segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

'Gilfrancisco dá voz aos esquecidos', por Marcos Cardoso

Publicado originalmente no site DESTAQUE NOÍCIAS, em 12 de dezembro de 2021 


Gilfrancisco dá voz aos esquecidos 

Por Marcos Cardoso* 


Gilfrancisco chega aos 70 anos lapidado como o mais robusto pesquisador da memória cultural em Sergipe depois de Luiz Antonio Barreto, com a diferença de também voltar o olhar para investigar aspectos da cultura baiana e a vantagem de ser aberto às diversas correntes do pensamento político. Não poderia ser diferente, a Bahia lhe deu régua e compasso. Quanto a LAB, não descuidemos que foi o maior intelectual sergipano das últimas décadas do século 20 e dos primeiros anos do atual milênio. 


É importante dizer que Gilfrancisco não se atém à história escrita pelos vencedores, os donos do poder, e com sua pesquisa sem limites ideológicos dá contribuição e relevância a narrativas que pouco ainda despertam interesse, a exemplo da história do Partido Comunista em Sergipe ou do Modernismo na Bahia. 


Uma parte dessa história é contada na pesquisa sobre a vida e a obra de Alina Paim (1919-2011), a estanciana resgatada em 1994 pela escritora Núbia Marques, então presidente da Fundação Estadual de Cultura, que republicou o romance “A sétima vez”. Em 2007, quatro anos antes de morrer em Campo Grande (MT), ela foi entrevistada por Gilfrancisco, que publicou o ensaio “A romancista Alina Paim” (Edições GFS/EGBA, coleção Base, 2008). 


Em 2015, ele a trouxe definitivamente a lume com a republicação do romance “Simão Dias” (Edise), edição comemorativa dos 66 anos da primeira publicação, então prefaciada por Graciliano Ramos. No prefácio da edição comemorativa, Gilfrancisco lembra a ligação de Alina Paim com o PCB, o então Partido Comunista do Brasil, e a relação com intelectuais comunistas de peso, como o próprio Graciliano Ramos e Jorge Amado. Ao longo de uma laboriosa existência ela publicou dez romances e quatro livros infanto-juvenis. 


Agora mesmo, Gilfrancisco finaliza o lançamento do livro “Alina Paim: a greve na Rede Mineira de Viação” (Edições GFS/EGBA), que trata de um episódio fundamental na vida da então jovem escritora e militante sergipana, que se encaminhou ao interior de Minas Gerais nos anos 40 para acompanhar e registrar a luta dos ferroviários e suas mulheres contra a exploração e por melhores condições de vida. Ela chegou a ser presa, identificada que foi por um delegado como alguém que fez parte do emblemático Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores, ocorrido em São Paulo em 1945. 


Também são objetos das pesquisas de Gilfrancisco outros intelectuais, jornalistas e militantes comunistas desprezados pela história, como Carlos Garcia, Aluysio e Walter Sampaio, Márcio Rollemberg, João Batista Lima e Silva, Nélson de Araújo, Fragmon Carlos Borges, Hernane Prata, Synval Palmeira, Agliberto Vieira Azevedo, Renato Mazze Lucas, Robério Garcia e Austrogésilo Santana Porto. 


Ao tempo que se interessa por imprensa alternativa e poesia marginal, ele dá voz a personagens que passam à margem da história, como os estudantes secundaristas. 


Gilfrancisco é autor de “Agremiações culturais de jovens intelectuais na imprensa estudantil” (Edise, 2019), um alentado volume de quase 600 páginas sobre jornais publicados por grêmios estudantis de escolas sergipanas nas décadas de 1930-1950. A pesquisa revela o desabrochar literário e jornalístico de figuras que se tornaram grandes no mundo cultural sergipano e até nacional, do porte de Joel Silveira, Junot Silveira, Mário Cabral, José Calasans, Bonifácio Fortes, Ezequiel Monteiro e Célio Nunes, para citar apenas estes. 


O pesquisador mergulhou profundamente no universo de mais de 40 periódicos produzidos no calor de ambientes como o Grêmio Cultural Clodomir Silva, do Colégio Ateneu, certamente a mais animada das agremiações estudantis, e revelou como os jornaizinhos ali produzidos eram ricos em informações e opiniões, alcançando até relativa importância política, a ponto de incomodar os estamentos da época. 


