terça-feira, 20 de setembro de 2022

'Dançando na Cavalheiros da Noite', por Marcos Melo

Legenda da Foto: Sede da antiga S.R. Cavalheiros da Noite

Artigo compartilhado do site RADAR SERGIPE, de 18 de setembro de 2022

Dançando na Cavalheiros da Noite 
Por Marcos Melo *

Aos 14 anos, em 1959, tornei-me sócio da Sociedade Recreativa Cavalheiros da Noite. Era um adolescente vaidoso: pente Flamengo no bolso para de meia em meia hora ajeitar o pimpão a la Elvis, imitação de óculos Ray Ban no rosto pontuado de espinhas, sapatos Clark nos pés, lustrado por 111, o engraxate inventor do cotonete, trajando calças e camisas feitas em Aracaju, na Cercal de José Lima Azevedo, o popular Chico Foca.

Tinha, ainda, dois paletós esporte, um vinho e outro beje, para usar na soirée dominical do Cine Propriá. Estudava na 3ª série do Ginásio Diocesano e estava decidido a aprender a dançar a fim de completar minha educação como um rapaz de fina estampa; e, claro, dar meus volteios na Cavalheiros da Noite, o clube da classe média, que tinha Nezinho Barros na presidência.

Antes de associar-me, tomei algumas aulas com minha irmã, Maria Helena, que entendia do riscado. “Vamos lá”, dizia ela mostrando como segurar a dama. “Você tem que segurar a parceira com leveza, sem apertá-la, tanto na mão como na cintura.” “Guarde certa distância a fim de não haver pisadas nos pés.” E acrescentava com gravidade: “Nada pior do que uma pisada. Quando isto acontece o dançarino fica marcado, ninguém quer dançar com ele.” “Outra coisa: mantenha o corpo relaxado. ” Agora vamos treinar.” E punha um disco “Feito para Dançar”, do Waldir Calmon, numa electrola, isto mesmo com “c”, adquirida na Galeria Cruzeiro, do economista Aloisio Campos, ex-prefeito de Aracaju e ex-reitor da UFS.

Minha vernissage como dançarino se deu numa matinal. No palco a banda de Mário Jeguinho. De repente, mandaram brasa na rumba El Manisero, minha conhecida dos treinos com minha irmã. Para criar coragem, tomei duas doses generosas de vodka Eristow e mirei uma morena que estava próxima. Chamei-a para dançar, mas com receio de levar uma taboca, recusa no jargão da terra. Ela prontamente levantou-se e levei-a para o meio do salão, a fim não ser visto pelos amigos, portanto longe de gozações.

Delicadamente abracei-a e, contando o ritmo, dei o primeiro passo para a direita e ela não foi; pra esquerda e ela também não foi. Fiquei aflito e parei. Olhei-a e ela rindo. Falei: vamos começar de novo. Ela: desculpe, mas não sei dançar. E foi sentar-se, deixando o paspalho a ver navios no meio do salão. Voltar naquele momento para a mesa onde estavam os amigos seria gozação na certa, pois todos estavam na expectativa de minha performance. De fininho fui ao banheiro e lá fiquei um Bom tempo.

Ao retornar, perguntaram o que aconteceu. Com seriedade lhes disse que a garota não sabia dançar. Todos riram. Olhei de soslaio para a morena e vi que ela também sorria discretamente. Até hoje tenho dúvidas se foi uma peça que me pregaram ou se a garota realmente não sabia dançar. Tendo a acreditar na última hipótese, já que um velho amigo que estava presente, até hoje, quando lhe pergunto, nega qualquer sacanagem. Ele acha que eu estava pra lá de Marrakesh, queimado. A moça percebeu e foi sentar-se. Coisa que eu rechaço. Acho mesmo que ela era aprendiz, como eu.

Bêbado ou não, não me deixei abater. Com um pouco mais de vodka voltei a me animar, eufórico, querendo dançar. E a oportunidade surgiu quando uma amiga das minhas irmãs, Carminha Vasconcelos, que já ia se mandar, passou em frente de nossa mesa e, sem hesitação, chamei-a para dançar. A banda atacava de “Lamento Borincano”, outra rumba, daquelas dos treinos.

Acho que me sai bem, tanto que, há uns 15 anos, depois de 45 sem ver Carminha, que foi morar no Rio, encontrei-a numa reunião anual de propriaenses, no hotel Velho Chico, em dia de festa de Bom Jesus dos Navegantes. Ao me reconhecer, depois de tantos anos, ela não titubeou: “Marcos, continua dançando?” É claro, Carminha. Venha cá, e fomos dançar o velho fox “Nada Além”, interpretado por Orlando Silva que estava sendo tocado naquele momento.

Então, lhe disse enquanto bailávamos: Carminha, quem algum dia dançou na Sociedade Recreativa Cavalheiros da Noite, nunca mais deixará de dançar. Ela deu uma solene gargalhada e concordando com a cabeça, arrematou: “É o nosso caso”.

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Marcos Melo é professor emérito da UFS e membro da ASL

Texto e imagem reproduzidos do site: radarsergipe.com.br

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