segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Um filho da terra que fez nome em Paris

Horácio Hora

Publicado originalmente no blog Academia Literaria de Vida, em 16/09/2018 

Um filho da terra que fez nome em Paris

Por Shirley Rocha

Os grandes artistas quase sempre têm uma vida difícil,  passam por períodos de altos e baixos, fases em que o sucesso é visto a qualquer obra, outras por mais que trabalhem não obtêm o reconhecimento. Geralmente na terra natal não ganham fama, nem prestigio, que talvez só venha após sua morte. Vivem romances e paixões avassaladoras. Por algumas dessas coisas passou também o pintor sergipano, Horácio Hora, nascido em 17 de setembro de 1853, em Laranjeiras, município de Sergipe, falecido em 28 de fevereiro e enterrado no dia 1 de março de 1890, em Paris, ainda muito jovem com 37 anos. A notícia de sua morte foi publicada no jornal Gazeta de Sergipe, do dia 2 de abril de 1890, número 77.

Horácio Hora fez seus estudos primários em escola pública, mas se revelou aluno aplicado, mas sem ter conseguido aprender muita coisa, pois preferia viver esboçando desenhos no papel, nas pedras, nas paredes e nas calçadas de Laranjeiras, conquistando muita antipatia por parte dos moradores que encontravam seus muros com aqueles rabiscos e caricaturas. Era a veia artística predominando, evidenciando a sua natural inclinação para a pintura, mas que por falta de uma escola, de professores aptos, ficaria tolhida e entregue aos seus inúmeros ensaios. Assim, buscou o espirito aventureiro existente em nós todos e partiu para a Europa em junho de 1875, mediante a subvenção concedida pela Assembleia Legislativa, conseguida a muito custo e tempo de espera e pedido de amigos. A subvenção anual era de dois contos de réis, por espaço de três anos ele se via obrigado a “indenizar a Thesouraria Provincial depois que concluir os seus estudos, de toda a quantia que houver recebido” – documento assinado por Antônio dos Passos Miranda, presidente da Província de Sergipe, com data de 6 de maio de 1874.

Chegando a Paris, matriculou-se no mesmo ano na escola de Belas Artes, frequentando uma escola de município, de desenho e escultura dirigida pelo professor Justin Lequien, cujas lições lhe foram de grande utilidade, Já com oito meses de curso, recebeu o título de Aluno Modelo e o Primeiro Prêmio no Concurso Geral de todas as escolas de Paris. Passado mais de seis anos, com vários títulos pela experiência adquirida, “volta em junho de 1881 da culta Europa com o talento fortalecido na escola dos melhores mestres”.

Sergipe acolheu com orgulho o filho da terra, e sua mãe Maria Augusta Hora, que tinha lhe incentivado muito para a viagem, recebeu-o carinhosamente junto aos amigos, felizes com o sucesso alcançado lá fora do famoso amigo. Passados os primeiros dias de alegria já o espirito de Horácio demonstrava certa preocupação. Era a falta de dinheiro, motivo principal porque teria voltado ao Brasil. Julgava ele que aqui conseguiria o necessário para as sus despesas, mas nada, nenhum trabalho de grande vulto lhe fora confiado, nem por pessoas de prestigio e dinheiro. Assim, preparou-se para voltar a Paris, embora tivesse desejoso de ficar, depois de visitar parentes e amigos por municípios como em Estância, onde demorou-se pouco mais de um mês, na contemplação das paisagens que circundavam a cidade. Para não sair sem deixar uma lembrança de sua passagem, alguma coisa que servisse de referência aos amigos, abriu uma exposição dos seus quadros em benefício das irmãs de D. Domingos Quirino de Souza, um sergipano e conhecido bispo de Goiás. Daí segue para Laranjeiras, depois retorna à Estância.

EXPOSIÇÃO

Saindo de Estância ficou em Salvador, na capital baiana, onde foi recebido com manifestações de carinho e reconhecimento por seu talento. Convidado, monta uma exposição na Academia de Belas Artes com 43 quadros, obtendo um completo sucesso, sendo registrada em um só dia a presença de sete mil pessoas. Os professores da Academia, competentíssimos julgadores do seu mérito artístico, conferiram-lhe o diploma de “Membro Correspondente e Acadêmico de Mérito”. Era a prova de que santo só faz milagres fora de casa. A 16 de julho de 1834, parte para Europa e já em paris, conhece a prosperidade, graças ao apoio de amigos dedicados como Mr. Michaud, sempre à procura de uma novo trabalho à altura do grande artista.

