segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Seu Zuza e o "Fiu it", ou, "Os antigos Guardas Noturnos de Propriá"

Seu Zuza. (Imagem: Arquivo/Via Propriá News).

Publicado originalmente no site Click Sergipe, em 14/01/2017.

Seu Zuza e o "Fiu it", ou, "Os antigos Guardas Noturnos de Propriá".

Por: Adeval Marques/Propriá News.

História e memória de Propriá: Lembro com saudosismo e prazer do meu tempo de criança em Propriá de algumas lembranças ternas que o tempo não apagou da minha memória. De tantas que tenho e mantenho viva uma delas é especial porque me fazia viajar em um imaginário que eu criava por força da ocasião: os antigos Guardas Municipais das décadas dos anos 70, 80 e meados dos idos de 1990. Embora tenham ficado no tempo eles deram suas contribuições para nossa sociedade e hoje são História.

Noite velha.... Um menino dormia na calma e paz do seu lar quando de repente um som quebrava o silêncio da noite: era o apito distante do Guarda Noturno que viaja as ruas da cidade evitando que ladrões ou malfazejos criassem situações que pudessem colocar a sociedade em perigo ou ter prejuízos. Eu então me acordava e ficava ouvindo. De repente, mais uma vez, o som do apito estava mais próximo e minha mente entrava em ação, produzindo imagens e situações medonhas. O terceiro apito era pior! Já estava na minha rua e aquele som forte que fazia: “Fiiiiiuuu it, fiu it, fiuuuu”, me deixava extasiado de medo. O que era aquele som? De onde vinha? Quem o fazia? Quem era aquele ser misterioso que andava pelas ruas perambulando em plena noite de sereno? Eram perguntas que aquele menino, criança ingênua de pouca idade fazia a si mesmo. Ele queria respostas. Quem poderia dar?

Bem distante dali, da rua das Pedras, hoje Rua Monsenhor Floduardo, em pleno Bairro Alto do Aracaju, outro som surgia de muito distante. Dessa vez já na rua da Linha. Outro, parecendo quase apagado, também surgia dos confins da cidade parecendo ser no Bairro Remanso. Na Avenida Tavares de Lira outro também apitava. Eram tantos e então aquela criança, de olhos arregalados, enrolada em um cobertor, em total silêncio dizia para si mesma: “Hoje tem muito fiu it...”. O irmão do lado também acordava-se e ficava do mesmo jeito: medo e silêncio. Cada apito que fazia o outro respondia distante. Perguntava o menino a si mesmo e a cada som de apito um novo arrepio. Então eu corria para o quarto dos meus pais na busca de proteção contra o Fiu it. Pai, que já sabia do que se tratava, e então me olhava e sem dizer nada apenas deixava que eu dormisse um pouco ali com eles e me levava de volta para minha cama onde só acordava quando o Sol já havia saído.

Onde fiu it morava? Quem era fiu it? Por quê apitavam? Eu tinha que saber! No outro dia os questionamentos eram colocados no café da manhã, mas, sem respostas porque era uma maneira de fazer com que a noite nós deitássemos cedo.

Anos se passaram e um dia, já mais encorajado, decidi que iria abrir a porta e ver aquele ser que me apavorava nas noites. Eu tinha que saber quem era Fiu it! Fiquei esperando e, de repente, o som do apito bem forte: Fiiiiiuuuuuu it, fiuuuu it! Não aguentei e sai correndo para o quarto de papai. Foi então que aquele mistério teve fim. Meu pai me chamou e, abrindo a porta, fez com que eu enxergasse a imagem daquele ser medonho que me apavorava. Lá, na esquina da bodega de seu Aluizio, escorada na parede, em plena madrugada de sereno, eu ví um homem de capote preto, chapéu, com um porrete em uma das mãos, um pequeno cachorro do lado. Foi uma imagem apavorante e ao mesmo tempo bonita. Então, ele levou um objeto à boca, e, soprando, saiu aquele som que rasgava as noites deixando-a misteriosa e mais bonita: Fiiiiiuuuuu it! Era seu Zuza, ou, como era também conhecido Azeiteiro porque ele trabalho muito tempo na antiga Fábrica de Tecido Propriá como o homem que lubrificava as máquinas e dai Azeiteiro.

Foi triste para mim ver chegar ao fim aquele mistério das noites de uma Propriá que não mais existe. Aquela tranquilidade e paz, o silêncio de uma cidade ingênua com os sons noturnos de Fiu it. Anos depois, por força da falta de desenvolvimento do lugar, me vi indo embora para Aracaju. Voltei casado já na década de 1990 e ainda encontrei Fiu it nas noites. Dessa vez eu trazia ao meu lado minha filha Natália Marques que, repetindo a minha história, ouvia nas noites o som do apito de seu Zuza, meu amigo azeiteiro. Ela então me perguntava: “Pai, quem é?” Então eu lhe respondia: “É Fiu it! Vá dormir se não ele pega!” Ela dormia ao meu lado porque sabia que estava em paz. Depois com a segunda filha e assim foi por muito tempo. Até hoje elas lembram, igual a mim, de Fiu it.

Hoje em dia o que resta é saudade e história de uma Propriá antiga e nostálgica que não volta mais. Seu Zuza, no Alto do Aracaju, Seu Bráulio no centro da cidade, Zé Luiz na rua da Linha e os demais já não existem mais. Seu Zuza agora apita no céu, deve tá por lá com seu apito alegrando as noite por lá; papai também já se foi e aquela Propriá, das noites misteriosa, de paz, silêncio e tranquilidade também. Mas, em algum lugar, eles estão todos juntos continuando a história.

Fiiiiuuuu it...

Texto e imagem reproduzidos do site: clicksergipe.com.br

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