Jornalismo e literatura 


Interessante é que Gilfrancisco tem como principal fonte primária de suas vitais incursões ao passado os jornais impressos, esse formidável meio de comunicação de massa que dominou a cultura escrita do século 20, e através dos quais ele revela os grandes beletristas, os poetas, os ficcionistas, os homens e mulheres das redações. 


E ele mesmo, contribuindo com a pesquisa da história cultural, indiretamente trafega na fronteira imaginária e muitas vezes conflituosa entre o jornalismo e a literatura. Seja ao cavoucar e revelar os escritos de ficção ou os registros factuais de autores diversos, muitos deles esquecidos, seja escrevendo textos chegados ao jornalismo cultural, talvez o mais próximo do que deva ser qualificado como literatura, não importando que para o julgamento de alguns isso seja somente pseudoliteratura. 


Grosso modo, a diferença dos discursos de ficção e discursos factuais é que a literatura busca a verossimilhança, enquanto o jornalismo busca a veracidade do fato. Mas há quem defenda que jornalismo e literatura sempre foram o mesmo ofício. O jornalista é um escritor, trabalha com palavras, busca comunicar uma história e o faz com vontade de estilo, como define Manuel Rivas, escritor e jornalista galego. 


Também se diz que a diferença entre ambos é que a literatura se encaminha para o essencial humano, enquanto o jornalismo aponta para o efêmero, o passageiro, circunstancial. “Simplificando muito, parece que a literatura se orienta para o importante e a informação jornalística para o urgente”, afirma Manuel Ángel Vásquez Medel, outro espanhol, catedrático de Literatura e Comunicação da Universidade de Sevilla, analisando convergências e divergências entre os dois discursos. 


Mergulhado no mundo palpável e ao mesmo tempo idílico dos jornais, jornalistas e escritores, Gilfrancisco tornou-se, por exemplo, referência na pesquisa da Academia dos Rebeldes, grupo que reunia jovens escritores na Bahia do final dos anos 20, que combatia a Academia Brasileira de Letras e toda a literatura formal de então, e era liderado pelo irrequieto epigramista Pinheiro Viegas (1865-1937), tendo como seguidores, dentre outros, o romancista Jorge Amado e o poeta e cronista Sosígenes Costa (1901-1968). No centenário deste poeta e cronista, natural de Ilhéus, Gilfrancisco reuniu grande parte de sua obra no livro “Crônicas & Poemas recolhidos” (Fundação Cultural de Ilhéus, 2001). 


“Até finais de 1929, Sosígenes cronicou com regularidade: prosa ora lírica ora irônica, de estilo wildeano, cheia de efeitos verbais, neologismos e definições existenciais. Após dois anos de pesquisa apadrinhada pela Fundação Cultural de Ilhéus, o professor Gilfrancisco Santos, pesquisador de faro sutil, retirou-a de velhos jornais e revistas”, escreveu na apresentação do livro o jornalista e escritor Hélio Pólvora (1928-2015). 


O conhecimento do assunto valeu uma citação na obra “Jorge Amado: uma biografia” (Todavia, 2018), da jornalista e escritora Joselia Aguiar. “Gilfrancisco Santos, um pesquisador minucioso da Academia dos Rebeldes e de toda literatura baiana, me enviou material exclusivo”, escreveu a autora da mais completa biografia sobre um dos gigantes da literatura nacional, nas páginas de agradecimentos. 


Não é coincidência que ele acaba de receber da Bahia e está autografando uma obra fundamental para o conhecimento da gênese de Jorge Amado, “A obra amadiana ente Bahia & Sergipe” (Edições GFS), aguardada com entusiasmo pelos que cultuam e se debruçam sobre o romance do imortal grapiúna. 


Werneck Sodré 


A propósito, Nelson Werneck Sodré (1911-1999) fez o seguinte comentário sobre originais que Gilfrancisco enviou ao Rio de Janeiro sobre Pinheiro Viegas, obra ainda inédita: “Fico satisfeito em saber do seu trabalho sobre Pinheiro Viegas, injustamente esquecido agora. Ele bem merecia esse seu trabalho. Quase ninguém o conhece fora da Bahia e do círculo dos que conheceram ou viveram a sua época.” 


O professor Cid Seixas, da Universidade Federal da Bahia, que define Gilfrancisco como pesquisador de fontes e documentos históricos e literários, reconhece que várias pesquisas empreendidas por ele têm “servido de material para dissertações de mestrado e teses de doutorado que, nem sempre, fizeram justiça ao rico acervo que ele guarda”. 


