domingo, 14 de março de 2021

"Para sempre, Clodoaldo de Alencar Filho!", por Luiz Eduardo Oliva

Legenda da foto:  o último encontro de Luiz Eduardo Oliva com Alencarzinho há uns cinco anos: com Nilton Santana, Alencarzinho - de amarelo -, Nestor Amazonas e Zeza (José Vasconcelos).

Publicado originalmente no site JLPOLÍTICA, em 13 de março de 2021 

Para sempre, Clodoaldo de Alencar Filho!
Por Luiz Eduardo Oliva (Opinião/JLPolítica) *

Recebo agora a notícia: o acadêmico Clodoaldo de Alencar Filho, titular da Academia Sergipana de Letras e ex-reitor da Universidade Federal de Sergipe, faleceu. Para mim, Alencarzinho. Para mim só não: para os da minha geração.

Não há como escrever os passos da cultura sergipana dos anos 60 a 80 sem se referir a Alencarzinho, sobretudo a cultura artística. Jorge Lins logo disse: “Mais um dos nossos bruxos que se vai. O mundo tá ficando mais pobre”.

Terezinha Oliva me diz: “Nossa! De quantas mortes teremos ainda que saber? Alencarzinho era o símbolo de uma UFS que abria caminhos, de uma Aracaju cultural instigante, de uma Rádio Cultura realmente preocupada com a cultura. Que pena! Mas ele descansou. Que descanse em paz”.

Nestor Amazonas viu nele um guia: “Uma referência para mim na cultura sergipana”. E wu completei: “Ele foi minha principal referência. No humor, na cultura, na visão alargada. Para sempre Alencarzinho”.

Alencarzinho nos anos 60 do século passado era o homem do teatro. “Eles não usam Black-tie”, de Guarnieri, não foi só sucesso nacional. Também com ousadia, foi montada pela SCAS com João Costa à frente, tendo no elenco Alencarzinho, Aglaé, que viria a ser a parceira e a mãe de seus filhos Del, queridíssima, e Jean Marcel.

Quando Godofredro Diniz foi prefeito de Aracaju nos anos 60 Alencarzinho foi o chefe do Departamento de Cultura da cidade, o embrião dos órgãos culturais.

Mas antes, no finalzinho dos anos 50, Dom Távora chegava para o primeiro arcebispado sergipano. Chegou aqui e Dom Helder Câmara no Recife.

Eram os dois maiores prelados brasileiros, que seguiam a doutrina de João XXIII, que se consagraria no Concílio Vaticano II.

Dom Távora se cercou das melhores cabeças da geração 50/60, e entre estas Alencarzinho e João Oliva. Então à João confiou o jornal A Cruzada e fundou uma rádio, a Cultura, e deu o comando artístico a Alencarzinho. Até radionovela aconteceu.

E nosso Alencar Filho, amigo que era de João Gilberto, o papa da Bossa Nova, o trouxe em 1960 para comemorar o primeiro ano da Rádio Cultura. João veio para fazer um show. Ficou um mês revendo a terra em que morou, estudou e aprendeu violão.

No início dos anos 70, para ser preciso, em 1972, o reitor João Cardoso da recém-criada Universidade Federal de Sergipe, por sugestão de João Oliva criou a comissão para o Festival de Arte de São Cristóvão.

Seria apenas uma comemoração do sesquicentenário da Independência. Alencarzinho foi quem deu o tom de um evento com dimensões nacionais. E o resultado é que é a festividade mais longeva da cultura brasileira.

Alencar criou o Grupo Expressionista de Teatro ao lado de Aglaé Fontes, formando uma geração de atores e atrizes sergipanos. Escreveu “As intemporais”, uma série de entrevistas quando atuava na imprensa sergipana.

Depois escreveu o “Caleidoscópio”, outro livro marcante. Tinha assento na Academia Sergipana de Letras. Foi pró-reitor de Extensão quando eu fui pró-reitor de Assuntos Estudantis no início dos anos 80 e depois reitor da UFS.

Um dia, em 1990, quando eu fazia mestrado em Santa Catarina, o então reitor Clodoaldo de Alencar Filho estava participando ali de um evento do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras - CRUB.

Visitou-me lá em Florianópolis e me disse: “Amigo, Tereza Prado está se aposentando. Quero que você volte para Sergipe para dirigir o Cultart - Centro de Cultura e Arte da UFS”.

Eu ponderei que estava concluindo minha dissertação de mestrado. Três meses depois, retornei. Fui seu diretor do Cultart e depois seu pró-reitor de Extensão. Desde então, não fui a mesma pessoa.

Não pelos cargos, mas por poder estar ao seu lado, aprendendo. Com ele, aprendi a grandeza de amar a cultura da nossa terra. Com ele, vi que viver é sobretudo saber levar a vida com muito humor.

Perspicaz, integrante de uma família altamente cultural - o pai, Clodoaldo, era poeta. O irmão Luiz Carlos, um intelectual do Judiciário, foi ministro do STJ - o ministro Fontes de Alencar.

O outro irmão, Leonardo de Alencar, foi um dos maiores artistas plásticos da sua geração. Hunald de Alencar, o Hunaldinho, era um poetaço. Alencarzinho era brilhante. Tinha uma cultura polimorfa.

Quando presente, virávamos satélite e ele o astro principal. Fazia humor da própria vida. Tinha uma deliciosa gargalhada. Era poeta. Foi ator, jornalista, escritor. O único professor do curso de Letras que foi reitor da UFS, bons tempos que um literato comandava nossa universidade.

Sim, Alencarzinho, presente! Alencarzinho, meu mestre! Alencarzinho, minha referência. Vá em paz amigo. Sergipe e sua cultura muito lhe devem. Para sempre, Alencar Filho!

* É advogado, poeta e foi pró-reitor da UFS na gestão de Alencarzinho. É membro da Academia Sergipana de Letras Jurídicas.

Texto e imagem reproduzidos do site: jlpolitica.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário