segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Manoel Hora: reforma agrária perde um de seus grandes defensores em Sergipe

Foto reproduzida do site 93noticias.com.br e postada pelo blog,
para ilustrar o presente artigo

Texto publicado originalmente no site JLPOLÍTICA, em 04/10/2020 

Manoel Hora: reforma agrária perde um de seus grandes defensores em Sergipe

Manoel Hora: legado inesquecível de um profissional sério, competente, democrata e sensível

Por Eliano Sérgio Azevedo Lopes *

Morreu na sexta-feira passada, dia 2 de outubro, o engenheiro agrônomo e extensionista da Emdagro Manoel Hora. Mas a sua contribuição para o desenvolvimento agrícola de Sergipe e, principalmente, a reforma agrária permanecerá como um legado inesquecível de um profissional sério, competente, democrata e sensível aos problemas do campo e de seus principais protagonistas: os camponeses e trabalhadores sem terra.

Conheci o Manoel quando trabalhamos juntos, no início dos anos 1980, na formulação e posterior implantação do Projeto Nordeste em Sergipe. Ele, ajudando a formatar o componente sobre Comercialização, ao lado de outro grande agrônomo que também já se foi, Clélio.

Eu, juntamente com o Eurico, era responsável pelo segmento de Monitoria e Avaliação do programa, na Assessoria de Planejamento do Pronese, sob a coordenação de um dos mais competentes economistas Sergipe: o meu grande amigo Benjamin Costa Araújo, colega do mestrado em Desenvolvimento Agrícola na FGV do Rio.

Tornamo-nos amigos e, quando a ditadura caiu, Manoel foi convidado a assumir a Superintendência Regional do Incra em Sergipe enquanto eu voltava a Rondônia, para ocupar o cargo de secretário-adjunto de Estado da Agricultura. Voltamos a nos encontrar em 1986, quando recebi o convite dele para vir trabalhar no Incra, primeiro como seu assessor e, depois, como assistente da Superintendência, cargo equivalente a superintendente adjunto.

O movimento pela execução da reforma agrária no Brasil estava a mil, com a criação do Programa Nacional de Reforma Agrária - IPNRA -, ainda no Governo Sarney. Manoel já era um profissional experiente, altamente capacitado e respeitado profissionalmente, além de extremamente generoso com os amigos, sensível aos problemas dos trabalhadores rurais e camponeses de Sergipe.

Tudo isso, resultado de sua longa trajetória como extensionista rural - na época em que mais do que conhecer agricultura, era crucial o extensionista conhecer o agricultor. A difusão da moderna tecnologia não era um fim em si mesma, e sim uma ferramenta para ajudar no desenvolvimento da agricultura e na melhoria das condições de vida e renda dos agricultores, notadamente os pequenos agricultores familiares.

E o Manoel não só sabia bem disso, como fazia com que isso ocorresse na prática, ao prestar os seus conhecimentos como agrônomo aos pequenos agricultores de Sergipe, dos municípios por onde passou, como extensionista da antiga Aster/SE, atualmente Emdagro.

Manoel Hora aliava a expertise técnica a uma visão política-ideológica situada no campo da esquerda, na defesa intransigente da democracia, do combate à extrema desigualdade na posse e uso da terra, que ainda hoje predomina no Brasil e em Sergipe, o que seria demonstrado durante a sua passagem pelo Incra/SE.

Após ter exercido vários cargos de alta importância no aparelho de Estado de Sergipe, chegando inclusive a ser secretário de Estado de Recursos Hídricos de Sergipe e coordenador-geral do Pronese, talvez sua maior realização, e no Governo Federal, como superintendente regional do Incra, Manoel continuou a contribuir para o desenvolvimento do Estado nas diversas funções que exerceu com honestidade, retidão de princípios e um ouvido atento aos reclamos e necessidades dos trabalhadores rurais e camponeses sergipanos.

As conquistas dos sem-terra, hoje assentados nos projetos de reforma agrária existentes em Sergipe, se devem ao esforço e determinação desse engenheiro agrônomo de quem os agraristas de Sergipe e, principalmente, os movimentos sociais no campo – MST e Fetase - jamais haverão de esquecer.

Não somente pelos inúmeros imóveis que conseguiu desapropriar e neles alocar trabalhadores rurais sem terra, historicamente apartados de seu principal meio de produção, mas também pelo comportamento e pelo respeito que Manoel Hora tinha por eles.

Exemplo: várias foram às vezes em que o Incra/SE foi ocupado por sem terra e assentados, jamais o Incra/SE, no período em que o Manuel esteve à frente desse órgão, chamou a Polícia Federal para retirá-los de lá – o que era comum acontecer em outros Estados.

Eu afirmo porque fui testemunha ocular: Manoel não somente coibia qualquer manifestação ou comportamento hostil de seus funcionários contra os acampados na sede do Incra/SE, como permitia total e irrestrita circulação na área interna do órgão e uso de suas instalações de banheiros e sanitários por parte deles.

Por fim, é importante que todos saibam que o Incra/SE, na gestão desse grande sergipano Manoel Hora foi talvez o único órgão que permitiu ao MST decidir, de forma democrática, a seleção dos trabalhadores sem-terra que vieram a ser assentados no Projeto Moacir Wanderley, no povoado Quissamã.

Manoel Hora conduziu uma vida digna de um profissional que tinha empatia, capacidade de fazer amigos e respeitar as diferenças, vendo a todos como iguais e escutando seus lamentos e aspirações com o ouvido atento de quem, de fato, se importa com o outro.

Vai em paz, amigo. Aqui na terra tu cumpriste com galhardia e competência a tua missão. Nós, teus amigos de luta por um país mais justo e igualitário e, principalmente, pela reforma agrária, lembraremos sempre de ti e jamais esqueceremos que lutaste o bom combate e fizeste o estava ao teu alcance para que a terra fosse bem dividida e ficasse em mãos daqueles que verdadeiramente a merecem: os camponeses e trabalhadores rurais de Sergipe.

[*] É doutor em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pelo CPDA/UFRRJ, professor aposentado da UFS e avô da Liz e da Bia.

Texto reproduzido do site: jlpolitica.com.br

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