quarta-feira, 13 de julho de 2022

'Rosa Faria', por Ismael Pereira

Legenda da foto: Rosa Moreira Faria 28.04.1917 - 01.05.1997

Publicado originalmente no blog Academia Literária de Vida, em  30 de abril de 2022

Saudade 

Rosa Faria 
Por Ismael Pereira*

E um poeta disse: “Fala-nos da beleza”. E ele respondeu:

Onde procurareis a beleza e como a podereis encontrar a menos que ela mesma seja vosso caminho e vosso guia? (Khalil Gibran.)

    Quando nasceu Rosa Faria, ilustre sergipana de Capela, em 28 de abril de 1917, com certeza um coro de anjos celestiais repartiam talentos e dons. Coube a Rosa, por antecipação da sua dignidade e do seu merecimento, o botão da criatividade que se faz arte como fortuna inviolável e herança divina, que a nossa Rosa sabiamente multiplicou, chancelando-a com o selo indispensável do cuidado, do compromisso com a sua vocação, e especialmente pelo amor cívico que dedicou à história do seu país e às pessoas da sua terra. Rosa cresceu como uma flor de rara beleza, suavidade e nobreza, aprendendo com a família: seu pai, o artista João Guimarães Faria, conhecido como João da Luz –, que trabalhava no Serviço de Luz e Força -, e sua mãe, Arminda Faria, pessoas simples e generosas, que lhe deram farto exemplo de convivência humana. Destaca-se a presença da sua avó, Rosa Moreira Frião, professora de ilustres sergipanos, pianista e poetisa que também contribuiu para o aperfeiçoamento intelectual e artístico dos tesouros humanos herdados por Rosa.

    Assim, Rosa Moreira Faria, cresceu e aprimorou seu cabedal artístico-cultural ao fazer o curso de artes plásticas no Departamento Nacional do Serviço de Aprendizagem Industrial, no Rio de Janeiro e o curso de desenho artístico com autorização para lecionar em qualquer parte do território brasileiro, servindo apenas como um complemento, vez que ela ao receber o sopro da vida, concomitantemente foi abençoada pela luz da sabedoria, como dádiva do Criador.

    Mulher admirável, detentora de irretocável formação religiosa, moral e cívica, a nossa Rosa se tornou única, desenvolvendo um dinamismo ímpar, inspirando-se em inesgotável fonte de criatividade. Peculiar, face aos limites da mulher no contexto da sua época, colocou a sua dignidade inteira à disposição do seu talento artístico e das suas múltiplas vocações, exercitando as suas escolhas acadêmicas ou profissionais, sempre com firmeza e suavidade. Foi professora, artista plástica, pesquisadora, historiadora, escritora, biógrafa, telegrafista, jornalista, taquigrafa e poetisa. Foi, portanto uma mulher extraordinária, que se entregou à diversidade e às exigências da sua arte e do seu trabalho, empreendendo os fazeres da vida com tanto amor, probidade e dedicação, e de tal modo se entregou as ações que desenvolveu que hoje, todos nós, capelenses, sergipanos, brasileiros, afortunadamente podemos nos orgulhar e compartilhar a soberania do seu exímio talento no portfólio da sua (da nossa) história.

    Sua obra foi calcada notadamente na inconfundível escola Naif, uma escola de origem francesa transposta para a circunstância cultural brasileira. A paixão de Rosa Faria pela arte Naif, ou primitiva para alguns críticos, se ajusta perfeitamente no que disse o fundador do Museu de Arte Naif do Rio de Janeiro – Lucien Finkeistein: “Uma paixão não se explica, vive-se.” Assim foi a paixão de Rosa Faria, como também foi a paixão dos consagrados pintores Naifs: Henri Rousseau, Louis Vivin, Andre Bauchant, Monsueto, Heitor dos Prazeres, Chico da Silva, Valdomiro de Deus, Antonio Poteiro e outros titãs vinculados ao primitivo moderno. Rosa Faria descobriu no mundo encantado e encantador do Naif, a singeleza das cores básicas e o belo universo das formas simplificadas, sem rodeios e sem os rigores das formalidades programáticas; seus traços, decisivos e firmes, percorriam religiosamente o caminho por ela traçado para chegar onde pretendia no contexto de sua obra, sublimando assim seus mais puros sentimentos estampados na planimetria das telas e na delicada superfície multifacial das peças de porcelana que tão esmeradamente pintou.

    Mulher singular e ao mesmo tempo plural, inquieta, polivalente e perfeccionista, características marcantes da artista da terra do saudoso Padre Juca, Capela, a gloriosa – “princesa dos tabuleiros.” Nos longos caminhos percorridos em vida, Rosa, com seu carisma natural, recebeu muitas rosas, mas também teve que enfrentar com determinação, altivez e coragem a agudeza dos espinhos encontrados no caminhar. Foi assim que a nossa inesquecível artista capelense pesquisou, telegrafou, taquigrafou, com mestria fez poesia, ensinou o que sabia, escreveu, fez noticia para o jornal, bordou e pintou com as tintas de sua alma pulcra os mais sagrados cantos e recantos da sua querida Aracaju, capital do pequeno notável Estado de Sergipe, ao qual Rosa Faria prestou relevantíssimos serviços.  

    Por julgar oportuno, louvo esta tão feliz iniciativa da Associação Sergipana de Imprensa, capitaneada pelo dinâmico Presidente Cleiber Vieira, pois acender todos os seus litúrgicos turíbulos para incensar a memória de tão insigne figura sergipana, é praticar o nobre gesto do necessário reconhecimento. 

Portanto, é importante ressaltar que a nossa Rosa Faria, cuidou muito bem dos tesouros que Deus lhe deu, e por sua persistente vocação, por seus sonhos quase sempre solitários e carentes de apoio à preservação e elevação da nossa cultura, e da nossa memória, essa mulher invulgar construiu com as suas próprias mãos sempre ocupadas com a arte de incomparável talento, uma obra de inestimável valor histórico, seu legado de eterna referência à nossa própria história.

    Finalizo afirmando com a mais absoluta convicção – se mais vida tivesse por amor a Sergipe muito mais “Rosa Faria.”

* Artista Plástico

Texto e imagem reproduzidos do blog: academialiterariadevida

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