A opinião é confirmada por outros ilustres pesquisadores, como o professor Gildeci de Oliveira Leite, da Universidade do Estado da Bahia, que não esconde: “Conheço diversas pesquisas de mestrado, doutorado e de estágio pós-doutoral, por exemplo, que só tiveram sentido, que só ultrapassaram os limites dos desejos e das boas intenções graças às colaborações de Gilfrancisco”. 


Da Universidade Federal de Sergipe, o professor Fernando Antônio de Araújo Sá observa que o jornalista-pesquisador “tem contribuído, significativamente, para o avanço da pesquisa da história cultural em Sergipe, recuperando práticas e representações forjadas por escritores, movimentos intelectuais e instituições culturais”. Compara-o a José Calasans e Nelson de Araújo, “sergipanos que se destacaram no cenário intelectual baiano, só que ele fez o caminho inverso, tornando-se uma referência para a história cultural de Sergipe”, e crava: “São inúmeras as menções de agradecimento nos programas de pós-graduação de Sergipe e Bahia a esse pesquisador infatigável”. 


“Meu amigo Gil, você é um pesquisador com um faro impressionante. Os textos deixam pistas e orientam as pesquisas de uma forma única. São catálogos que funcionam como dobradiças entre a fonte e o pesquisador. É um projeto social que cuida da memória, levanta as fontes, organiza, cataloga, tematiza e gera publicações em diferentes áreas”, disse com entusiasmo o professor Denio Santos Azevedo, também da UFS, em comentário elogioso ao livro “A Biblioteca Provincial de Sergipe” (Edise, 2019). 


Nesse mesmo ano e pela mesma editora oficial de Sergipe ele lançou mais dois livros que concluíram uma trilogia, iniciada em 2018, de sergipanos do interior que se destacaram por motivos diversos no Brasil e no mundo: “Ranulfo Prata – vida & obra” (Edise, 2018), sobre o médico e escritor nascido em Lagarto que fez carreira em Santos (SP), “Paulo de Carvalho Neto – vida & obra” (Edise, 2019), sobre o antropólogo nascido em Simão Dias, que fez destacada carreira até na diplomacia, e “Bernardino José de Souza – vida & obra” (Edise, 2019), sobre o jurista e geógrafo nascido em Cristinápolis, que idealizou e construiu o vetusto Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. 


Na sua missão de fazer os esquecidos falarem, Gilfrancisco publicou “Flor em rochedo rubro – O poeta Enoch Santiago Filho” (Secretaria de Estado da Cultura, 2005), edição comemorativa pela passagem do sexagésimo aniversário de morte do jovem poeta, morto aos 26 anos, e sesquicentenário de fundação da cidade de Aracaju. “O garimpo de Gil seleciona o (des)conhecido. Sua lavra nos guia para a estética em estado selvagem, um pleonasmo portanto. Enoch desponta a migração conterrânea mútua do sergipanês para o território contíguo do baianês”, disse o cineasta sergipano-baiano José Umberto. 


Mais recentemente ele lançou um livro bem recebido por pesquisadores e crítica especializada, “Lampião no Diário Oficial” (Edições GFS/EGBA, 2020), material inédito que estava guardado em páginas oficiais. “A versão registrada pela Imprensa Oficial nos traz o Lampião sociopata, cercado de contraventores e pessoas realmente degeneradas, de mulheres desviadas de um caminho socialmente previsível. Essa história tendenciosa, a versão oficial, se apresenta em contraponto ao discurso guardado na cultura e oralidade da população sertaneja por quase um século. Gilfrancisco nos traz, para reflexão, a versão oficial da vida, caçada e morte trágica de Lampião e seu grupo, que apenas serviu para que ele fosse transformado em mártir pela população esquecida pelo Estado”, registra a professora Valéria Aparecida Bari, da UFS. 

“O professor Gilfrancisco já tem demonstrado que é um vocacionado para saber retirar das fontes documentais verdadeiras preciosidades e dar-lhe o devido tratamento e visibilidade, colocando-as a serviço do público que dificilmente teria acesso a tais informações”, completa o decano José Paulino da Silva, também da UFS. 


