Ilustração: Gabi Etinger
Publicado originalmente no Facebook/Amaral Cavalcante, em 29 de dezembro de 2014 ·
Entrevista ao Caderno 'Revista da Cidade', no Jornal da Cidade
de 28/12/2014.
Editado por Lara Aguiar
Lara Aguiar - Como começou a sua trajetória no jornalismo
alternativo em Sergipe? Em que época surgiu o jornal Folha da Praia e com qual
intuito foi criado?
Amaral Cavalcante – Comecei publicando “O Margilino” em
mimeógrafo, jornal de humor e algumas literatices, produzido pela “Turma do
Parque” liderada pelo saudoso Cabo Tripa. No jornalismo tradicional trabalhei
no “Sergipe Jornal” onde convivi com os mestre Luiz Eduardo Costa e Hugo Costa.
Servi também ao Diário de Aracaju, editado por Raymundo Luiz da Silva e
publiquei a coluna “Pique Geral” no Jornal de Sergipe, editado por Leó Filho e
na Gazeta de Seu Orlando Dantas, onde estavam Ivan Valença, Nino Porto e José
Rosa de Oliveira Neto. Como se vê eu sempre estive em boas companhias.
Já o Folha da Praia surgiu em 1981, para dar voz a novos
talentos na escrita e no jornalismo que surgiam naquela época, uma juventude
dourada que instigava a cena cultural sergipana, mas não tinha audiência, não
conseguia veicular suas ideias, cerceados pelo conservadorismo careta nos
veículos tradicionais de imprensa. O nosso nanico, feito ao modo de outros
alternativos de expressão nacional como O Pasquim, O Movimento, o Ex, acabou se
transformando numa peça de resistência política, divulgando artistas e
escritores emergentes e patrocinando uma certa revolução de costumes em
Sergipe. Durante10 anos o Folha da Praia teve periodicidade semanal, circulando
principalmente na praia de Atalaia e nos mais badalados points da cidade. Ele
resiste circulando até hoje, aos 33 anos, com periodicidade mensal ainda
revelando novos talentos e tentado acompanhar a vertigem desses novos
tempos.
O folha é uma grife e, como tal, tem leitores cativos,
aqueles que conquistamos nas areias da Atalaia e que hoje são cidadãos que se
tornaram leitores assíduos. Ainda é um "jornal feito nas coxas” nosso
debochado slogam.
Lara - A partir de que época acontece o seu despertar
literário? E como se dá esse impulso de escrever?
Amaral - Sou de uma geração que leu muito, que viu bons
filmes e grandes espetáculos e, principalmente, que se comunicava e trocava
ideias frequentando os mesmos espaços de lazer e cultura. Comecei a escrever
poesia logo cedo, ainda em minha cidade natal, Simão Dias, incentivado pela
leitura de mestres da literatura nacional e estrangeira. Ao me mudar para
Aracaju recebi o precioso incentivo da Academia Sergipana dos Jovens Escritores
liderada pela poeta Carmelita Fontes; depois, convivendo com os escritores
marginais da Contracultura, fui ampliando os meus horizontes.
Lara - Quais livros já têm publicados e como se deu essa
produção literária?
Amaral - Tenho um único livro de poesias publicado, O
Instante Amarelo, um livro bastante convencional, mas a minha produção em
mimeografo - naqueles tempos a forma usual de publicação para poetas
desabonados - foi bastante profícua. Hoje, escrevo quase diariamente nas redes sociais e mantenho
uma intensa troca de emails com amigos e escritores espalhados pelo mundo.
Ainda considero a publicação de livros convencionais importante para a fixação
da produção literária, mas duvido que o livro tenha a mesma capacidade de
difusão e interatividade que a Web proporciona. Estou empenhado em parar um pouco
a minha produção para organizar um livro de crônicas, bonitinho e agradável aos
olhos, que me permita reunir os amigos numa badalada noite de autógrafos com um
bom vinho e salvas de canapés, embora tema que a maioria desses livros acabe
virgem de leitura, esquecidos entre as heráldicas pucumãns de uma estante
qualquer.
