Texto publicado originalmente no Perfil do Facebook/Amaral
Cavalcante, em 9 de junho de 2017
Por Amaral Cavalcante
Viajávamos num submarino amarelo, movidos pelo gás
psicodélico da contracultura. Nosso destino eram os oceanos de paz e amor que
banhavam o mundo. Na colorida década de sessenta, éramos Hippie, sim senhor.
Aqui em Aracaju, como no resto do mundo ocidental, a
juventude tinha dois modos de resistir aos fundamentos de uma civilização que
caducava: o engajamento no ativismo político partidário ou o choque de
costumes, a reinvenção de posturas existenciais pregadas pelo movimento Beat.
De qualquer modo, era a juventude lutando pelos ideais de
plena liberdade e de respeito aos direitos individuais, acima de tudo.
Reconfigurava-se a cabeça dos bem nascidos e bem instalados
no topo da pirâmide social, uma galera rica de nascença contida no sufoco de
uma Aracaju provincial, querendo igualar-se em curtição e consumo ao glamour do
mundo lá fora. Mas precisávamos de algum lugar, aqui, que desse guarida às
nossas inquietações.
Foi então que voltou Luiz Adelmo regressando de experiências
cariocas onde aprendera as demandas do consumo cultural e suas possibilidades
comerciais. Trazia histórias empolgantes: Intimidade com as estrelas, notícias
de um mundo fantástico que existia pra lá do Vaza Barris, no Sul Maravilha do
Teatro Opinião, nos bares de Ipanema e nas luzes estreboscópicas do
Hippopótamus.
Adelmo sempre foi um visionário e voltou para cá na hora
certa.
Abriu o primeiro bar multicultural de Aracaju, o “Barracão”,
em imóvel alugado na Atalaia. Virou point obrigatório. Foi o Bar que nos
acostumou a rumar para a praia, fosse como fosse: de carona ou dissimulado no
transporte da Bonfim para encontrar consonância e abrigo psicodélico num bar
que reunia tudo. Todo mundo ia!
E como era chique o bar de Luiz Adelmo! Primeiro, ele pintou
grandes margaridas sob fundo azul no muro da calçada e decorou o ambiente com
profusas flores de papel crepon. Tudo na linha despojada, como convém a um bar
na beira da praia, mas já era uma ousadia estética na mesmice provinciana. Depois, inventou noites temáticas como a do
“Amor e paz”, devidamente decorada com o símbolo do movimento Hippe. Tratou de
armar matinês políticas onde a turma dos “engajados” pudesse tramar a derrocada
do poder, encorajados pela valentia etílica de vários engradados de cerveja.
Logo depois, teve de consentir bailes de máscara e outros rococós, para
contentamento da freguesia gastante. Tudo bem! E se não fosse ali, onde
haveríamos de estar? A pista que trazia Aracaju à Atalaia nunca estivera tão
congestionada!
Mas a missão de Luiz Adelmo não era tão fácil! Toda vez que
ele promovia uma festa ela acabava em briga de murro. Rapazes brigões se
afirmavam assim, no esfrega-esfrega da luta corporal. Mesas de pernas pro ar,
contas sem dono, prejuízo irrecuperável e intimações policiais resultavam
sempre. Chegou o dia em que não deu mais pra segurar e Luiz Adelmo foi tratar
de vida melhor em outros ramos.
Voltou a inovar com a Galeria de Artes “Horácio Hora”, onde,
por muito tempo, fez da incipiente arte plástica sergipana um empreendimento
lucrativo. Graças a Luiz Adelmo começamos a entender a função essencial do
marchand e a instituir por aqui um mercado de artes plásticas.
O seu memorável bar, o Barracão, foi o precursor da Atalaia
que temos hoje: um lugar onde curtimos os refrigérios da cidadania e demos
vazão à nossa recém descoberta rebeldia.
Texto reproduzido do Facebook/Amaral Cavalcante
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