terça-feira, 7 de dezembro de 2021

'O golpe civil-militar de 1964 e o Estado de Sergipe', por Ermerson Porto


Publicação compartilhada do site CINFORMONLINE 

 

O golpe civil-militar de 1964 e o Estado de Sergipe  

Por Ermerson Porto 


Em Aracaju, assim como em outras capitais brasileiras, a exemplo de Salvador, Recife, Maceió, Belo Horizonte, São Paulo, entre outras, as notícias imprecisas sobre a movimentação de tropas do Exército em 31 de março de 1964 inquietavam tanto os setores mais conservadores, que torciam pela intervenção militar, quanto aqueles resistentes a acreditar numa suposta mudança institucional. Outros, não confiavam nas promessas de melhoria do país pelos militares e continuaram a defender as Reformas de Base do Presidente João Goulart. 


Caro leitor, o governador do Estado de Sergipe, na época, João de Seixas Dória, que era um dos aliados do presidente João Goulart, estava em viagem no dia 31 de março de 1964 e, ao regressar em 02 de abril para a capital do Estado, foi preso e levado para o quartel do 19º BC (Batalhão de Caçadores), em Salvador, no dia 04 do mesmo mês. Em seguida, no dia 12 de abril, foi transferido para a ilha de Fernando de Noronha, onde passou 117 dias preso. A historiadora Célia Costa Cardoso (2015) afirma que a intensa participação de Seixas Dória na campanha presidencial de 1960, como correligionário de Jânio Quadros (UDN) no Estado, projetou mais ainda suas teses nacionalistas, constantes em seus discursos políticos. 


De carreira política ascendente, iniciou-se na vida pública como deputado estadual udenista, para depois adquirir notabilidade em âmbito nacional durante o exercício dos seus dois mandatos no Congresso Nacional, atuando também como membro da Frente Parlamentar Nacionalista. Diante dos embates políticos, Dória servia-se da astúcia de bom orador, adquirida com sua formação em Direito para defender a nacionalização da economia e as propostas de Jânio Quadros. Com a renúncia de Quadros em 25 de agosto de 1961, Dória foi afastando-se da UDN. Elegeu-se governador de Sergipe em 1962, pelo Partido Republicano, derrotando o udenista Leandro Maciel. 


Em depoimento ao cientista político Ibarê Dantas (1997, p.28), José Silvério Leite Fontes disse que “a grande questão que embaraçou a todos naquele momento foi como reagir”. Em Sergipe, sindicalistas da construção civil e lideranças dos ferroviários foram detidos pelo Exército. Houve também uma aglomeração de pessoas, mas sem entender, de fato, o que estava acontecendo em frente ao Palácio do Governo. A Praça Fausto Cardoso e o Clube do Trabalhador foram palco de prisões civis, como a do Deputado Federal Euvaldo Diniz (UDN), que em meio à aglomeração humana começou a discursar, mas em seguida foi preso” (Idem). A sociedade ficou perplexa, como noticiava o jornal sergipano “A Semana”: Na noite de quarta-feira da semana passada, forças do 28º BC, em Aracaju, efetuaram a prisão de Seixas, investindo no governo o vice Celso Carvalho. O Sr. Seixas Dória foi conduzido para Salvador, onde permanece preso e incomunicável no quartel do 19º BC. 


Após a deposição de Dória, foi convocado pelo major do Exército, Lário Lopes Serrano, comandante da 19ª Circunscrição do Serviço Militar, e empossado como novo chefe do Executivo o vice-governador, Sebastião Celso de Carvalho. IMAG 4 Ele não era udenista nem militar, mas ao identificar-se com o ideário da “revolução” recebeu qualificação decisiva para sua ascensão. Celso de Carvalho nasceu em 1923, em Simão Dias – SE, descendente de uma elite tradicional de políticos daquela cidade, bacharelou-se em Direito. Sua trajetória política teve início quando se elegeu prefeito de sua cidade, em 1947, pelo PSD; foi deputado estadual em duas legislaturas (1954-58 e 1958-62) e vice-governador (1963-64), período em que assumiu o governo 14 vezes em virtude das viagens de seu titular. 


Celso de Carvalho teve que conviver com os ditames da nova ordem com grande flexibilidade. Entretanto, encontrou dificuldades para manter autonomia política. No dia 4 de abril de 1964 Celso de Carvalho assume o Governo do Estado de Sergipe para cumprir o mandato de Seixas Dória permanecendo no Poder até janeiro de 1967, quando é substituído por Lourival Baptista, indicado pelos militares.

 

Segundo Ibarê Dantas, essa primeira fase do Estado autoritário, compreendida pelo período de 1º de abril de 1964 (data da vitória do movimento) a 27 de outubro de 1965 (em que foi publicada a edição do Ato Institucional nº 2), foi marcada pela convivência entre o governo militar e o sistema pluripartidário nascido nos anos 1940. Convivência difícil, pontuada por contradições, pela presença das Forças Armadas que emergiam como agentes preponderantes no cenário político, atuando como reguladora do Estado e da sociedade. 


Dilton Maynard (2015) aponta que o olhar sobre Sergipe acabou ampliado não só devido às escolhas políticas de Seixas Dória, mas também pelas diversas atividades de apoio às propostas de Goulart e, em tempos de severa crise econômica, pelo avanço de movimentos sociais que preocupavam tanto as elites locais como as estrangeiras. Para Maynard, na realidade Dória não foi deposto por instrução do comando nacional do Golpe, que não lhe retirou os direitos políticos nem o mandato, mas como explicou Nelson Hungria (2007), contra ele voltou-se, encarniçada e prepotente, a ação policial de autoridades militares do Nordeste. Caiu-lhe em cima, com mão de ferro, a ‘linha dura’ do IV Exército. 


Possivelmente é o envolvimento da sociedade civil que merece mais atenção dos historiadores, quando futuramente se referirem ao Golpe de 1964 em Sergipe. Mesmo a ideia de uma “tutela” parece tirar dos civis, dos nossos intelectuais, políticos, banqueiros, líderes religiosos, fazendeiros e comerciantes uma importante fração de responsabilidade nas mudanças sofridas com a ascensão da ditadura. 


É notório nas fontes historiográficas, que parte da sociedade civil, por vezes estimulada pelo exército, expressava seu apoio ao regime militar. O resultado dessa situação foi a dispersão de atribuições dos militares, que passaram a arbitrar intrigas entre os representantes da sociedade civil e o Legislativo Estadual. Assim tivemos um golpe civil-militar e a ditadura que se seguiu. 


Texto e imagens reproduzidos do site: cinformonline.com.br 

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