A fotografia de Ilma Fontes, no alto da página, é de autoria de Janaina Santos.
O escritor Jorge Domingos, residente em Petrópolis (RJ), tem em mãos o jornal O Capital.
Publicado originalmente no site Jornal o Boemio, em 14 de julho de 2017.
Ilma Fontes e o Jornal "O Capital"
Por Eduardo Waack
Ilma Fontes é figura legendária da literatura nacional, da
nordestinidade e do jornalismo alternativo. Mulher tão forte quanto bela,
partiu corações e fez muitos intelectuais reverem opiniões, embalados pela
clareza de sua presença iluminada e rara. Não é figura fácil, defende suas
posturas com a mesma firmeza com que acolhe amigos oriundos dos quatro cantos
do planeta. Tenho o enorme prazer de conhecê-la há quase 27 anos, quando um dia
recebi em minha casa, no final de 1991, um exemplar de O Capital. Meses antes,
amigos comuns residentes em Pernambuco lhe entregaram a edição nº 09 de O
Boêmio, jornal por mim editado.
Era um tempo em que as pessoas se escreviam longas cartas,
que o correio postal entregava e eram aguardadas com verdadeira ansiedade. Não
havia internet e nem telefones celulares, que diluem os afetos e afastam os
seres, dando a falsa impressão que nos une a todos numa aldeia global. O mundo
digitalizado sufocou os afetos e esfriou os carinhos. Com o mesmo carinho
recebi cada uma das 276 edições de O Capital que Ilma gentilmente me enviou
mensalmente. A alegria contagia toda a família, pois este valente jornal tem
lugar cativo em minha residência, em cima do balcão que une a cozinha à sala.
Sempre existe um exemplar de O Capital à disposição de quem chega em casa, e
tê-lo à mostra me faz tanto bem quanto a felicidade de respirar sem precisar
pagar. Ler Ilma é saber e sentir que estamos vivos e atuantes.
Por suas páginas passaram aplaudidos nomes da cena cultural
brasileira, e pequenos grandes segredos tornaram-se públicos. Ilma vai até as
últimas consequências para honrar seus compromissos e sua posição. Exemplar
cronista, ela deixa o nome de Sergipe, e em especial sua querida Aracaju, em
evidência no atlas nacional. Lembro-me das colunas de Newman Sucupira e Mano
Melo, dos poemas de Ane Walsh, Maria Cristina Gama e Djanira Pio, da fresca
elegância de Araripe Coutinho, suave como o perfume de flores silvestres.
Lembro-me de Rosemberg Filho e Lapi, viajo com Henry Jaepelt e Márcia
Guimarães. E sou leitor assíduo dos 24 Comentários de Jorge Domingos. Ilma é a
nossa grande mãe, nossa mestra, irmã e musa inspiradora. Aonde ela vai, vamos
todos nós. Seus editoriais reunidos são literatura da melhor qualidade.
E assim seguimos esta batalha num intenso intercâmbio. Somos
resistentes ao ordinário, o que fazemos é cultura popular independente e
evolucionária. O destino nos uniu. Como me disse certa vez na Universidade de
São Paulo o poeta concretista Augusto de Campos, referindo-se a Haroldo, somos
irmãos siamesmos. A primeira edição de nossos jornais foi publicada em 26 de
junho de 1991, no mesmo dia, mês e ano. O Capital para mim é referência
obrigatória, é tendência, vanguarda e história. Ele me guia como um pastor
conduz suas ovelhas. Procuro dialogar com O Capital e resolver os enigmas por
Ilma propostos. E tenho em mente uma certeza. Enquanto existir O Capital e Ilma
Fontes, eu sigo editando O Boêmio. Um dia sei que não estaremos mais aqui.
Porém fizemos a nossa parte, estamos fazendo, acertando e errando, da melhor
maneira possível. Ilma é a serena lua cheia que cruza os céus da poesia, e
ilumina os apaixonados na longa noite latino-americana. Ilma Fontes sou eu, eu
sou Ilma Fontes.
Texto e imagens reproduzidos do site: jornaloboemio.wordpress.com
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