segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Artigo > 'A bordo do Luzitânia', por Marcos Melo

Foto reproduzida do Facebook/Luzitania Lanches e postada pelo blog 'SERGIPE, sua terra e sua gente', para ilustrar o presente artigo.

Texto compartilhado do site RADAR SERGIPE, de 12 de fevereiro de 2023 

A bordo do Luzitânia 
Por Marcos Melo*

Não, não se trata do portentoso transatlântico inglês, irmão mais velho do Titanic, afundado por submarino alemão na Grande Guerra. O Lusitânia a que me refiro está mais para uma ágil caravela, daquelas que só faltavam dar marcha ré e foram decisivas para que os intrépidos navegadores portugueses conquistassem terras longínquas em mares desconhecidos.

 Pois é, na última sexta-feira, dia 3 de fevereiro, na luxuosa companhia do modernizador de Aracaju, o ex-prefeito João Augusto Gama e, do paladino do desarmamento, o coronel Luiz Fernando Almeida, estivemos metaforicamente embarcados numa daquelas aguerridas caravelas cabralinas para uma inolvidável degustação de iguarias portuguesas. 

 Sim, de fato, fizemos um memorável passeio gastronômico a bordo do Luzitânia Lanches, pilotado pelo capitão de longo curso, Abelzinho, filho do lendário navegador Abel Gonçalves, português de quatro costados, que por aqui aportou, inicialmente em Propriá, na década de 1940, a chamado do patriarca Agostinho Gonçalves, para pilotar as emblemáticas lojas “A Brasiluso” e “Os Gonçalves”, as mais sortidas do comércio, quando a Princesa do São Francisco era a cidade mais pujante do interior sergipano.

Já em Aracaju, na década de 1960, Abel montou seu próprio negócio, na Rua de Laranjeiras, ao lado da Igreja São Salvador: “A Luzitânia”. Loja de artigos para homens como sapatos, cintos, roupas e demais acessórios. Eu fui seu cliente, pois o conhecia desde quando ele morou em Propriá, onde era visto pelos pais das moças casadoiras como um bom partido, pela seriedade, porte elegante e dinheiro no bolso. Lembro que, quando fui fazer um curso de pós-graduação em Porto Alegre, em 1968, comprei na Luzitânia mala, sapatos e um casaco para enfrentar o inverno gaúcho. 

 Profundo conhecedor dos hábitos de consumo do aracajuano, na década de 1980, Abel Gonçalves decidiu mudar de ramo e fundou, no mesmo endereço, o Luzitânia Lanches, que há mais de 40 anos tem feito a alegria de paladares exigentes no que se refere à comida portuguesa.

Pois bem, aboletados no castelo de popa do Luzitânia Lanches, iniciamos os trabalhos traçando o melhor bolinho de bacalhau que se possa imaginar. Feito nas regras da arte com as matérias primas e os condimentos apropriados, esse bolinho, harmonizado com o precioso vinho tinto que nos foi servido, faz com que as papilas gustativas deem cambalhotas de felicidade. Em seguida, depois de um breve descanso das mandíbulas, atacamos de bacalhau à moda da casa, que não fica nada a dever aos Gomes de Sá da vida e quejandos.

 Curioso, perguntei a Abelzinho onde ele adquiria o bacalhau, se no comércio local ou em outra praça. Disse-me que comprava em Recife, para onde ia pessoalmente buscá-lo, depois de rigorosa inspeção do produto. Deu-nos uma aula sobre a importância de se fazer os cortes com precisão e nas medidas certas a fim de se conseguir o aproveitamento integral e manter a consistência das peças. Para tanto, utiliza-se de facas especiais, e mostrou-nos uma serrilhada e amoladíssima feita de titânio. 

 A essa altura Abelzinho apresentou-nos a um encorpado vinho verde, prata da casa, e, com esse precioso líquido nas taças, fizemos um emocionado brinde a memória do empreendedor Abel Gonçalves, seu saudoso pai e nosso estimado amigo.

 Já passava das 16 hs quando adentrou na proa do Luzitânia Lanches o professor Jouberto Uchoa, timoneiro de grandes embarcações e navegador em mares revoltos. Como nós, foi se deliciar das iguarias de bordo. Informados de sua ilustre presença, gritamos seu nome, e ele, atenciosamente, veio até nós, no castelo de popa. Sentou-se e, a pedidos, cantarolou o conhecido samba-canção “Alguém me Disse”, de Evaldo Gouveia e Jair Amorim, grande sucesso na voz de Anísio Silva.

Para quem não sabe, Uchoa é um cantor afinado. Pensou inclusive em se profissionalizar, mas a enorme vocação de educador falou mais alto. Para o bem de Sergipe e do Nordeste.

Enfim, às 17:30 hs desembarcamos do Luzitânia Lanches, ancorado no porto de sempre, à Rua de Laranjeiras, 102. 

* Marcos Melo é professor emérito da UFS e membro da ASL.

Texto reproduzido do site: radarsergipe.com.br

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