Legenda da foto: Imagem reproduzida do site Jornal o Boêmio
e postada pelo blog para ilustrar o presente artigo.
Texto publicado originalmente no site JLPOLÍTICA, em 5 de
abril de 2021
Opinião - Ilma Fontes e sua resistência ao ordinário
Por Francisco Diemerson (Coluna APARTE) *
O ano era 2001 e em um de fim de tarde banal estava eu com
alguns amigos bebendo vinho barato dos estudantes na Praça do Atheneu quando
parou um jeep antigo e uma mulher de cabelos brancos desceu e nos entregou uns
jornais diferentes. Depois descobri que ali era a jornalista Ilma Fontes,
entregando o precioso “O Capital - Jornal de Resistência ao Ordinário”.
Naqueles traçados do destino, fui trabalhar no Conselho
Estadual de Cultura e eis que na primeira reunião do plenário, onde eu iria ser
apresentado como novo estagiário, eis que reconheço a cabeleira branca por
baixo do boné: era um reencontro com Ilma Fontes.
Desde aquele ano até agora Ilma foi parte de minha vida. Foi
uma mentora, no entender dos movimentos culturais sergipanas. Me apresentou
Mário Jorge, Newman Sucupira, Wagner Ribeiro, Araripe Coutinho. Me mostrou uma
riqueza de histórias vividas, de livros lidos e imaginados, de uma série de
projetos que ela sonhava e colocava em pé.
Nos encontramos várias vezes quando ela dirigia o Teatro
Lourival Baptista, onde me falava do teatro sergipano e de seus desafetos
carinhosos. Mensalmente, na primeira quinta, ela coordenava um encontro
marcante no Espaço Cultural da Assembleia Legislativa, integrando artistas
plásticos, escultores, músicos, escritores, atores e uma imensidão de gente que
ia aproveitar o coquetel e rever os amigos numa animada noite.
Juntos, criamos a Casa do Poeta de Aracaju, promovendo
encontros com estudantes de ensino médio no auditório da Escola do Legislativo,
onde ela falava de suas paixões pelas artes, pela literatura, pela cultura.
Era um show de alma profunda, que nos deixava provocados a
produzir e a produzir mais. Vários sábados, após minhas aulas no cursinho
pré-vestibular, passava em sua casa na Beira Mar sempre levando biscoitos
amanteigados para seus pais, numa festa de abraços e histórias ricas de detalhes
curiosos.
Todos os meses a gente se encontrava para receber as novas
edições do “O Capital - Jornal de Resistência ao Ordinário”, um verdadeiro
painel das mais variadas ideias sobre arte, música, política, literatura, com
os ácidos e certeiros editorias da própria Ilma e que fazia um panorama
carinhoso e duro com os andamentos culturais de Sergipe.
Lembro da vez que ela me parou o trânsito no meio da Barão
para me entregar um envelope de jornais dizendo “leve para seus alunos”.
Quando fundamos a Academia de Letras de Aracaju, ela me
ligou perguntando dez mil coisas e reclamando que ela não era careta para ser
acadêmica. E desligou o telefone. No dia seguinte, me ligou de novo e disse:
“olhe, Diemerson, eu vou mas se inventarem chatice eu caio fora”.
E ela foi e fundou a cadeira com Mário Jorge como patrono e foi uma grande provocadora dos debates, das ideias, sempre presente nas atividades da Academia e muito firme nas cobranças, e sempre carinhosa, atenciosa.
Criei coragem e pedi que ela fizesse o prefácio do meu
primeiro livro. Entreguei os originais e fiquei dias nervoso, aguardando sua
ligação, sabendo que se ela não gostasse do material não iria escrever nada.
Ela me liga e manda ir em sua casa. Chegando lá, totalmente
nervoso, ela me diz: “rapaz, você é corajoso. Adorei esses textos, mas acho que
esse título é péssimo. Eu sugiro que mude para esse aqui”. E assim, direta e
carinhosa, ela mudou o nome do livro, a ordem dos textos e me mandou um texto
maravilhoso.
Os cuidados médicos afastaram ela de nosso cotidiano e essa
pandemia piorou tudo. Às vezes quando ela estava na porta de casa eu parava o
carro e mandava beijos e ela sorria respondendo. Na última vez que nos falamos,
ela estava preocupada com alguns projetos e mandando conselhos para a Academia.
Ilma Fontes foi uma firme ativista da cultura sergipana, mas
sua marca que fica mais evidente para mim é a da sua capacidade de apoiar o
novo, de juntar jovens e provocar neles inspiração e resiliência, incentivando
autores, poetas, artistas e jornalistas.
A cultura sergipana fica mais pobre sem Ilma. Depois de uma
luta dolorosa, ela agora descansa e nos deixa a missão de preservar e valorizar
seu legado. E assim faremos. Obrigado, grande Ilma Fontes!
[*] É professor e presidente da Academia de Letras de
Aracaju e do Conselho Estadual de Cultura de Sergipe.
Texto reproduzido do site: jlpolitica.com.br
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