quarta-feira, 25 de novembro de 2020

'João, você foi o maior de todos' , por Clara Angélica Porto

Texto publicado originalmente no Facebook/Clara Angelica Porto

João, você foi o maior de todos
Por Clara Angélica Porto

Brasilia, a 70 km. Em um carro em velocidade (estávamos atrasados), seguimos para a emissora de televisão onde o Ministro estava sendo aguardado para gravar uma entrevista. Com o gravador ligado, eu e João Alves Filho começamos a nossa entrevista para o jornal O Que. Eu sempre ficava impressionada com a rapidez e clareza de raciocínio daquele homem.

Chegamos à televisão e desliguei o gravador. Continuaríamos depois. Ao chegarmos ao estúdio da TV, percebi que dr. João estava suado. Precisava preparar-se para ir ao ar. Falei com alguém e me disseram que havia uma sala de maquiagem, mas o maquiador não estava. Convidei dr. João a ir comigo. Refresquei-lhe a pele com uma loção, passei um pouco de base sem brilho e ele ficou ótimo, pronto para a entrevista. Brilhou! Aliás, não era nenhuma novidade. João Alves não era somente um grande empreendedor, o maior político de Sergipe, o maior governador do estado, ele era um dos homens mais brilhantes que já conheci.

“O mundo é feito pelos que sonham”, disse-me em entrevista. “Sou um mestre de obras que sonha grande”, disse-me também.

Foram muitas as entrevistas, foram muitos os momentos de conversa descontraída, que sempre me deixavam admirada pela inteligência cognitiva e emocional daquele homem.

Ele nunca perdia o fio da meada. Certa vez,  quando me recebia em sua residência, começamos a conversar de gravador ligado. Minutos depois, alguém entrou e lembrou-lhe que tinha que ir a um enterro. Olhou para mim e me pediu que ficasse e esperasse por ele. Colocou um vídeo de um balé russo e disse: “É lindo, vejo sempre. Antes que acabe estarei de volta”. E, virando-se para o emissário: “Mande trazer doce de araçá”. Era o doce preferido de João Alves. Fiquei ali, encantada com o vídeo, confortavelmente instalada no sofá, comendo doce. Uma hora depois ele voltava, e quando eu ia ligar o gravador para ele ouvir as últimas frases, ele sorriu aquele sorriso enorme e disse: “Não precisa. Sei exatamente onde fiquei”. E continuou o pensamento como se não houvesse sido interrompido.

Mente ágil, coração brando e sensível, olho de águia, ele percebia todas as coisas de imediato e sabia como poucos lidar com as circunstâncias. Para ele, crises eram oportunidades e citava o significado de crise em chinês.

Um dia, minha ajudante foi atender o telefone e voltou com os olhos arregalados: “D. Clara, acho que é trote. Tem um homem dizendo que é o governador João Alves Filho”. E era. Estava mandando um carro para eu ir tomar o café da manhã com ele. “Venha comer cuscus com ovos comigo, preciso falar com você”.

Sempre tínhamos conversas intermináveis que eu acabava transformando em artigos ou análises. A inteligência de dr. João me fascinava. Tínhamos uma admiração mútua e daqueles olhos sempre sorridentes, recebi muita aprovação.

João Alves acreditava em mim. Fomos mais que a jornalista e a autoridade, fomos amigos. Eu o adorava e não fazia segredo disso. Era grande a minha admiração por aquele homem que sonhava grande e realizava. O maior empreendedor público de Sergipe. Sergipe é um antes e depois de João Alves. Aracaju também.  Por onde ele passava, virava canteiros de obras enormes que iriam mudar a economia, gerar empregos, mudar a aparência. Fotos de Aracaju antes de João e depois de João, mostram o impacto das mudanças.

João Alves era um homem bom. Disse-me que mesmo em meio a campanhas, quando chegava em casa de madrugada, rezava o terço ajoelhado antes de dormir.  Podia estar cansado como fosse, mas desse momento não abria mão. E acordava muito cedo. O homem era incansável. O homem tinha visões impossíveis, mas como não acreditava no impossível, corria para realizar.

Sergipe muito deve a João Alves Filho, o filho do construtor João Alves, de quem tinha muito orgulho e dizia que foi dele, do pai, que veio o empreendorismo, “foi de meu pai que nasceu o mestre de obras”. Sim, um verdadeiro mestre, não só de obras, mas da arte de governar e viver. Que líder que perdemos.

Quando soube que dr. João tinha Alzheimer, fiquei imensamente triste. Como podia aquele cérebro tão privilegiado, ficar doente? João Alves perdeu o que tinha de mais forte, a mente. A partir daí, a vida já não lhe era mais tão significativa, pensei. Confesso que fiquei revoltada com a peça que o destino pregara a dr. João; e inconformada.

Hoje, a notícia da morte de dr. João, não me pegou de surpresa. Todos já sabíamos, já esperávamos por isso. Pensei: “descansou, dr. João, o senhor precisava mesmo descansar”.  Minha tristeza é imensa e profunda. Perdi um amigo, que conversava olhando nos meus olhos, que me apoiava e prestigiava. Mas a tristeza de hoje, a tristeza do fim, é menor que a tristeza que senti quando soube que ele já não reconhecia as pessoas, que o cérebro já estava completamente comprometido pelas névoas da doença.  Foi difícil saber que aquele homem excepcional tinha sido abatido naquilo que tinha de mais forte, de mais brilhante: a mente. Chorei muito e comuniquei-me com Aninha Alves, por quem sempre nutri muita ternura, o contato com ela de uma certa maneira me ofereceu consolo. Dr. João era muito apegado a Aninha e se preocupava muito com ela.

Estou muito triste hoje. Perdi um amigo. Perdi uma fonte de inspiração. Meu coração está de luto. Sergipe está de luto. Perdeu seu maior mestre de obras.

Texto reproduzido do Facebook/Clara Angelica Porto

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