terça-feira, 5 de julho de 2022

'Rita Peixe Mulher Lendária', por Ribeiro Filho

Legenda da foto: Rita e Zé Peixe sendo homenageados na Marinha do Brasil, 
Capitania dos Portos de Sergipe.

Legenda da foto: Rita com os filhos Robert Shunk Ana Luiza Nunes Shunk Ana Rita Shunk e as netas Maíra e Luana Shunk.

Texto compartilhado de post do Perfil/Facebook/Ribeiro Filho, de 4 de julho de 2022

Rita Peixe Mulher Lendária
Por Ribeiro Filho

Ontem foi um dia triste, dia de despedida de Rita Ribeiro Nunes Shunk, um ícone da "Geração Oxente", que mexeu com os brios da recatada sociedade provinciana de Aracaju, das décadas finais do século passado. Como toda lenda urbana, muito do que se conta e se propaga tem um fundo de verdade. A curiosidade sempre fica aguçada, quando se trata de pessoas de grande projeção, criam-se realidades paralelas, alguns exageros são cometidos e, o preconceito as vezes reproduz fatos irreais.

Vamos começar esclarecendo que Rita Peixe era Irmã de Zé Peixe - José Ribeiro Martins Nunes, o prático sergipano, mais famoso do mundo. Muita gente pensa que Rita Peixe era a mãe ou esposa de Zé Peixe. Contudo, olhando pelo plano familiar, Rita Peixe era a mulher forte e esteio de toda família. Era ela quem cuidava da vida cotidiana de Zé Peixe e do irmão Antônio Ribeiro Martins. Era ela quem cuidava das compras básicas da casa e da vida financeira dos irmãos. Pois Zé Peixe não tinha nenhuma vocação para o trato com dinheiro, se deixasse, ele distribuía todo seu salário de Prático, com os pedintes e pessoas que o procuravam para pedir ajuda.

Durante a semana era comum encontrar "Dona Rita" acompanhada de Seo Júlio, percorrendo suas casas e apartamentos, para fazer os reparos, para alugar ou vender. Rita era uma mulher dinâmica, era a mãe, avó, irmã e pai de toda familia Ribeiro Martins e Shunk. Como sou amigo da família, tinha uma convivência mais particular. Além da vida de glamour das noites musicais da boemia de Aracaju, costumava encontrar com ela, nas lojas de material de construção, nas lojas de material escolar, fazendo compras para resolver, cuidar e administrar a vida familiar, como qualquer mulher proativa da atualidade. PS. Seo Júlio era o fiel escudeiro de Rita Peixe, era uma funcionário faz tudo, que fazia os reparos hidráulicos, marceneiro e pedreiro. 

Além dos irmãos, Rita Peixe tinha todo cuidado com os seis filhos, fruto do casamento com o engenheiro norte-americano Dwight Shunk. Ainda jovem Rita Peixe se viu com a responsabilidade de cuidar dos filhos. Abandonada pelo marido, ele teve que cuidar da educação e do futuro da extensa prole, e ainda enfrentar o preconceito da provinciana e católica sociedade sergipana, dos anos de 1970 e 1980.

A Rita das noites boêmias e da arte 

Se vocês pensam que ela deixou de ser feliz e celebrar a vida em alto estilo, enganaram-se. Rita acolheu outra mulher forte e destemida, Lu Spinelli, ela alugou sua casa da avenida Ivo do Prado para, que Lu Spinelli abrisse sua primeira academia de Dança. Em sua casa do sítio, na Visconde de Maracaju, Rita reunia a nata da intelectualidade rebelde de Aracaju, os poetas, músicos, atores, artistas plásticos, escritores, dançarinos, e toda uma plêiade da fina boemia da cidade, parte da "Geração Oxente". Assim, Rita reunia em seu sítio, todos os filhos rebeldes, que a sociedade conservadora sergipana rejeitava.