Mas logo, Horácio apaixona-se por uma moça, tornando-se escravizado de maneira insensata; era aquela paixão que ataca aos românticos, que deixam a emoção tomar toda a razão. No desatino, prejudica sua carreira, todo seu futuro, porque submetia-se ao domínio tirano da amada, retirando-se do meio em que vivia, fugindo dos amigos e dos apreciadores de sua arte. Diante da miséria a que chegou, quando teve que vender tudo que possuía, até roupas, desesperançado correu à procura do amigo das horas boas e das horas más, Mr. Michaud. Mas pouco tempo lhe restava, e na hora da agonia mortal, voltou o pensamento para o Brasil, demonstrando a saudade pela terra onde nasceu. E “lamentou morrer longe da pátria nestas suas últimas palavras:  loin de mon pays”.

OBRAS

Pery e Cecy : o toque romântico do pintor

Muitos quadros que retratavam personalidades e que foram feitos na passagem de Horácio por Sergipe, já não se encontram neste Estado. Famílias mudaram-se para o Rio de Janeiro como a do aristocrata João José de Oliveira Leite que possuía o título de Barão de Timbó, levaram os quadros que hoje estão expostos no Museu Histórico Nacional.

A Virgem

Contudo registramos três verdadeiras obras de arte, de Horácio Hora: uma é seu símbolo de fé, está exposta na sacristia da Catedral Metropolitana de Aracaju, na Praça Fausto Cardoso – A Virgem, é uma cópia do quadro do pintor espanhol, Murillo, começada em Paris no ano 1877 e oferecida à igreja. Este quadro foi motivo de muitas críticas, por ser uma cópia, mas o pintor ficou emocionado e prestou de certa forma um culto à Santa Virgem e louvor ao Murillo. Outra é o quadro Pery e Cecy, feito em 1882 em Laranjeiras, inspirado pela leitura do romance O Guarany, considerado o melhor de todos os seus trabalhos feitos por aqui. Este quadro foi adquirido pela colônia sergipana, que vivia na Bahia em 1884. Atualmente, o quadro está no Museu de São Cristóvão juntamente com os desenhos, detalhes da telas muitos outros quadros que passaram para a tutela do governo sem mesmo a família saber. Outro quadro muito famoso é Miséria e Caridade, de 1884, que pertencia ao Hospital de Caridade da Sociedade de Amparo de Maria, de Estância e hoje exposto no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe com o título de Caridade, apenas.

Miséria e Caridade -" Quem dá aos pobres empresta a Deus"

RESTOS MORTAIS

Os restos mortais do pintor Horácio Hora voltaram para a sua terra natal após 101 anos de enterrado no Cemitério de Aubervilliera-Paris. A translação foi autorizada pelos descendentes residentes em Aracaju e a partir da determinação expressa do então governador Antônio Carlos Valadares, por ocasião do ano do Quarto Centenário da Conquista de Sergipe. Os restos mortais só chegaram aqui em 29 de julho de 1991 e durante solene reunião no Instituto Histórico de Sergipe, na presença do governador do Estado, João Alves Filho, da professora e diretora do Instituto, Maria Thétis Nunes, autoridades e intelectuais foi feita uma cerimônia de entrega “ que coloca sob a guarda temporária do Instituto até que a Prefeitura Municipal de Laranjeiras providencie uma herma para recebê-los naquela cidade, conforme os entendimentos mantidos com o prefeito Antônio Carlos Leite Franco, e pela então secretária Estadual de Cultura, Aglaé D’Avila Fontes de Alencar”.

No mesmo dia e mês de nascimento de Horácio Hora, no ano de 1992, os restos mortais foram entregues em praça pública de Laranjeiras, pelo secretário de Cultura em exercício, Neemias Araújo de Carvalho, representando o governador João Alves Filho, ao prefeito da cidade, Antônio Carlos Franco, para serem colocados no túmulo construído para aquela finalidade.
Hoje, Laranjeiras aplaude a iniciativa e orgulha-se de possuir um local, referência para homenagem ao grande pintor sergipano, que foi mais reconhecido e deixou maior número de obras em terras distantes, o nosso pintor, Horácio Hora.

Agradecemos ao Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (Atas), a Biblioteca Pública Epifânio Doria (Bio-Bibliográfico Sergipano Dr. Armindo Guaraná (pág. 120) e ao bisneto de Horácio Hora, Marcelo Hora de Araújo, que tornaram possível este breve comentário sobre o imortal pintor sergipano, patrono da cadeira n. 14 da Academia Sergipana de Letras. De Shirley Rocha, jornalista.

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Publicado no Jornal da Cidade de 17 de setembro de 1995, pág. 10.

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Em tempo:



Os quadros do casal Barão (João José de Oliveira Leite) 
e Baronesa do Timbó (Joaquina Ermelina da Costa) 
pintados por Horácio Hora que estão no 
Museu Histórico Nacional, centro do Rio de Janeiro. 


Fotos do álbum editado em 2003
Sesquicentenário de nascimento de Horácio Hora, 
pela Secretária de Estado da Cultura, 
sob comando de José Carlos Teixeira, 
com patrocínio da Petrobras, Banese e Energipe. 


Texto e imagens reproduzidos do blog: 
academialiterariadevida.blogspot.com/

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