Publicado originalmente no Perfil do Facebook de Antonio
Samarone, em 4 de setembro de 2021
Por Antonio Samarone
Um senhor franzino, baixinho, pele alva, com um sorriso
permanente, fazia em voz alta o seu reclame: “ela é gostosa, saborosa, uma
delícia.” Esse pequeno empreendedor era Lídio dos Santos, vendendo as cocadas
que ele mesmo produzia.
Lembro-me de Lídio cantando em versos, pelas ruas do
Aracaju:
“Sou vendedor de cocada/ Gritando todo o santo dia/ Tem da
branca e da preta/ Alô, como vai, dona Maria.”
“Eu trabalho para comer/ Pra de fome não morrer/ O trabalho
é grandeza/ O preguiçoso vai sofrer.”
“Amigo falar é fôlego/ Realizar é uma dureza/ Bom mesmo é
ter saúde/ E muita comida na mesa.”
Lídio dos Santos nasceu em São Brás, nas Alagoas, em 29 de
dezembro de 1915. Filho de pataqueiros, seu Marcionilo e Dona Francisca,
trabalhadores rurais sem-terra, que viviam de pequenos ganhos em roças alheias.
Lídio possuía três irmãs.
Cedo, a família partiu em busca de um ganha pão.
Desembarcaram em Propriá, uma vida nova. Foram trabalhar na fábrica de tecidos
e a mãe, dona Francisca, passou a vender arroz doce na porta da fábrica. Saíram
da pobreza absoluta.
O doutor Moacir descobriu um carroço no pescoço de Dona
Francisca, um caso que necessitava de uma intervenção cirúrgica.
Não existia o SUS, mas o doutor fez uma carta para o famoso
Augusto Leite, em Aracaju, solicitando a ajuda do colega.
Em 1926, a família partiu no vagão de carga do trem, em busca
de socorro em Aracaju. Lídio tinha 11 anos.
Ao receber a carta e examinar a retirante, o Dr. Augusto
Leite autorizou o internamento imediato, no recém-criado hospital de Cirurgia.
Em duas semanas dona Francisca recebeu alta, operada pelo médico rico e famoso,
o melhor de Sergipe, sem custar um centavo.
A medicina ainda era um sacerdócio.
O pai de lídio e as irmãs foram trabalhar na fábrica, Lídio,
ainda menor, foi ser ajudante de pescaria, nos mangues do Rio do Sal. Logo
cedo, aos 14 anos, Lídio já estava no chão da fábrica, ocupando o valioso posto
de operário.
Em 1930, Lídio ingressou na classe operária, salário
garantido, seis mil réis por semana. Em pouco tempo, Lídio resolveu trabalhar
como autônomo, foi jogar tarrafa no Rio do Sal, ser pescador.
Em 1935, Lídio começou a reunir os pescadores, com a
proposta do direito de pescar nos viveiros e salinas da região. A Capitania dos
Portos autorizou a pesca nos viveiros, desde que houvesse o consentimento dos
proprietários.
Fundaram a primeira Colônia de Pesca de Sergipe, a Colônia
Z, em 1933.
Lídio da Cocada, sem nenhuma formação política, sem
pertencer a nenhum Partido, passou a ser visto como um agitador político, um
comunista.
Aprendeu com a vida a enfrentar as injustiças. Aprendeu a
ler sozinho, depois de adulto. Não era ateu, acreditava numa divindade natural
(uma heresia). Foi militante da igualdade e da fraternidade entre os homens.
Desconfiava das religiões, acreditava no trabalho, na justiça e na vergonha do
homem.
Ingressou nas hostes do Partido Comunista Brasileiro (PCB),
em 06 de janeiro de 1936.
Dizia Lídio da Cocada:
“Eu me posicionei contra as malandragens do regime
capitalista. Isso aqui não tem conserto, porque os magnatas não querem e a nata
da população brasileira é escravocrata, aceita passivamente o regime de
escravidão.”
“Lamentavelmente, a maioria dos brasileiros só é “valente”
no sambódromo e nas arquibancadas dos campos de futebol.”
“Essa sociedade não fede, mas é podre”, “Tudo o que tem nome
tem dono”, dizia Lídio em suas conversas com os pescadores.
Lídio da Cocada, foi um militante destemido da liberdade.
Em sua simplicidade, tinha uma visão profunda do mundo:
“Nos, filhos de uma explosão que teria dado origem a vida
aqui na Terra, somos apenas sementes do tempo e filhos da natureza. De uma
coisa eu tenho certeza, não sou descendente de Adão e Eva.”
Lídio deixou um manuscrito sobre a revolução de 1964, ainda
inédito, desconhecido dos historiadores. Lídio tornou-se um “livre pensador”,
como ele se definia na velhice, O seu manuscrito é lúcido, sonhador e atual:
“Tenho a pretensão de convocar, através deste livro, o povo
brasileiro a não aceitar nunca mais qualquer espécie de golpe militar, venha da
direita ou da esquerda. A democracia é a melhor forma de governo.”
Depois do Golpe de 1964, Lídio viveu em completa
clandestinidade dentro dos manguezais da grande Aracaju. O seu esconderijo foi
ao lado de aratus e caranguejos. Foi caçado ostensivamente pelo exército.
Lídio da Cocada ficou escondido até a anistia. Passou a
ditadura dentro dos manguezais e dos rios de Sergipe, camuflado pela lama, para
não ser preso pelo crime de lutar pela liberdade.
Lídio para fugir dos calabouços da ditadura, sobreviveu como
homem caranguejo, com a complacência e a solidariedade de pescadores e
marisqueiras. Isso em Aracaju. Depois
fugiu para o Rio de janeiro.
“Eu, Lídio da Cocada, hoje com mais de 88 anos, acredito que
só lutando pela paz, poderemos construir um mundo melhor”, diz ele no
manuscrito.
Lídio da Cocada faleceu em 02 de junho de 2015, aos 99 anos.
“Sonhei que estava no céu/ Os anjos todos me abraçando/ Seja
bem-vindo meu irmão? Deus está lhe esperando.” – Lídio da Cocada.
Texto e imagem reproduzidos do facebook/Antonio Samarone
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