Aliada a esse exército de rebeldes intelectuais, Rita encontrou forças para enfrente o preconceito, e a pesada pecha de mãe solteira. Com esses fortes aliados, a Rita levou seu sorriso, e sua beleza para as noites da boemia de Aracaju. Ninguém ousava apontar um dedo, ou torcer o nariz para essa turba de artistas irreventes. Eram a vanguarda das artes, que estavam em sintonia com os movimentos culturais e sociais que fervilhavam pelo mundo. A rebeldia da geração pós Festival de Woodstock, dos iconoclastas do Movimento Hippie, que pregavam o amor livre, o pacifismo e harmonia com a natureza. Eram jovens que pensavam e viviam alem do seu tempo. Estavam antenados com o movimento da Contracultura, que questionava e negava todos os padrões da cultura vigente, que visava quebrar tabus e contrariar normas e padrões culturais que dominam uma determinada sociedade. Em geral, as ações de contracultura surgiram de jovens descontentes com a vida e os padrões estabelecidos por seus pais.

Essa geração de artistas rebeldes impôs seus novos conceitos de família, e de convivência social, as vezes chocando toda sociedade aracajuana, com suas atitudes e discursos em atos públicos, e na noite boemia da cidade. Rita Peixe foi amiga particular do colunista social e jornalista João de Barros "Barrinhos", que realizou durante mais de uma década o Baile dos Artistas. O Baile dos artistas abria o Carnaval de Aracaju, era a festa mais radical, quando se tratava de romper com os conceitos vigentes. O Baile dos artistas quebrava todos os tabus e conceitos constituídos da sociedade careta e hipócrita, da nossa provinciana cidade. Rita Peixe era a madrinha e a Rainha desse baile do Barrinhos. 

No final da década de 1980, uma amigo, filho de uma tradicional família de Aracaju, resolveu assumir sua homossexualidade, mais ainda, decidiu desfilar como travesti, nas noites da Rua da Frente. Para esconder sua identidade, ele dizia para os outros travestis, que era filho da famosa Rita Peixe.  Quando falei para ela sobre o esse caso, ela deu boas risadas e disse, que ela poderia sim, continuar usando seu nomee sobrenome. Rita era assim, uma mulher além do seu tempo e dos conceitos da sociedade conservadora em que viveu.  Recebia e acolhia com muita alegria, todos os rebeldes e deserdados, todos que sofriam com os preconceitos vigentes. Além dos seus filhos que foram criados com sua proteção de super mãe e super mulher, dos irmaos que ela tambem protegia e cuidava, Rita Peixe abriu sua casa para acolher os filhos rebeldes de outras tantas famílias, que não compreendiam e não aceitavam, as mudanças sociais, que aconteciam em várias partes do mundo. 

Todas as vezes que a gente se encontrava em lugares públicos, ela fazia questão de pedir um beijo de lábios, um selinho. Ela nunca perdeu sua alegria desafiadora, e nunca cedeu aos padrões e normas caretas de sociedade em que viveu. Detalhe, apesar de gostar da vida boêmia, das noites de seresta e música, Rita Peixe não bebia uma cerveja sequer, não gostava  de beber nenhuma bebida alcoólica. Ela gostava mesmo era de cantar, dançar e ouvir a cantoria dos românticos. Ela era a companhia ideal para os bêbados e loucos da cidade. Era o anjo que conduzia todos com segurança, ao amanhecer. 

Eitcha ia esquecendo, Rita Peixe, assim como seu irmão Zé Peixe, era uma exímia nadadora, participou e venceu várias vezes a Travessia Almirante Tamandaré, prova que acontecia da Capitania dos Portos para a Barra dos Coqueiros, prova de 800 metros atravessando o Rio Sergipe. 

Rita Peixe está sendo festejada com seresta, pelos amigos que já a esperam no céu dos artistas e rebeldes.

Texto e imagens reproduzidos do Facebook/Ribeiro Filho

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