Texto publicado
originalmente no blog EDUCAÇÃO HISTÓRIA E POLÍTICA, em 13/03/2021
Por Jorge Carvalho do Nascimento*
Nos anos 70 eu era um jovem repórter no jornal Gazeta de
Sergipe e recebi uma pauta para entrevistar o professor Clodoaldo Alencar Filho
sobre o Festival de Arte de São Cristóvão. Fui até a sede do Centro de Extensão
Cultural e Assuntos Comunitários - CECAC da Universidade Federal de Sergipe.
O CECAC funcionava na rua Itabaiana, no centro de Aracaju,
em um antigo casarão, em frente ao quartel da Polícia Militar do Estado de
Sergipe. Eu estava acompanhado pelo fotógrafo Luiz Carlos Lopes Moreira e era
uma das primeiras vezes que ia à rua sozinho como “foca” obter informações e
entrevistar alguém.
E não era qualquer pessoa. À época, para mim, Clodoaldo de
Alencar Filho era uma espécie de “vaca sagrada” inacessível, um tipo de ícone
da cultura sergipana. Um intelectual reconhecido. Jornalista, escritor,
professor de Literatura Inglesa da UFS, teatrólogo, ex-diretor da Rádio Cultura
de Sergipe, fundador e ex-diretor do Departamento de Turismo do Estado de
Sergipe, idealizador e primeiro diretor da Galeria de Arte Álvaro Santos.
Ao chegar à antessala do diretor do CECAC fiz a minha
apresentação. Pouco depois fui convidado a entrar. Confesso que estava nervoso,
sem saber o que dizer a um homem tão erudito. Alencar estava sentado na
cabeceira de uma mesa comprida conversando sobre o Festival de Arte de São
Cristóvão com duas outras figuras que eram então marcantes na vida da UFS – o
jornalista João Oliva Alves e a professora Albertina Brasil Santos.
Levantou-se, veio em minha direção, abriu um sorriso largo,
estendeu a mão para um cumprimento e, em seguida, sem que eu esperasse, me deu
um abraço de boas-vindas. Quebrou-se o gelo. Assim era Alencar. Percebeu o meu
nervosismo e tomou a iniciativa de me deixar à vontade.
Fui convidado a sentar naquela mesa comprida, ao lado de
João Oliva e Albertina Brasil, também duas figuras importantes da vida cultural
de Aracaju. Serviu água gelada e café para todos nós. Conversava falando sobre
cinema com os convivas. Oliva e Albertina se despediram e eu iniciei a
entrevista com Alencar. Iniciei talvez não seja o termo apropriado. Percebendo
que eu estava perdido e sem saber o que perguntar, ele dirigiu a entrevista.
Sua metodologia foi peculiar. Voltava-se para mim e dizia:
você não gostaria de me perguntar qual o orçamento previsto para o FASC deste
ano? Eu perguntava e ele respondia laudatoriamente. Em seguida, dizia: cairia
bem uma pergunta sobre a concepção artística do FASC deste ano. Eu acatava a
sugestão e ele respondia novamente. Foi deste modo que conversamos durante
quase duas horas. Saí dali encantado com a simpatia daquele intelectual que
percebeu a minha fragilidade e didaticamente, como sabem fazer os bons
professores, mostrou o melhor caminho para desvendar o conjunto de informações
que eu buscava.
Os anos passaram. Nos tornamos amigos. Em 1989, Clodoaldo de
Alencar Filho era o reitor da Universidade Federal de Sergipe e o meu amigo
Luiz Eduardo Oliva era Pró-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários. Oliva
propôs a Alencar o meu nome para assumir o cargo de Diretor do Centro de
Cultura e Arte - Cultart da UFS.
Eu era mestre em História da Educação e professor do Departamento de História da Universidade. Alencar aceitou a sugestão de Oliva e numa reunião em seu gabinete me relembrou daquele nosso primeiro encontro, mostrando a sua prodigiosa memória. Comecei a trabalhar. Como diretor do Cultart coube a mim e a Luiz Eduardo Oliva, o pró-reitor que me chefiava, a organização do Festival de Arte de São Cristóvão daquele ano, justamente o FASC que fora objeto da minha primeira conversa com Alencar.
Trabalhei ao lado de Clodoaldo de Alencar Filho e de Luiz
Eduardo Oliva até o encerramento do seu mandato como reitor. Aprendi muito com
ambos. A melhor das lições que Alencar me ofereceu foi a da temperança. Era
característica dele exercitar a paciência política.
Nos corredores da UFS contava-se que toda vez que Alencar
recebia em seu gabinete um auxiliar que se mostrava mais exaltado, ele fazia
com que a conversa ficasse mais comprida. Saía da mesa de reitor e sentava num
sofá do gabinete ao lado do visitante. Pedia dois sucos de maracujá, água
gelada e café. Ao final da conversa, depois que o conviva havia se acalmado,
dizia uma frase que lhe era característica: “amigo, temperança... Bronca é arma
de otário”.
Neste sábado, 13 de março, recebi a triste notícia da morte
de Clodoaldo de Alencar Filho, aos 89 anos de idade. Tem alguns anos que ele
sobrevivia com dificuldade de locomoção. Algumas comorbidades senis tomaram
conta do corpo do brilhante intelectual que foi Clodoaldo de Alencar Filho.
Para mim ficaram as suas lições de vida, a admiração pelo
grande intelectual que conheci e um extraordinário sentimento de gratidão. Vá
em paz, meu querido amigo Alencar.
* Jornalista, professor, doutor em
Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia
Sergipana de Educação.
Texto reproduzido do blog educacaohistoriaepolitica.blogspot.com
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