quarta-feira, 24 de março de 2021

Prof. Clodoaldo Alencar, Reitor Emérito da Universidade Federal de Sergipe.

Publicado originalmente no Perfil FACEBOOK/JOSÉ VIEIRA, em 13 de março de 2021

Há alguns instantes fui informado do falecimento do professor Clodoaldo Alencar, Reitor Emérito da Universidade Federal de Sergipe.  Um exemplo de homem público com quem tive a honra de trabalhar e de dialogar no curso de minhas pesquisas sobre o ensino superior, o movimento estudantil e a sociedade no contexto do final da ditadura civil-militar e do advento da Nova República.  Em respeito e em homenagem a este intelectual, gestor público e humanista, reposto a foto do nosso último encontro. Meus mais sinceros sentimentos aos familiares, amigos e colegas.

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Publicação de 6 de janeiro de 2018.

"Um silêncio profundamente eloquente" - Clodoaldo de Alencar Filho – Reitor Emérito da UFS (1988-1992)

Por José Vieira da Cruz*

O argumento de que o significado de uma imagem vale mais que mil palavras, expressão popular atribuída a Confúcio, conhecido filósofo chinês, nem sempre é suficiente para abstrair os conteúdos e sentidos que uma imagem contém e pode gerar.

Na foto em tela, registro o encontro com o professor Clodoaldo de Alencar Filho, Reitor Emérito da Universidade Federal de Sergipe (UFS), em um café citadino de Aracaju, ocorrido ontem 05/12/2018. Frente a esse registro fotográfico e ao título atribuído, resta-me, explicar algumas dos sentidos da imagem e do encontro.

Alencarzinho, como muitos o conhecem, foi um dos primeiros reitores eleitos da Universidade Federal de Sergipe, no período de retomada da Democracia Brasileira, após a longa e triste experiência da ditadura civil-militar (1964-1985). Nascido na cidade de Estância/SE, formado em Letras Inglês, pela Faculdade Católica de Filosofia, uma das instituições que deram origem a UFS. Alencar atuou de forma decisiva na cena política e cultural: no rádio, no teatro, na imprensa escrita e na gestão pública municipal de Aracaju na época do prefeito Godofredo Diniz Gonçalves (1963-1967), e, depois na gestão da Universidade como Reitor eleito pela comunidade universitária (1988-1992).

A sua participação e experiência na cena cultural, remonta à década de 1950, quando em contato com o florescer do teatro urbano brasileiro, assiste e ajuda a montar nas terras de Serigy a peça "Eles não usam Black-tie", de autoria de Gianfrancesco Guarnieri, que retrata os dramas de um sindicalista e de sua família premidos entre a lide política e sindical no chão de uma fábrica e os desafios de residir em um morro na periferia de uma cidade brasileira.

Nos idos da década de 1960, Alencar teve atuação destacada na locução de programas na Rádio Cultura, em atividades cênicas do teatro amador, em atividades junto ao Diretório Acadêmico de Letras "Amando Fontes", no Sergipe Jornal com uma coluna sobre o turismo, dentre outras interações junto aos movimentos culturais e políticos que pululavam a época, dentre os quais o da criação da Universidade em Sergipe, fato que só se efetivaria em maio de 1968. Antes disso, a partir de abril de 1964, essas ações lhe valeram algumas "conduções coercitivas" junto ao quartel do 28ª Batalhão de Caçadores (28ª BC), uma das várias divisões do Exército Brasileiro.

A respeito dessa experiência, em setembro de 1998, ainda na condição de estudante do Curso de História, tive a oportunidade de entrevistá-lo, e ao perguntar-lhe sobre os significados do golpe civil-militar de 1964 tive a seguinte resposta:

"Olha, as primeiras 62 horas, foi uma depressão horrível.

Teve gente que foi presa logo no dia. Eu fui preso em

Maio. Ali não era somente o medo de ser preso. Acabou!

O ano parou... E agora? E agora? ... Vou voltar a apoiar

concurso de miss, as dez mais elegantes. Toda a alienação

da sociedade voltou. O que o movimento de política popular

estava começando a inibir, ficou um vazio!.. Ficou um

vazio! Um silêncio profundamente eloquente!"

Algumas décadas depois, aquele jovem estudante de letras, agente cultural e gestor público municipal, torna-se docente da então jovem instituição (UFS) – agora envolta com as comemorações dos seus 50 anos –, e junto com os demais segmentos da comunidade universitária (estudantes, técnicos e docente) participa da luta em defesa da autonomia universitária e da democracia como norte para o ensino superior e para o país.

Neste contexto, entre 1988 e 1992, após o resultado da consulta eleitoral junto à comunidade da UFS, ele assumi o cargo de reitor e cumpri, no contexto de transição política, o papel de consolidar os fundamentos e compromissos institucionais da universidade junto aos valores democráticos e de desenvolvimento humano, social, econômico e de inovação científica.

Eram tempos de (re)construção política, dos quais, pelo menos entre os anos de 1988 a 1989, pode acompanhar de perto, como trabalhador da equipe do seu gabinete, os esforços para manter a essência da Universidade Pública: o tripé ensino, pesquisa e extensão, a gratuidade e o compromisso com a sociedade.

Essa experiência, anos depois de meu ingresso como estudante no Curso de História na UFS, em 1993, resultou no desenvolvimento de pesquisas que desembocaram na minha tese de doutorado e na sua respectiva publicação, em outubro de 2017. 

Há! Já ia esquecendo, uma das razões desse encontro foi o de entregar ao professor Alencar o livro “Da autonomia à resistência democrática: movimento estudantil, ensino superior e a sociedade em Sergipe, 1950-1985”, que narra uma parte dessa e de outras histórias do ensino superior e do País a partir de Sergipe.

Enlaçada por essa breve narrativa, penso que a imagem, capturada na foto em tela, revele significados do encontro e de parte dessa História.

* Doutor em História Social (UFBA), Professor e atual Vice-reitor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL)

Texto e imagem reproduzidos do Facebook/José Vieira

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