Cemitério dos Náufragos, triste memória dos torpedeamentos
Publicado originalmente no site DESTAQUE NOTÍCIAS, em 21 de junho de 2020
Há 78 anos, um inimigo invisível fez 551 mortes em Sergipe
Há quase oito décadas, os aracajuanos também tiveram que se
isolar em suas casas, principalmente à noite, quanto todas as luzes da capital
eram apagadas para enganar o inimigo. Diferente do que ocorre hoje com a
Covid-19, a ameaça daquela época era de carne e osso, falava alemão e matava
principalmente quem se aventurava no mar. Estamos falando da tripulação do
submarino alemão U-507, responsável pelos torpedeamentos na costa sergipana dos
navios mercantes Baependi, Araraquara e Annibal Benevolo, causando as mortes de
551 pessoas. Essa triste história foi estudada pelo professor Dilton Candido
Santos Maynard, da Universidade Federal de Sergipe, e resumida na reportagem
que segue abaixo:
Era o ano de 1942. Todas as noites, Aracaju ficava às
escuras e com suas ruas completamente desertas por conta de blecautes
programados e toques de recolher. Havia o receio de que a cidade, com as luzes
acesas, se tornasse alvo fácil e fosse bombardeada.
Situações como essa se tornaram corriqueiras após três
navios mercantes próximos à costa de Sergipe serem torpedeados, causando a
morte de 551 pessoas. Os ataques foram atribuídos ao submarino alemão U-507 e
as embarcações atingidas foram o Baependi (270 mortos), Araraquara (131) e
Annibal Benevolo (150). No dia seguinte, 17 de agosto, outros dois navios foram
atacados: Itagiba e Arará, na costa da Bahia, vitimando mais 56 pessoas.
Dilton Candido Santos Maynard começou a pesquisa ainda
quando bolsista
Durante esse mesmo período, o mundo acompanhava atônito aos
desdobramentos de um dos maiores massacres de que se têm registros na história
da humanidade: a Segunda Guerra Mundial. O Brasil assistia ao embate entre
nações sem tomar uma declarada posição, até que os torpedeamentos nas costas
sergipana e baiana forçaram o então presidente, Getúlio Vargas, a declarar
guerra contra os países do Eixo – grupo formado por Alemanha, Itália e Japão.
O submarino U-507 viria a ser afundado em 1943 no litoral
norte brasileiro, pela Força Aérea dos Estados Unidos, mas seus ataques já
haviam deixado, além das centenas de mortos, marcas no cotidiano dos
sergipanos.
Longa pesquisa
Ainda quando era estudante, Dilton Candido Santos Maynard
começou a pesquisar sobre o cotidiano de Aracaju na Segunda Guerra, como
bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic),
mas acabou interrompendo temporariamente as pesquisas. Agora, como professor do
Departamento de História e orientador, resgata o assunto.
“Duas coisas me fizerem retomar o tema: a ausência de
trabalhos que tratassem com maior cuidado o período, e ao mesmo tempo, o
aspecto político e simbólico que esses torpedeamentos tiveram para o Brasil e
para Sergipe naquele momento”, conta o professor.
Além de abordar aspectos históricos e sociais, como as
mudanças ocorridas no cotidiano do povo de Aracaju após os ataques, a pesquisa
tem por objetivo analisar como os jornais da época tratavam o tema e como a
visão dos populares a respeito do conflito foi alterada.
O professor exemplifica como alguns problemas enfrentados
ainda hoje pela população aracajuana já afetavam a vida de seus antepassados
ainda na primeira metade do século XX, como o transporte público. “As poucas
marinetes que a sociedade tinha enfrentavam dificuldades no que diz respeito a
peças, ao tratamento dos motoristas, dos condutores. Esses problemas acabaram
se aprofundando porque com o passar do tempo e com o avanço da guerra ficou
mais difícil chegarem peças aqui”.