Lara - Como foi sua participação no movimento contracultura
em Sergipe, juntamente com Ilma Fontes e Mário Jorge?
Amaral - Não sou daqueles que lamentam os “velhos tempos”,
muito pelo contrário, considero os tempos atuais mais inclusivos e muito mais
profícuos, mas não posso negar que em nosso tempo o enfrentamento às condições
políticas que cerceavam a nossa liberdade, o desejo de expressar o “novo” nas
artes e nos costumes, enchia-nos de uma tesão criativa e do prazer da
contravenção que nos forçava ao compadrio com as mais legitimas aspirações do
cidadão comum, coisa que se tornou raras nos dias de hoje. Figuras como Ilma (Yumah Ilma Fontes), Mário Jorge, Joubert
Moraes, Lu Spinelli, Barrinhos, Fernando Sávio, Luciano e tantos outros que
empreenderam por aqui um certo movimento contracultural, foram decisivas para
que a província sergipana pudesse encarar os horizontes da modernidade.
Principalmente Ilma fontes e Mario Jorge, que estabeleceram uma conexão entre
nós e os movimentos artísticos e literários em processo nos grandes centros
culturais de então, Rio de Janeiro e São Paulo.
Lara - Você já assumiu cargos de gerência pública na área de
cultura. Em quais pontos da cultura atuou?
Amaral - É, eu sempre tive que trabalhar para me manter e o
serviço público foi quem me absorveu. Comecei como secretário executivo da
Galeria “Álvaro Santos”, levado pelo seu primeiro presidente, Florival Santos.
Iniciamos ali o acolhimento do poder público a toda uma geração de artistas
plásticos. Alem da difusão de novos pintores, colocando-os em interação com a
sociedade e fortalecendo um processo de mercado de arte- inclusive instituindo
o financiamento para aquisição de obras pelo Benese - a Álvaro Santos
consolidou-se como espaço referencial de encontro entre intelectuais e
ativistas políticos, um lugar onde a cidade se encontrava com os seus artistas
e pensadores. Servi, por algum tempo, como secretário executivo da
Sociedade de Cultura Artística, SCAS, sob a presidência de Joao Augusto Gama da
Silva, quando reerguemos a importância daquela instituição para a formação
cultural em Sergipe, colocando-nos como destino acreditado para importantes
companhias nacionais e internacionais. Quando não havia nenhuma repartição
públicaem Sergipe cuidando da Cultura, era a SCAS que fazia este trabalho; Fui diretor técnico da Subsecretaria de Cultura estadual nas
inesquecíveis gestões de Luiz Eduardo Costa e Fernando Lins de Carvalho e
assumi a presidência da Fundação Estadual de Cultura, no governo Antonio Carlos
Valadares. Durante os dois governos de Marcelo Déda atuei como assessor
especial para a Cultura.
Atualmente, aposentado do serviço público e sem grandes
compromissos funcionais, exerço a prazerosa editoria da Revista Cumbuca, na
Segrase, cujo aparecimento é considerado por muitos como um divisor de águas no
campo do designer e da editoração de revistas culturais em Sergipe, até agora.
Se me permite, cara Lara Aguiar, este é o auto elogio em que me seguro,
desesperadamente, para continuar renovando o meu já combalido tesão pelo
trabalho.
Lara - Como é envelhecer?
Amaral – É encontrar novos caminhos, continuar caminhando. È
sentar-se num banco de praça e ver que o desconhecido ainda passa por ali em
busca de veredas que você já percorreu. É a pinima do corpo desobedecendo, a
porra do coração ameaçando se entregar ao cansaço, é a ameaça da obsolescência,
esta sim, a mais cruel matadora.
É também um pacífico amor pelo futuro.
Finalmente, o sentimento que nos imortaliza.
Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Amaral Cavalcante
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