segunda-feira, 21 de junho de 2021

Alma humana é retratada em novo livro do escritor de Jorge Carvalho

Publicação compartilhada do jornal CORREIO DE SERGIPE, de 19 de junho de 2021

Alma humana é retratada em novo livro do escritor de Jorge Carvalho

Por Wilma Anjos

Jorge Carvalho do Nascimento é um intelectual sergipano muito conhecido e conceituado no estado. Professor aposentado pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), doutor em Educação, jornalista e fotógrafo, ele já ocupou diversos cargos públicos. Em conversa com o Correio de Sergipe (CS), Carvalho deixou transparecer que sua relação com a escrita transcende a formação acadêmica. Seus 24 títulos publicados até hoje são fruto de uma inquietação criativa que o faz escrever diariamente, madrugada adentro. Seu mais novo trabalho, “JULHO”, é uma novela policial recém-lançada, que teve três versões antes de finalmente ser publicada. Na história, Verinha, filha de um professor, tenta desvendar os mistérios que cercam a morte de seu pai e sua irmã, divergindo dos policiais, que considera incompetentes. Jorge Carvalho conta como se deu a inspiração para a elaboração das 111 páginas da obra. Leitores frisaram a predominância da natureza humana na trama, ponto que rendeu elogios ao autor. Confira a conversa:

Correio de Sergipe: Vi o anúncio do seu livro no Portal dos Livreiros. A solenidade de lançamento foi dispensada em razão da pandemia?

Jorge Carvalho do Nascimento: Fazer lançamento de livro em tempos de Pandemia é promover aglomeração. O lançamento do livro ocorreu virtualmente, durante Roda de Leitura realizada na sessão da Academia Sergipana de Letras, transmitida pelo Canal YouTube da instituição, no dia sete de junho deste ano.

CS: JULHO foi seu primeiro romance de gênero policial?

JCN: Foi. Sempre publiquei ensaios acadêmicos nas áreas de Educação, Historia, Antropologia e Sociologia. Em 2020 fiz minha primeira incursão pela literatura propriamente dita, publicando O CARVALHO, um livro de crônicas. Este ano experimentei o romance, na verdade uma novela.

CS: Pretende se especializar em temas policiais?

JCN: Por enquanto a única coisa que sei é que até o final deste ano pretendo publicar a segunda edição do meu livro POSITIVISMO, CIÊNCIA E RELIGIÃO NO BRASIL. A primeira edição circulou em 1994. Este livro se encontra na editora, neste exato momento. Em casa, estou trabalhando em três projetos, concomitantemente. Um livro sobre a formação eclesiástica da Irmã Dulce, no Convento do Carmo, em São Cristóvão, durante a primeira metade do século XX; o livro JORNALISMO E COLUNA SOCIAL EM SERGIPE; e um novo livro de crônicas – O NASCIMENTO.

CS: Apesar de ser uma ficção, alguma personagem ou trama teve influência da vida real?

JCN: Neste campo, assumo a formulação de Aristóteles: “Nada está no intelecto sem antes ter passado pelos sentidos”. A ficção é real. O eu é diferente da realidade na qual ele está envolto, mas é impossível a alguém exprimir ideias sem considerar o seu acervo de experiências. Foi isso que nos ensinou o filósofo espanhol José Ortega y Gasset. Quando você̂ escreve, seja um ensaio histórico ou aquilo que convencionalmente é designado de ficção, expõe experimentos e saberes que observou e viveu. É a experiência, tal como concebida por um outro filósofo, o norte-americano William James. Enfim, estou dizendo que li muito romance policial, muitos ensaios históricos tratando da questão, muitos romances cuidando dos desvarios da mente e da tragédia da condição humana, das questões existenciais. Quando eu era criança e vivia com a minha avó Petrina, nas noites das quintas-feiras, sentados na calçada, à porta de casa, ouvíamos na Rádio Liberdade o programa “Cada Crime Tem Sua história”, com Silva Lima. Lembrei de crimes que me impactaram durante a infância, a adolescência e a juventude. Toda ficção é real, toda realidade é ficcional.

CS: Leitores comentaram no seu perfil que leram JULHO “numa sentada só”. A escrita também foi rápida? Em quanto tempo a obra ficou pronta?