Notícias dos jornais
Dilton Maynard revela que além de informações sobre os
transportes, os jornais traziam notícias sobre a má qualidade do serviço de
fornecimento de energia elétrica e dificuldade com os preços que dispararam na
época, embora houvesse uma tentativa de controle por parte do governo.
“Não somente as notícias da guerra aparecem – como, por
exemplo, a invasão à França, os avanços de Hitler, a preparação da Inglaterra –
mas o próprio linguajar dos jornais é tomado por um certo belicismo. Fala-se em
promoções do tipo Blitzkrieg (termo alemão para ‘guerra relâmpago’) contra as
tristezas da vida. Quando se fala de um jogo, tratam como um combate entre os
dois times. Vários termos ligados ao conflito acabam entrando no linguajar dos
jornais”.
Para facilitar a compreensão do que foi aquele momento para
os habitantes de Aracaju, o professor compara a um fato mais recente: o
incêndio da boate Kiss na cidade de Santa Maria (RS), em 2013, tragédia que
vitimou mais de 240 jovens.
O submarino U-507 sendo afundado no litoral brasileiro pela
Força Aérea dos Estados Unidos
Rotina modificada
“Se em pleno século XXI não conseguimos conceber a perda de
tanta gente, tantos jovens morrendo quando deveriam estar apenas se divertindo,
pense o que são mais de 500 pessoas morrendo e parte desses corpos chegando a
uma cidadezinha de 50 mil habitantes, onde a coisa mais diferente que havia na
rotina do local era o ano novo, ou o carnaval”.
Outro aspecto importante da pesquisa para Dilton Maynard é o
fato de Aracaju ser uma das únicas cidades do continente americano a sofrer
diretamente as consequências da Segunda Guerra. O outro caso lembrado foi a
Batalha do Rio da Prata, ocorrida em Montevidéu, Uruguai, ocasião em que um
navio alemão com pesada artilharia foi cercado por três embarcações britânicas
e se viu obrigado a bater em retirada.
O pesquisador lamenta haver desconhecimento sobre esse
evento histórico ocorrido em Sergipe até por seus próprios habitantes.
Entretanto, lembra que existem alguns indicativos que têm como objetivo não
permitir que esse fato caia no esquecimento, como a rodovia, o cemitério e a
praia dos Náufragos – neste trecho do litoral aracajuano chegou grande parte
dos corpos, trazidos pelo mar, vitimados pelos naufrágios. Na capital, há
também um monumento dedicado aos pracinhas – soldados da Força Expedicionária
Brasileira (FEB) enviados à Itália para integrarem as forças aliadas,
comandadas pelos Estados Unidos, Reino Unido e União Soviética, na luta contra
os regimes nazista e fascista, representados pelo Eixo – no bairro Siqueira
Campos.
Memórias desarticuladas
Contudo, Maynard destaca o problema de não existir um
trabalho que articule essas memórias em torno dos navios torpedeados na costa
sergipana. “Existem a praia, o cemitério e a rodovia dos Náufragos. Mas existem
náufragos desde o tempo em que o homem começou a navegar. Isso não vai colar a
memória sergipana a esse acontecimento. A grande exceção, claro, são as pessoas
mais velhas que sabem que isso está ligado a esse momento triste de nossa
história, mas os mais novos, não”.
O professor conclui que o estudo sobre o cotidiano de
Aracaju mostra que, mesmo enfrentando dificuldades para obter alimentos e
outros utensílios, os cidadãos acabaram se adaptando ao clima de guerra e
seguiram sua rotina. “As procissões continuaram ocorrendo, os cinemas
continuaram existindo, a ida às praças, ao futebol. Num determinado momento há
o choque como é normal, mas você percebe que aos poucos as pessoas voltam a
circular por esses ambientes”.
Por Marcilio Costa e Guilherme Almeida (bolsista)
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Texto e imagens reproduzidos do site: destaquenoticias.com.br
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