Conflitos e mistérios 


Agora vem o incansável Gilfrancisco com este livro estranho ao seu mundo sobre literatura, religiões, povos e lugares distantes da cultura ocidental moderna ou contemporânea. “Áreas de conflitos e mistérios” reúne textos publicados pelo autor em jornais de Salvador e de Aracaju entre os anos 1986 e 2011. Aqui ele é o jornalista que pesquisa e publica suas impressões sobre aquilo que causa estranheza, é pitoresco ou diferente ao conhecimento comum. 


Organizado cronologicamente, seguindo as datas de publicação dos artigos, ele reúne 21 textos veiculados na Tribuna da Bahia, Correio da Bahia, Jornal da Cidade e Cinform. Nessa miscelânia cultural, Gilfrancisco passeia por lugares tão distantes quanto Cuba, Nicarágua, Israel, Palestina, Líbano, Irã, Afeganistão, Ilha de Páscoa e Macchu Picchu, no Peru. Antropologicamente, confere a história e o modo de vida dos povos ciganos e celtas. Relê as escrituras das três grandes religiões monoteístas e dos povos da mesopotâmia, reservando um folhear da literatura grega, berço de tudo o que escreve a nossa civilização. 


Não deixa de ser o Gilfrancisco dos jornais, matéria-prima da sua produção. Duvido de ele discordar do que disse ainda o professor Vásquez Medel, certamente também um apaixonado por jornal impresso: “Não creio que no futuro seja possível conhecer a fundo as alegrias e as esperanças, os temores e as tristezas do homem do século XX sem acudir às hemerotecas”. 

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1 – Prefácio do livro “Áreas de conflitos e mistérios”, que será lançado pela EGBA. 

2 – O Conselho Superior da Universidade Federal de Sergipe aprovou e em breve Gilfrancisco receberá o título de doutor honoris causa da instituição. 

3 – O incansável Gilfrancisco já tem pronto outro livro, intitulado “A outra voz, a voz do outro”. São entrevistas com personalidades sergipanas e baianas sobre política, história, jornalismo, literatura e artes.

 

* É jornalista. 


Foto: Cleverton Ribeiro 


Texto e imagem reproduzidos do site: destaquenoticias.com.br 

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

'O golpe civil-militar de 1964 e o Estado de Sergipe', por Ermerson Porto


Publicação compartilhada do site CINFORMONLINE 

 

O golpe civil-militar de 1964 e o Estado de Sergipe  

Por Ermerson Porto 


Em Aracaju, assim como em outras capitais brasileiras, a exemplo de Salvador, Recife, Maceió, Belo Horizonte, São Paulo, entre outras, as notícias imprecisas sobre a movimentação de tropas do Exército em 31 de março de 1964 inquietavam tanto os setores mais conservadores, que torciam pela intervenção militar, quanto aqueles resistentes a acreditar numa suposta mudança institucional. Outros, não confiavam nas promessas de melhoria do país pelos militares e continuaram a defender as Reformas de Base do Presidente João Goulart. 


Caro leitor, o governador do Estado de Sergipe, na época, João de Seixas Dória, que era um dos aliados do presidente João Goulart, estava em viagem no dia 31 de março de 1964 e, ao regressar em 02 de abril para a capital do Estado, foi preso e levado para o quartel do 19º BC (Batalhão de Caçadores), em Salvador, no dia 04 do mesmo mês. Em seguida, no dia 12 de abril, foi transferido para a ilha de Fernando de Noronha, onde passou 117 dias preso. A historiadora Célia Costa Cardoso (2015) afirma que a intensa participação de Seixas Dória na campanha presidencial de 1960, como correligionário de Jânio Quadros (UDN) no Estado, projetou mais ainda suas teses nacionalistas, constantes em seus discursos políticos. 


De carreira política ascendente, iniciou-se na vida pública como deputado estadual udenista, para depois adquirir notabilidade em âmbito nacional durante o exercício dos seus dois mandatos no Congresso Nacional, atuando também como membro da Frente Parlamentar Nacionalista. Diante dos embates políticos, Dória servia-se da astúcia de bom orador, adquirida com sua formação em Direito para defender a nacionalização da economia e as propostas de Jânio Quadros. Com a renúncia de Quadros em 25 de agosto de 1961, Dória foi afastando-se da UDN. Elegeu-se governador de Sergipe em 1962, pelo Partido Republicano, derrotando o udenista Leandro Maciel. 


