novas gerações de Sergipe.

Também poeta, Fausto Cardoso nos legou belos versos, como estes onde canta o amor: O Amor

Eu sou o Amor, o Deus que a terra inteira gaba!
Vivo enlaçando os sóis pelo Universo afora,
Dos ódios expurgando a venenosa baba,
Que os mundos desagrega, espalha e desarvora.

O tempo tudo avilta; a morte tudo acaba;
E o louro sol jamais a murcha flor colora;
Novos mundos, porém, do mundo que desaba
Faço surgir e salto em rutilante aurora!

Caso estrelas no céu e corações na terra;
Da treva arranco luz; do nada arranco vida,
E crivo de vulcões o gelo que a alma encerra!

Mudam-te o peito em mar meus lúbricos desejos,
E tua mente ondeia e fulge colorida,
Como raio de luz entre vergéis de beijos!

TAÇAS

Deslumbrado cheguei chorando à terra, um dia;
E, do lauto festim da vida, achei-me à mesa;
Sempre libei cantando a taça da Alegria
Embebedou-me sempre o vinho da Tristeza.

Esplendidas visões trouxeram-me à porfia
As ânforas do Amor; e de volúpia acessa,
Minha boca de boca em boca um mosto hauria,
Que te tedio me encheu por toda a Natureza.

Dá-me a velhice a taça; eu das paixões prescindo;
E, ébrio, ascendo a espiral de um sonho delicioso,
No vinho da Saudade achando um gosto infindo ...
Parece-me o passado um rio luminoso,
Onde vogo a rever, pelas margens florindo,
A dor, que ao longe tem as seduções do Gozo!

Além de artigos na imprensa e discursos parlamentares, Fausto Cardoso publicou Cosmogonia política americana (1892), Concepção Monística do Universo (1894), Taxionomia social (1898), Lei e arbítrio - discurso em defesa de uma ditadura parlamentar, pelo Congresso Nacional (1902).

Em sua obra Concepção monística do universo, com prefácio de Graça Aranha, Fausto Cardoso expõe com brilhantismo sua filosofia. Afirma que os fenômenos da vida humana são como os do resto da natureza, regidos por leis fixas e imutáveis. Há entre elas um laço etiológico que, na sua ação e consequência, transforma o universo em algo acessível a nossos meios de investigação, formando um todo unitário, um monon.

Proclama que esta pretensão não é uma ilusão mental, como a que deu origem aos sistemas filosóficos de todos os tempos, mas desprendeu-se, “gradual e naturalmente, de uma série de achados filosóficos e científicos, graças aos gênios de Copérnico, Kant, Laplace, Lamarck, Darwin e Haeckel”.

Depois de expor as primeiras teses haeckelianas quanto à unidade dos fenômenos do mundo material, de tratar do surgimento do homem e da atividade psíquica, de avançar o seu conceito de consciência e de lei, de apresentar a lei de seleção natural como verdade universal, chega o autor ao ponto de interesse particular.

Afirma Fausto Cardoso que a ciência, lenta, mas progressivamente, expulsou pouco a pouco o sobrenatural da esfera do saber, vendo-se este obrigado a recuar “como um fantasma que fugisse diante de uma luz que avança”. “O sobrenatural desapareceu, mas o dualismo que ele inspirou resistiu e transformou-se. E esta transformação é a teleologia”.

Como observado, tal profundidade filosófica também foi a mesma tenacidade política. Reconhecido em seu pensamento, porém não pelos seus adversários políticos. Por consequência, a morte do pensador aos 42 anos, enquanto ainda frutificava em todas as esferas da vida.

REFERÊNCIAS

Calasans, José. Fausto Cardoso. Salvador, 1970.

Cardoso, Fausto de A. Concepção Monística do Universo - Introdução ao Cosmo do Direito e da Moral. Rio de Janeiro, Lammert & C., Editores proprietários, 1894.

Dantas, José Cupertino. Revolta Fausto Cardoso.      
Revista do Instituto histórico e Geográfico de Sergipe, Aracaju, v. 12, n. 17, p. 11-65, 1941-1942.

Ismerim, Kallinka. A morte de Fausto Cardoso. Disponível na internet em
<https://pt.scribd.com/document/59836116/A-Morte-de-Fausto-Cardoso> Acesso em 26 ago. 2017.
Guaraná, Armindo. Diccionario Bio-Bibliographico Sergipano: Rio de Janeiro, 1925.

Montalvão, Sérgio. Fausto Cardoso. CPDOC Fundação Getúlio Vargas.
Disponível na internet em 
http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira- republica/Cardoso,%20Fausto.pdf> 
Acesso em 26 ago. 2017.

Nascimento, José Anderson. Perfis Acadêmicos.- Aracaju: Editora Diário Oficial do Estado de Sergipe- Edise, 2017.

Francisco, Guimarães Rollemberg. Fausto Cardoso-Perfil Parlamentar - Aracaju: J. Andrade, 2018.

[*] É membro da Academia Sergipana de Letras, ocupando a cadeira 24, membro da Associação Sergipana de Imprensa, da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço - SBEC -, da Academia de Letras de Aracaju, ocupando a cadeira 16 e é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

Texto reproduzido do site: jlpolitica.com.br

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