Foto de Dom Távora, reproduzida do blog de Padre Isaías Nascimento
e postada no blog SERGIPE..., para ilustrar o presente artigo.
O “comunista” D. José Vicente Távora
Por Marcos Cardoso
Entronizado há cinco anos, o Papa Francisco areja a Igreja
Católica com ideias e práticas mais condizentes com o mundo de hoje. É um
avanço para uma Igreja que historicamente vive dando demonstrações não só de
conservadorismo, mas de descompasso com o tempo.
É da Igreja ser conservadora. É da sua essência e disso
depende até a sua sobrevivência. É dogmático. Mas houve tempos em que a Igreja
foi, se não ousada, mais avançada. Pelo menos em questões sociais. Pelo menos
no Brasil. Pelo menos em Sergipe. Um desses tempos foi o começo dos anos 60.
Uma ala da Igreja Católica estava sintonizada com a
efervescência da época. O mundo passava por mudanças e a juventude brasileira
dava sinais de querer mais do que mudar comportamentos sociais. Havia grupos
jovens ligados à Igreja e havia um arcebispo ávido por transformações.
Era D. José Vicente Távora, criador e principal dirigente do
Movimento de Educação de Base (MEB), que inovou alfabetizando através da Rádio
Cultura, também criada por ele em 1959. O movimento ensinou muitas pessoas a
ler e escrever, através das aulas de português, matemática e legislação que
eram transmitidas pelo rádio.
“O MEB incorporou milhares de pessoas em atividades
particularmente criativas, inclusive jovens universitários sequiosos de
mudanças, contribuindo decisivamente para o processo de mobilização social”,
segundo lembra o professor Ibarê Dantas, no livro “Os partidos políticos em
Sergipe (1889-1964)”. “Apesar da tolerância com as manifestações de esquerda e
com as reações de direita, D. Távora permaneceu como a principal autoridade do
movimento até a véspera do golpe de 1964”.
“Atingindo cerca de 12 mil pessoas em perto de 460
localidades e 57 municípios e contando com quase 550 monitores orientados por
19 supervisores, nenhum movimento, em tempo algum em Sergipe, teve tanta
influência, no sentido de proporcionar uma nova consciência aos trabalhadores
rurais”, prossegue o historiador, acrescentando que D. Távora acabou sendo
perseguido pelo regime militar e denunciado como comunista.
Em 1962, quando Jânio Quadros, candidato a presidente da
República, esteve em Aracaju, D. José Vicente Távora propôs a ele um projeto de
educação pelo rádio, a exemplo da experiência iniciada em Natal (RN) por D.
Eugênio Sales. Aceita a proposta, quando Jânio assumiu a presidência o convênio
foi firmado com o apoio da CNBB. Assim surgiu o MEB. O governo federal entrava
com os recursos e a Igreja com a administração. Os primeiros sindicatos
agrários, de inspiração cristã, nasceram em Sergipe sob a inspiração de D.
Távora.
Quando aconteceu o golpe de 31 de março de 1964, a Igreja
ficou dividida. “Uma ala mais ligada ao bispo auxiliar, D. Luciano Cabral
Duarte, zeloso cooperador do Estado Autoritário, revelou-se simpatizante da
nova ordem. Dentro dela, incluem-se alguns sacerdotes e até o bispo de Propriá,
D. José Brandão de Castro, que posteriormente se manifestaria intrépido
defensor das causas dos trabalhadores rurais e dos índios. A outra ala,
vinculada ao arcebispo D. José Vicente Távora, recebeu o movimento como um
grande retrocesso político. O próprio arcebispo, promotor do MEB, foi ameaçado
de prisão. Com o fogo cruzado dos delatores que abominavam sua obra, além de
submeter-se a depoimentos irritantes, esteve por vários dias praticamente
confinado no Palácio Episcopal, escapando de maiores hostilidades por interferência
do general Juarez Távora, seu parente. A campanha de educação popular, vista
pelo patronato como a obra mais nociva à boa ordem, seria severamente afetada”,
escreve Ibarê Dantas (“A Tutela Militar em Sergipe – 1964/1984”).
Conta o historiador que, hostilizado pelas autoridades
militares locais, D. Távora escreveu ao general Juarez Távora e este enviou a
carta ao comando do 28º BC, que mandou chamar o arcebispo, passando-lhe forte
reprimenda. Mas, a partir daí, as ameaças teriam diminuído. No entanto, o MEB
teve vários de seus funcionários detidos e seria reorientado sob a supervisão
de D. Luciano Cabral Duarte. Posteriormente, o MEB se transformaria em “mera
linha auxiliar do Mobral”.
O pernambucano D. José Vicente Távora já era bispo da
capital quando, em abril de 1960, o papa João XXIII criou as Dioceses de
Estância e Propriá e a Província Eclesiástica de Aracaju. Foi, portanto, o
primeiro arcebispo metropolitano de Aracaju. E o foi até quando morreu, no dia
3 de abril de 1970.
Texto reproduzido do Facebook/Marcos Cardoso.
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