Em depoimento ao cientista político Ibarê Dantas (1997, p.28), José Silvério Leite Fontes disse que “a grande questão que embaraçou a todos naquele momento foi como reagir”. Em Sergipe, sindicalistas da construção civil e lideranças dos ferroviários foram detidos pelo Exército. Houve também uma aglomeração de pessoas, mas sem entender, de fato, o que estava acontecendo em frente ao Palácio do Governo. A Praça Fausto Cardoso e o Clube do Trabalhador foram palco de prisões civis, como a do Deputado Federal Euvaldo Diniz (UDN), que em meio à aglomeração humana começou a discursar, mas em seguida foi preso” (Idem). A sociedade ficou perplexa, como noticiava o jornal sergipano “A Semana”: Na noite de quarta-feira da semana passada, forças do 28º BC, em Aracaju, efetuaram a prisão de Seixas, investindo no governo o vice Celso Carvalho. O Sr. Seixas Dória foi conduzido para Salvador, onde permanece preso e incomunicável no quartel do 19º BC. 


Após a deposição de Dória, foi convocado pelo major do Exército, Lário Lopes Serrano, comandante da 19ª Circunscrição do Serviço Militar, e empossado como novo chefe do Executivo o vice-governador, Sebastião Celso de Carvalho. IMAG 4 Ele não era udenista nem militar, mas ao identificar-se com o ideário da “revolução” recebeu qualificação decisiva para sua ascensão. Celso de Carvalho nasceu em 1923, em Simão Dias – SE, descendente de uma elite tradicional de políticos daquela cidade, bacharelou-se em Direito. Sua trajetória política teve início quando se elegeu prefeito de sua cidade, em 1947, pelo PSD; foi deputado estadual em duas legislaturas (1954-58 e 1958-62) e vice-governador (1963-64), período em que assumiu o governo 14 vezes em virtude das viagens de seu titular. 


Celso de Carvalho teve que conviver com os ditames da nova ordem com grande flexibilidade. Entretanto, encontrou dificuldades para manter autonomia política. No dia 4 de abril de 1964 Celso de Carvalho assume o Governo do Estado de Sergipe para cumprir o mandato de Seixas Dória permanecendo no Poder até janeiro de 1967, quando é substituído por Lourival Baptista, indicado pelos militares.

 

Segundo Ibarê Dantas, essa primeira fase do Estado autoritário, compreendida pelo período de 1º de abril de 1964 (data da vitória do movimento) a 27 de outubro de 1965 (em que foi publicada a edição do Ato Institucional nº 2), foi marcada pela convivência entre o governo militar e o sistema pluripartidário nascido nos anos 1940. Convivência difícil, pontuada por contradições, pela presença das Forças Armadas que emergiam como agentes preponderantes no cenário político, atuando como reguladora do Estado e da sociedade. 


Dilton Maynard (2015) aponta que o olhar sobre Sergipe acabou ampliado não só devido às escolhas políticas de Seixas Dória, mas também pelas diversas atividades de apoio às propostas de Goulart e, em tempos de severa crise econômica, pelo avanço de movimentos sociais que preocupavam tanto as elites locais como as estrangeiras. Para Maynard, na realidade Dória não foi deposto por instrução do comando nacional do Golpe, que não lhe retirou os direitos políticos nem o mandato, mas como explicou Nelson Hungria (2007), contra ele voltou-se, encarniçada e prepotente, a ação policial de autoridades militares do Nordeste. Caiu-lhe em cima, com mão de ferro, a ‘linha dura’ do IV Exército. 


Possivelmente é o envolvimento da sociedade civil que merece mais atenção dos historiadores, quando futuramente se referirem ao Golpe de 1964 em Sergipe. Mesmo a ideia de uma “tutela” parece tirar dos civis, dos nossos intelectuais, políticos, banqueiros, líderes religiosos, fazendeiros e comerciantes uma importante fração de responsabilidade nas mudanças sofridas com a ascensão da ditadura. 


É notório nas fontes historiográficas, que parte da sociedade civil, por vezes estimulada pelo exército, expressava seu apoio ao regime militar. O resultado dessa situação foi a dispersão de atribuições dos militares, que passaram a arbitrar intrigas entre os representantes da sociedade civil e o Legislativo Estadual. Assim tivemos um golpe civil-militar e a ditadura que se seguiu. 


Texto e imagens reproduzidos do site: cinformonline.com.br