JCN: Outra vez estou me remetendo aos filósofos. A conhecida frase de Hipócrates popularizada por Sêneca explica o que eu penso. “Vita brevis, ars longa”. A vida é curta, a arte é longa. Tom Jobim musicou: “Longa é a arte, tão breve a vida”. Demorei dez anos escrevendo esse trabalho. Tem dez anos que fiz a arquitetura da história. Estabeleci personagens, espaço, tempo, contexto. Escrevi a primeira versão. Não gostei. Dei a alguns poucos amigos que fizeram a leitura e produziram a crítica. Não gostei. Entreguei tudo à crítica roedora das traças, no fundo de uma gaveta. Cinco anos depois, retomei. Escrevi uma nova versão. Pedi a amigos diferentes dos primeiros para criticar. Outras dimensões de crítica. Não gostei. Guardei novamente. No início do ano passado retomei e produzi uma terceira versão. Antes de fazê-la, lembrei dos conselhos de Carlos Drummond de Andrade: “Escrever é a arte de cortar palavras”. Peguei o textão que eu tinha da versão anterior e o reduzi ao mínimo. Entreguei a quatro amigos. Dois gostaram muito, mas fizeram ponderações que eu incorporei. Outros dois consideraram muito ruins e produziram outras tantas críticas. Incorporei várias dessas, menos a de que não servia para publicar por ser muito curto. Tomei coragem, publiquei a quarta versão. Passei dez anos para produzir um livro de 111 páginas. Sou uma espécie de bicho preguiça literário. Ainda bem que tive coragem de publicar. Os leitores estão gostando mais do que eu.

CS: Você̂ segue algum ritual de processo criativo? Tipo: mudar para outra cidade, trocar de dieta, escrever sempre no mesmo horário, enfim.

JCN: Em dez anos há tempo suficiente para você̂ visitar todos os continentes do planeta. Escrever na cidade que você̂ desejar e o seu dinheiro permitir. Infelizmente, falta-me o vil metal para me entregar a esses luxos criativos. Meu ritual criativo segue o conselho de Jorge Amado: Escreva diariamente. Pouco importa o quê. Escreva sobre várias coisas ao mesmo tempo. Faça cada dia um texto diferente. É um exercício importante. Mesmo que você̂ escreva, leia, não goste e jogue tudo fora. Mas, nunca abandone o exercício de escrever todos os dias. Eu escrevo diariamente, entre as oito da noite e às duas da madrugada. Na maior parte das vezes, quando acabo de escrever jogo tudo fora porque acho muito ruim.

CS: Você̂ toma algum autor como inspiração?

JCN: Para escrever sobre crimes, me agradam muito os trabalhos do historiador Boris Fausto e do escritor Rubem Fonseca. Para entender a condição humana, não há ninguém igual a Nelson Rodrigues. Penso que minhas referências são pobres e bastante conservadoras, para a maior parte dos que gostam de literatura.

CS: Algumas palavras-chave de seu livro no Portal dos Livreiros são: esquizofrenia e guerra psicológica. Pode esclarecer essas escolhas?

JCN: Meu livro trata da alma humana. Meu amigo professor de Direito, Gustavo Calçado, fez uma resenha do meu livro e citou Friedrich Nietzsche: “Na mesa de minha alma sentam-se muitos e eu sou todos eles. Há um velho, uma criança, um sábio, um tolo. Você̂ nunca saberá́ com quem está sentado ou quanto tempo permanecerá com cada um de mim. (…) Desde logo, evite ilusões: também tenho um lado mau, ruim, que tento manter preso e quando se solta me envergonha. Não sou santo, nem exemplo, infelizmente. Entre tantos, um dia me descubro, um dia serei eu mesmo, definitivamente”. Isto resume tudo.

CS: Você̂ é professor aposentado da UFS, doutor em Educação, jornalista e fotógrafo. Apesar de multifacetado, seu propósito primordial é se firmar como autor?

JCN: Publiquei 24 livros. Meu propósito primordial é viver intensamente e ser feliz. Esteja dando aulas, pesquisando, escrevendo, viajando ou fotografando. Eu quero estar no mundo. Afirmação é um detalhe adolescente. Não me pertence mais.

CS: Que mensagem você̂ deixa para quem deseja se tornar escritor?

JCN: Escreva diariamente. Leia todos os dias. Olhe o mundo ao seu redor. Seja generoso com a alma humana, sem permitir tornar ato a perversidade potencial de cada um. Inclusive a própria.

Texto e imagem reproduzidos do site: ajn1.com.br

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