quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Sergipanidade: o tamanho do que não cabe no mapa

Foto: Reprodução

Artigo compartilhado do site RADAR SERGIPE, de 24 de outubro de 2025 

Sergipanidade: o tamanho do que não cabe no mapa

Por Thaiara Silva*

Ser sergipana é carregar o ddd 79 no corpo, como quem traz o código de origem tatuado na alma. É ouvir “oxe” e sorrir, não porque é engraçado, mas porque é casa. É comer amendoim cozido em volta de uma conversa, na praia, com amigos ou em casa, repetindo sem culpa o gesto de quem saboreia o costume. É ver as ladeiras que desembocam em rio e o vento morno que vem do mar. É saber que o pequeno aqui nunca foi sinônimo de pouco.

Sergipe é território de grandes ideias em corpo miúdo. Terra de Tobias Barreto, que filosofou em alemão sem sair do Nordeste profundo. De Maria Thétis Nunes, que escreveu a história do que os livros costumam esquecer. De Felte Bezerra, que ensinou política com coragem e verbo firme. De Beatriz Nascimento, que abriu caminhos para pensar o Brasil preto, feminino e insurgente. De Silvio Romero, Hermes Fontes, Laudelino Freire, Gurmecindo Bessa, Ibarê Dantas e Luís Antônio Barreto, nomes que transformaram palavras em patrimônio. Entre os mestres do povo, há também que mantenha viva a herança dos tambores e das ruas, como mestre Saci, guardião da Maloca e da memória que dança e resiste, ensinando que a cultura não mora só nos livros, mas no corpo e na alma de quem celebra a ancestralidade.

E há também a Sergipanidade que se manifesta em sabores, paisagens e encontros. O turismo nos Cânions do São Francisco, com suas águas esculpidas em silêncio, é quase uma oração diante da natureza. Em São Cristóvão, a queijada que desmancha na boca, história temperada com tempo. Em indiaroba, a empadinha de aratu ainda quente carrega o gosto do afeto. A renda irlandesa de Divina Pastora tece a memória nas pontas dos dedos; Laranjeiras revive o sagrado com Lambe-sujos e os Caboclinhos, e o forró segue como idioma oficial das nossas emoções, afinal, somos literalmente o país do forró, como lembrava o saudoso Rogério. Se o forró é língua materna, a música de Isamar Barreto é o sotaque que traz o sentimento de quem vive em Aracaju. Versos que atravessam gerações e a embalam o pôr do sol na Treze de julho. A  Orla de Aracaju, essa moldura azul que abraça a cidade, do farol da Coroa do Meio até a passarela do caranguejo, continua sendo convite, espelho e descanso.

Nosso “sergipanes” é esse sotaque manso e irônico, é a forma de olhar o mundo com humor e simplicidade. É rir de si mesmo, oferecer café antes de qualquer conversa séria e ainda agradecer por morar num lugar onde o tempo parece respirar diferente. O sergipano é um povo que acolhe, que escuta, que sabe dar notícia boa em tom de prosa.

Ser sergipano é herdar uma coleção de mundos condensados. É ter o costume de falar baixo, mas sentir fundo. É o gesto tímido que guarda um orgulho enorme. É entender que nossa cultura não se mede em metros quadrados, ela se espalha no toque do tambor do afoxé, nas rezas do interior, nas rendeiras de bilro, nas fogueiras de junho e nas prosas de mercado.

Sergipe é um estado que se afirma em miudezas: na tapioca de beira de estrada, no café servido com conversa, no abraço demorado depois da missa, no forró que ainda se dança de rosto colado. Aqui, o tempo anda no ritmo de quem sabe que a pressa nunca fez parte da identidade.

Celebrar o Dia da Sergipanidade é reconhecer a força de um povo que insiste em existir com delicadeza. É saber que há grandeza em ser pequeno e universalidade em ser local. É olhar o mapa e entender que, embora sejamos o menor estado, o que cabe dentro das nossas fronteiras é infinito, porque é feito de memória, resistência e afeto.

E quando alguém me pergunta de onde eu sou, não respondo apenas “de Aracaju”. Digo com a firmeza de quem sabe o valor da origem: sou sergipana, de ddd 79, de alma larga e chão pequeno.

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*Thaiara Silva é jornalista, mestranda e especialista em Análise do Discurso, Semiótica e Marketing Digital.

Texto e imagem reproduzidos do site: radarse com br

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